Os Estados Unidos Contra John Lennon

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O delfonauta dedicado já deve ter percebido que, nos últimos meses e talvez até anos, eu tenho ouvido bastante Punk e Hardcore. Parte do que me atraía no estilo eram as letras realistas e altamente identificáveis. Mais recentemente, comecei a ouvir especialmente as bandas mais políticas desses estilos, como o Dead Kennedys. E vendo o quanto sujeitos como o Jello Biafra realmente têm a dizer – e até mesmo quão visionárias algumas letras compostas nos anos 70 são – comecei a me interessar bastante pela visão política desses caras.

Dessa forma, comecei a correr atrás de documentários sobre Punk e HC. Consultei meus amigos na Argentina, que me mandaram três deles, que assisti no mesmo dia: American Hardcore, Punk: Attitude e Punk’s Not Dead. Os dois primeiros são focados especialmente na música e no movimento, enquanto o último fala principalmente dos novos Punk (os que surgiram dos anos 90 para cá, tipo Offspring). Mas o que eu queria era algo falando especialmente da parte política e lírica, não tanto da musical.

Por que diabos gastei dois parágrafos do limitado “espaço internético dominado por asnos que usam a sigla TLDR quando o texto tem barra de rolagem” falando de Punk e Hardcore em uma resenha de um filme sobre o John Lennon? Elementar, caro delfonauta. Os Estados Unidos Contra John Lennon é para o ex-Beatle exatamente o que venho tentando encontrar em um documentário Punk. Em outras palavras, ele foca especialmente na vida política e ativista deste ícone da música mundial.

Não espere nada sobre a infância do sujeito ou sobre composições de músicas dos Beatles. Isso tudo está bem documentado em outros filmes. O que temos aqui é John Lennon não como músico, mas como alguém lutando por um mundo mais justo e mais pacífico.

Para cumprir essa missão, os diretores reuniram uma quantidade de entrevistados de qualidade impressionante. Claro, temos a Yoko Ono, a única capaz de contar as coisas na primeira pessoa do plural, mas o que mais impressiona é a aparição de filósofos contemporâneos como Noam Chomski (cujo nome você sem dúvida conhece se fez alguma faculdade de comunicação), de jornalistas, ativistas e até agentes do FBI. Até mesmo o homenageado aparece bastante, obviamente em imagens de arquivo. A única ausência que senti foi dos Beatles sobreviventes. Seria interessante ver declarações do Paul McCartney, especialmente no início do filme, quando falam do despertar da consciência política de John.

O filme dá espaço para aqueles que eram inimigos de Lennon, como os agentes do FBI e demais pessoas que conduziram as investigações contra ele, mas atrás da falsa cara de imparcialidade, a montagem deixa clara que o autor estava interessado mesmo é em vilanizar o governo estadunidense. E poderia ser de outra forma? “Como alguém pode discordar da frase give peace a chance?”, é uma pergunta feita por um dos entrevistados em determinado momento. Ele mesmo responde: “O governo discordou”.

E os diretores conseguiram algumas declarações bastante interessantes, que acrescentam muito à imagem que eu tinha do Beatle. Alguém comenta que John disse para ele “quando eu cantava que queria segurar sua mão (referência a I Want To Hold Your Hand), milhões de pessoas ouviram. Então é melhor eu cantar sobre dar uma chance à paz”.

Poxa, alguém aqui discorda disso? Musicalmente, gosto muito mais dos Beatles boy band do início do que da fase mais crítica e séria dos últimos discos, mas é perfeitamente lógico esse tipo de evolução. Para um adolescente, pouco mais importa além de garotas e diversão. Conforme amadurecemos, vemos quão efêmero isso pode ser ou, em outras palavras, sexo só é importante até fazermos. Tem até uma cena que John discute com uma jornalista que dizia ser fã do que ele fez no passado. Ele diz “eu cresci, você não”.

O documentário perde um pouco o ritmo apenas no final, quando se estende por mais tempo do que o necessário no nascimento do filho de Lennon e fala muito pouco sobre sua morte, justamente a parte que tinha tudo para ser mais interessante. Ora, muito pode se especular sobre isso. Será que o doido que puxou o gatilho não foi apenas alguém contratado por motivos políticos? Se pensarmos que praticamente todos os ícones que lutaram por um mundo melhor morreram assassinados, de Gandhi a Martin Luther King Jr., essa ideia fnordiana parece ser cada vez mais assustadoramente plausível.

Apesar dos tropeços nos últimos minutos, que impossibilitaram o filme de ser o primeiro documentário da história agraciado com o SELO DELFIANO FUCKIN’ SUPREMO, este é um filme indispensável para qualquer indivíduo interessado no lado político dos artistas. Ainda que esteja saindo nos nossos cinemas com quatro anos de atraso, é simplesmente imperdível para qualquer um que trabalhe ou queira trabalhar com comunicação. Afinal, se você tem a sorte de ter pessoas interessadas no que tem a dizer, por menor que seja esse número, é melhor usar esse poder com responsabilidade. E John Lennon é, provavelmente, a maior inspiração que poderíamos ter para alcançar isso.

E se alguém conhecer algum documentário sobre o lado político do Punk e/ou do Hardcore, queira fazer a gentileza de me indicar. ^^

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