No longínquo ano de 1997, o Scorpions veio ao Brasil para um festival que também teve Dio e Bruce Dickinson. Eu estava lá. Depois do show do Bruce Bruce, contudo, o cara que estava comigo, meu companheiro de shows na época, decidiu ir embora. Apesar de querer ver o show, acabei indo com ele. Por um lado, eu não conhecia muito da banda além das mais famosas. Por outro, a gente tinha combinado de rachar o táxi da volta e eu não tinha dinheiro para pagar sozinho pela corrida.
Algum tempo depois, eu acabei indo atrás e conhecendo o som dos alemões (sim, eu sei que o correto é alemães, mas falar alemões é mais divertido – e o que seria do Hard Rock sem a diversão, certo?) mais profundamente e, com isso, entraram no seleto hall das minhas bandas de Rock preferidas. Portanto, essa chance perdida de assistir ao show dos caras aterrorizou a minha vida por muitos anos. Felizmente, em 2005, a banda voltou às nossas terras para o festival Live ‘n’ Louder, onde pude retificar aquele grande erro no meu currículo roqueiro e acrescentar o Scorpions no rol das centenas de bandas que já tive o prazer (e, em alguns casos, a infelicidade) de ver ao vivo. Aliás, o show deles no festival em questão está entre os melhores shows que já assisti, com um setlist muito bem escolhido, calcado principalmente nas suas músicas mais pesadas que, convenhamos, são as que tornam o Scorpions tão especial.
Ontem (essa resenha foi escrita no dia 8 de agosto), dez anos depois daquele dia negro, quem diria, fui ao Credicard Hall não apenas para assistir, mas também para cobrir o show dos caras. O lugar estava lotado, acho que nunca vi a casa tão cheia, mas será que o concerto estaria à altura do apresentado no Live ‘n’ Louder? Tudo indicava que não, já que o setlist divulgado para a imprensa alguns dias antes do show contava com mais baladas e carecia de algumas músicas tremendonas que foram tocadas no festival, como Can’t Live Without You e We’ll Burn The Sky. Por outro lado, eu achei o álbum Humanity Hour I mais legal que o anterior, o (Unbreakable).
Comparando o que foi tocado realmente com o que foi divulgado, ficou faltando Make It Real e You and I. Já The Game of Life foi acrescentada. Mas estou me adiantando. Vamos ao tradicional faixa a faixa e relato pessoal do que aconteceu na noite.
Na hora de pegar as credenciais, a moça que as estava distribuindo disse que tinha apenas uma cópia do setlist. Logo, copiamos (no caso, a Cinthia, minha costumeira assistente de shows quando ninguém na equipe topa cobrir o dito cujo) as músicas para poder nos concentrar em escrever apenas o que acontecia de diferente ou especial durante cada uma delas.
Às 22:05, com mais de meia hora de atraso, os “alemões” finalmente sobem ao palco do Credicard Hall. Quando olhei o setlist oficial do dia, achei o começo do show meio fraco. Eu estava errado. Após a engraçada introdução meio circense, os primeiros acordes da pesadíssima Hour I (e não estou exagerando, essa faixa é mais pesada que muito pretenso Thrash Metal por aí) mostram que essa era uma ótima escolha para abrir o show.
Depois de uma empolgante música pesada e recente, nada como um clássico que apresente a típica alegria do Hard Rock. Esse clássico foi Bad Boys Running Wild. Depois dessa, vieram os tradicionais cumprimentos em português e elogios demagógicos. “What a beautiful place”, exclamou o vocalista Klaus Meine se referindo a São Paulo. Beautiful? Será que ele está na mesma cidade que eu? Enfim, essa faixa foi seguida da também divertida e pegajosa Love ‘em Or Leave’em, do recente Unbreakable.
Como sempre acontece, as três primeiras músicas do setlist são aquelas onde o chiqueirinho é liberado para os fotógrafos. E devo dizer que foi realmente um prazer fotografar a banda. Os músicos faziam freqüentemente as tradicionais poses e coreografias típicas do Hard Rock (como dois deles fazendo os backing vocals no mesmo microfone, por exemplo), mas o mais legal é que eles freqüentemente olhavam para as câmeras ou faziam poses especialmente para alguns fotógrafos.
É comum em shows de Rock vermos alguns fotógrafos que realmente se exaltam e que fazem de tudo para chamar a atenção da banda, pulando e berrando para conseguir um olhar em suas fotos. Também é comum outros que estão lá sem câmeras e que se aproveitam do acesso privilegiado da credencial para pegar palhetas (a meu ver, apenas os fotógrafos deveriam ter acesso ao chiqueirinho para evitar esse tipo de coisa). Eu não sou nenhum desses. Normalmente, eu fico na minha, me esforçando para conseguir combinar da melhor forma que minha capacidade e meu equipamento permitirem os três fatores essenciais da fotografia de shows (pelo menos para mim): iluminação, enquadramento e posições dos músicos. Justamente por causa disso, eu não devo chamar muita atenção ali na frente (e nem quero).
Mesmo assim, era freqüente que a banda, principalmente Klaus Meine e o guitarrista Rudolf Schenker, se aproximassem de mim e fizessem posições olhando para a minha câmera. Em determinado momento, por exemplo, Schenker se abaixou na minha frente apontando a guitarra para a minha câmera. É claro que aproveitei o momento. Isso foi bem legal e me fez pensar porque todas as bandas não agem assim (algumas parecem simplesmente ignorar os fotógrafos). Afinal, a gente está lá para ajudar na divulgação do show e é de interesse direto dos músicos que as fotos saiam legais. Abaixo, você confere, como sempre, a galeria de fotos do show, com mais de 50 delas, onde você vai encontrar todas essas coisas.
O clássico The Zoo foi a quarta música. Particularmente, acho-a meio parada, mas é daquelas que, mesmo não sendo a melhor da banda, acaba sendo obrigatória no show, por ser conhecida do grande público e querida pelos fãs, mais ou menos como The Number of the Beast, do Iron Maiden.
Deep and Dark foi a próxima, seguida da instrumental Coast to Coast, onde Klaus assumiu a terceira guitarra. Essa música é realmente muito legal, mas acho meio estranho que ela seja tocada até hoje em shows, já que o público não costuma ir muito com a cara de instrumentais e a banda tem muitas outras músicas mais conhecidas. De qualquer forma, eu a prefiro a The Zoo, por exemplo.
Klaus então diz que eles não podem deixar de tocar algumas músicas acústicas. Na época do Live ‘n’ Louder, nosso amigo Thiago Cardim, o El Cid do finado site A Arca reclamou da ausência de Send Me An Angel, que considera uma baladinha muito fofa. Pois ele deve ter ficado feliz nesse momento, pois a dita cuja foi justamente a primeira desse set acústico. Aliás, alguém já reparou na fixação do Scorpions por falar “Here I Am” no refrão antes do nome da música? Eles fazem isso tanto em Send Me An Angel quanto em Rock You Like a Hurricane. Mais bizarro que isso só o Savatage e suas duas músicas diferentes chamadas Visions (imagina o Queen fazendo duas Bohemian Rhapsody diferentes?).
Particularmente, acho um erro colocar mais que uma balada seguida no setlist e o Scorpions colocou três. Assim como aconteceu no Aerosmith, contudo, as minas piram o cabeção nesses trechos, então nem dá para dizer que essa é uma decisão errada das bandas e, até então, o concerto estava bem pesado. Embora para mim, aí tenha se iniciado o momento mais morno do show, acredito que muitas pessoas vão destacá-lo como a melhor parte.
Obviamente, nessa parte eles trocaram as guitarras por violão e o do Matthias Jabs era bem legal, pois tinha apenas o contorno do corpo e o braço no meio, sendo vazia no restante. Aliás, aproveito essa pausa para falar um pouco desse guitarrista. Ao lado de Ritchie Blackmore, ele é, atualmente, meu solista preferido. Seus solos são melodiosos e bonitos, exatamente como um bom solo de guitarra tem que ser. Para deixar mais claro, pense nas melodias guitarrísticas do Iron Maiden. Por mais legais que sejam, elas são melodias, não solos. Matthias Jabs tem as manhas de fazer sua guitarra cantar sem deixar de ser solo e pouquíssimos guitarristas conseguem isso.
Enfim, as outras baladas dessa parte foram a bonita Always Somewhere e a famosa Holiday. Ao contrário do show anterior, dessa vez a parte pesada da Holiday foi tocada (após uma pequena pausa para que os músicos recuperassem seus instrumentos elétricos), o que foi bem legal e me surpreendeu, pois não esperava isso.
Após três baladas, esse seria um bom momento para alguma das músicas mais metalizadas da banda (tipo Dynamite), mas não foi o que aconteceu. O clima morno predominou na próxima, Humanity, uma das mais fracas do novo disco. Aliás, é curioso pensar que em músicas como essa ou até mesmo na balada Still Loving You, o Scorpions parece pender para aquele estilo arrastado de um Black Sabbath e, como o delfonauta dedicado bem sabe, isso não me agrada.
Segundo o setlist oficial, a próxima música seria New Generation, do álbum Unbreakable, mas a banda parece ter decidido trocá-la por The Game of Life. Foi uma boa troca, pois essa música, embora seja do último disco, tem a maior cara de hit do Scorpions. Poxa, tirando o refrão, ela até lembra bastante Rock You Like a Hurricane, sobretudo o início. Digo mais, aposto que se ela tivesse sido gravada nos anos 80, seria daquelas obrigatórias hoje em dia. Aliás, na minha frente tinha um casalzinho bem engraçado, pois eles gritavam, cantavam e pulavam absurdamente em todas as músicas do Humanity Hour I, mas ficavam praticamente parados em todas as outras músicas. É estranho que alguém que pareça gostar tanto de um disco não vá atrás dos outros.
O show voltou a esfriar um pouco com Leaving You, que veio antes da primeira das minhas preferidas, a completamente oitentista (embora tenha sido lançada nos anos 90) Tease Me, Please Me.
Nesse ponto, eu já estava ficando realmente bravo com um cara da primeira fila que levou uma guitarra de brinquedo e ficou segurando ela para cima desde o início do show no maior desrespeito tipicamente brasileiro com as milhares de pessoas que estavam atrás dele. Para ser sincero, eu estava até desejando com a força da mente que ele desenvolvesse algum tipo de lesão por esforço repetitivo por segurar a guitarra para cima o tempo todo (alguém assistiu aquele episódio de South Park em que um personagem usa a força da mente para desejar câncer aos seus inimigos? “O que você está fazendo?” “Eu estou desejando que você tenha câncer” “Oh, não, não faça isso comigo!”). Felizmente, Klaus Meine parece ter ouvido minhas preces e pegou a guitarra do cara. Fingiu que estava tocando por algum tempo e acabou quebrando o brinquedo, devolvendo para o dono com a maior cara de sem graça do tipo “ih, foi mal”.
Aliás, aqui vale fazermos um novo adendo para elogiar o som da casa nesta noite. Há muito tempo eu não assistia a um show com um som tão cristalino, o que era ainda mais valorizado pela performance da banda, que mantinha as músicas exatamente como elas foram gravadas. O negócio estava tão perfeito que cheguei até a cogitar que fosse playback (não era). Poucas são as bandas que conseguem ter um som tão bom ao vivo e o Scorpions consegue fazê-lo sem abrir mão da presença de palco, brincadeiras com a platéia e demais diversões essenciais a um show de Rock.
Depois dessa que é uma das minhas músicas preferidas da banda, a minha preferida do novo disco, 321 e seu refrão clichê e divertido (Are you ready to rock?). Nessa música, o baterista James Kottak se destacou mais, pois além dos backing vocals que faz em quase todas as faixas, chegou também a fazer a contagem, que é a parte mais legal dela.
Pelo jeito o cara gostou dos holofotes, pois a próxima faixa, Kottak Attack era, obviamente, um solo de bateria. Na verdade começou como algumas brincadeiras da cozinha escorpiana, com o baixista Pawel Maciwoda tocando alguns riffs famosos do Rock, sendo acompanhado pelo seu colega da percussão. Dentre esses riffs, tocaram até uma do Metallica, que foi cantada pela platéia em alto e bom som.
Essa parte até foi divertida, mas logo o sujeito do nome estranho sai do palco e James começa seu solo que seguiu à risca o roteiro dos solos de bateria para shows de Rock que já foram muitas vezes explicitados aqui. Só que teve uma parte bem estranha, quando ele parou de tocar e a platéia fez silêncio. Daí ele tirou a camisa e, nesse exato momento, a platéia gritou muito, sobretudo os homens. O solo continuou e ele logo colocou uma outra camisa, fazendo com que o público gritasse muito novamente – acho que eles não gostaram do que viram (ok, dessa vez aplaudiram porque era uma camiseta do Brasil, mas eu não podia perder a piada, né?). Só que ele fica muito pouco tempo com a camisa verde-amarela e já a tira de novo, enquanto grita “São Paulo, you kick ass!”
Após a esfriada natural de um solo de bateria, vinha o melhor momento do show e uma das seqüências mais tremendonas que já vi ao vivo: Blackout, Big City Nights e Dynamite. Essas são três das melhores, mais famosas e mais queridas músicas da banda e tocá-las assim, em seqüência, chega a ser até covardia. Na minha opinião, um bom show de Rock deve ter esse tipo de intercalação, alternando duas músicas pesadonas (Blackout e Dynamite) com uma mais comercial e bonitinha (Big City Nights), mas acredito que foi um erro colocar todas as músicas mais fortes do repertório juntas, principalmente se lembrarmos que o meio do show foi deveras morno.
Depois de uma trilogia dessas, nada pior do que a sempre anticlimática pausa fingida para o bis. Uma das piores coisas de shows de Rock é essa babaquice de todas as bandas em fingir que vai embora sem tocar seus maiores sucessos e essa pausa é sempre anticlimática. No caso, ela foi ainda piorada por vir depois de uma seqüência de músicas tão legais e piorada ainda mais pela música escolhida para o retorno ser uma balada, a famosíssima Still Loving You, da qual eu particularmente não gosto.
A seguinte também foi uma balada, mas dessa eu não só gosto como acho uma das melhores músicas lentas do Hard Rock. Trata-se de Wind of Change e de sua mensagem de paz e união que, infelizmente, são valores muito distantes de nós, sobretudo do público predominantemente burro do Heavy Metal (leia aqui para entender melhor). Embora para mim a versão definitiva dessa música seja a presente no Acoustica, mesmo sua versão elétrica é muito legal e ouvi-la ao vivo e sentir a energia decorrente disso realmente nos faz acreditar, pelo menos durante aqueles cinco minutos, que é possível vivermos em um mundo que não seja dominado pelo ódio.
O maior sucesso comercial dos “alemões” vinha a seguir, com Rock You Like a Hurricane. Particularmente, acho a versão de estúdio original dessa música bem fraca e parada, mas ao vivo ela ganha novos contornos. O riff e o solo iniciais são extremamente empolgantes e, por si só, já valem sua inclusão no setlist. Sem falar que o solo em questão é o melhor exemplo que posso dar dos tais solos “melodiosos, mas sem deixar de ser solos” que falei antes que tornam Matthias Jabs um dos melhores solistas do Rock na minha opinião.
A versão de Rock You Like a Hurricane tocada aqui foi a presente no álbum Momento of Glory (obviamente sem a orquestra), ou seja, depois do solo principal, ao invés de repetir a estrofe, entra um belo riff de guitarra, que desencadeia no refrão final. Particularmente, a prefiro assim.
Quando a música acabou, teve aquela tradicional enrolação onde todos os músicos ficam fazendo barulho nos seus instrumentos, daí a banda veio para a frente do palco e se despediu. Mas o setlist ainda tinha mais uma música, será que não vai rolar? Obviamente, a banda estava sendo muito ovacionada e, em troca, sem nem ter saído do palco, nos presentearam com um teatrinho. Klaus olhou para Rudolf e falou, fora do microfone, “one more?”, o que ele respondeu afirmativamente. Realmente isso foi convincente e acredito que muitos fãs acharam que estavam sendo agraciados com um bis de verdade, não planejado (o que, pelo que me consta, nunca deve ter acontecido na história do Rock ou, pelo menos, não na minha história do Rock). Nesse ponto até me lembrei de uma dica dada nas telas de loading do jogo Guitar Hero II: “não escreva seu bis no setlist, pois os fãs saberão que você o planejou”. Palavras sábias vindas de um jogo de videogame.
A música planejada para enganar o público foi When The Smoke Is Going Down. Sim, outra balada e, indiscutivelmente, muito menos apropriada para fechar um grande show do que Rock You Like a Hurricane. A banda se despede e dessa vez deixa o palco de verdade, após duas horas cravadas de show.
Algumas coisas bem simples teriam melhorado bastante o show, como uma reorganização do setlist para não concentrar todas as baladas em dois blocos, mas alterná-las com as mais pesadas e talvez a substituição de When The Smoke Is Going Down por uma Can’t Live Without You também fosse legal. E convenhamos, aquele teatrinho para enganar o público é completamente desnecessário. Não é isso que vai fazer alguém gostar mais do show, mas essa falsidade me fez gostar menos. O veredicto final é de que foi um ótimo concerto, talvez o melhor do ano até o momento, mas infelizmente não vai se unir à apresentação do Live ‘n’ Louder como um dos grandes shows da minha vida. De qualquer forma, quem ainda não tinha assistido à banda ao vivo, deve sair satisfeito. Eu, pelo menos, saí.