Imagine o seguinte cenário: políticos enviando mensagens de texto para o seu celular, jogos de videogame com banners publicitários de algum candidato, acompanhamento em tempo real das agendas políticas e a possibilidade de uma interatividade efetiva entre os eleitores e os seus futuros representantes. Os pólos de emissão de conteúdo se multiplicaram. Hoje, já é possível manifestar livremente opiniões políticas através de blogs, e-mails, micro-blogs, e redes sociais como o Twitter, o Orkut ou o Facebook. A web possibilitou a produção, o armazenamento e a distribuição de informação de uma forma mais fácil e barata, sem depender da concessão do Estado. Todas essas potencialidades foram empregadas com sucesso nos Estados Unidos na campanha do atual presidente Barack Obama. E no Brasil, como elas serão utilizadas nas próximas eleições?
O acesso à internet no país tem avançado consideravelmente nos últimos anos. Cada vez mais brasileiros, inclusive os das classes D e E, estão navegando, seja de casa, do trabalho ou de lan-houses da vizinhança. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), divulgada em setembro de 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 31,2% das residências brasileiras possuíam computador em 2008, um progresso de quase 5% em relação ao levantamento anterior de 2007. Em se tratando de conexão à internet, o aumento foi de quase 4%, alcançando 23,8% das residências com computador. Em números absolutos, foram registrados, em 2008, 53,9 milhões de internautas que tenham feito pelo menos um acesso anual, um crescimento de aproximadamente 18 milhões em comparação com 2006. A inserção da internet nas diferentes classes sociais também tem crescido. De acordo com o Interactive Advertising Bureau Brasil (IAB), entre 2007 e 2009, os usuários da classe C passaram de 33% para 45% e nas classes D e E, o número de internautas passou de 15% para 25%.
O aumento da quantidade de usuários, entretanto, é limitado pelos problemas de infra-estrutura, de velocidade de conexão e pelos preços elevados, que ainda são importantes obstáculos para a universalização do serviço de banda larga. Em termos políticos, também é necessário investigar os usos que os brasileiros fazem das novas tecnologias. “A política não faz parte do cotidiano da grande maioria dos internautas brasileiros. A maior parte deles acessa a internet para ver o Orkut, se divertir, acompanhar as fofocas e não para ler notícias e debater política”, afirma o jornalista Humberto Sampaio, co-proprietário da RZ Comunicação. Na mesma direção, o publicitário Adelino Mont’Alverne, diretor da Nomad Comunicação Interativa, empresa que presta serviços ao Governo do Estado da Bahia, reconhece que para se aproximar do eleitorado brasileiro e, principalmente, dos jovens, que são os usuários mais atuantes na internet, é importante trabalhar modelos atrativos do conteúdo e propaganda política. “A criatividade na hora de moldar o discurso político será decisivo para o sucesso das campanhas na internet. A solução é fazer coisas diferentes. Mandar discursos em PDF, com 300 páginas, não funciona”, observa.
Brasil X Estados Unidos
Nos EUA, a internet foi protagonista no processo eleitoral. Os estrategistas de Obama criaram perfis em mais de quinze redes sociais e estudaram as características do público de cada região para individualizar ao máximo as estratégias e os instrumentos de propaganda. O objetivo era estabelecer relações mais conversacionais e próximas com os eleitores. De maneira sofisticada e sem precedentes em todo o mundo, foram utilizados o mobile marketing (envio de notícias e propaganda via celular) e o e-mail marketing, além da criação de uma rede social própria, MyBarackObama (MyBO), para organizar e mobilizar os simpatizantes.
O site, que totalizou dois milhões de perfis e mais de 400 mil posts em blogs, reuniu um complexo banco de dados com informações sobre potenciais eleitores, e cada inscrito tinha a missão de fazer visitas e tentar angariar votos de indecisos ou de republicanos insatisfeitos em sua vizinhança. O candidato democrata também arrecadou, em grande parte por meio de pequenas doações individuais através do site, quase o dobro do que seu adversário, o republicano John McCain, o que lhe permitiu, por exemplo, comprar mais espaços de TV em horários nobres na reta final da campanha.
Para o discurso de celebração da vitória, em Chicago, Obama convocou todos os seus apoiadores que moravam próximos ao local do evento por mensagens de textos personalizadas via celular. A intenção era fazer com que todos os eleitores se sentissem parte fundamental do seu triunfo. “O mais importante no caso de Obama foi a base de dados construída. A ideia não era mandar a mesma mensagem para todo mundo, mas individualizá-la”, ressalta Mont’Alverne.
Quem poderá ser o Obama brasileiro? É difícil imaginar que a internet terá, no Brasil, a mesma amplitude e penetração nas próximas eleições. O acesso à web e o tempo de campanha são muito maiores nos Estados Unidos. Enquanto lá, todo o processo eleitoral dura dois anos, no Brasil, pelo menos oficialmente, o tempo de campanha é de três meses. Essa diferença facilita a mobilização popular e permite que as discussões políticas estejam mais presentes na sociedade. Para Leonardo Vilanova, coordenador de projetos online da Layout Comunicação, uma das principais armadilhas para os políticos brasileiros é querer seguir à risca o exemplo de Obama, sem levar em consideração as peculiaridades do cenário nacional. “Obama mostrou o potencial e como explorar as novas possibilidades oferecidas pela internet. Cabe aos candidatos, marqueteiros e estrategistas beberem dessa fonte e adaptar à nossa realidade. Coisas que lá não funcionaram bem podem surtir efeito aqui e vice-versa”, argumenta.
A internet não pode ser pensada de maneira isolada. Ela está inserida em um contexto social e político que naturalmente determina a forma e a intensidade com que será utilizada. Não será somente através dela que os políticos brasileiros se tornarão novos obamas. A web não faz milagres. “Nos EUA, havia uma conjutura política muito diferente. A população desaprovava maciçamente o governo Bush e Obama surgiu como a novidade, o que potencializou as discussões políticas e o uso das novas tecnologias. Aqui no Brasil, a população está satisfeita com o governo e, por isso, não teremos a mesma vontade de mudança. Acredito que os debates serão menos intensos nos blogs e nas redes sociais”, aponta Sampaio. Para ter sucesso na web, Vilanova diz que os políticos precisam se despir da formalidade e da oratória rebuscada. “A internet tem regras específicas e isso pode trazer dificuldades, pois a maioria dos políticos vem de uma tradição da TV e do rádio”.
Virgínia Paschoal, redatora da Ideia 3 Comunicação, empresa que trabalha para o PMDB baiano, acrescenta que é necessário os políticos enxergarem a internet como um espaço de discussão e de exercício do contraditório. “Eles precisam aprender a conversar, a ouvir e saber lidar com as críticas de maneira inteligente. O candidato que perder a compostura na rede ou mentir será prontamente cobrado, o que pode influenciar nos rumos de uma campanha”.
Nova Legislação
No dia 29 de setembro de 2009, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a lei que institui novas regras para o processo eleitoral. Inspirada no modelo norte-americano, a nova legislação, menos proibitiva que a anterior, trouxe uma série de avanços ao uso da internet como instrumento político. Uma das modificações mais significativas é liberação de sites, blogs e redes sociais para a realização de campanha e manifestação de opiniões a favor de um ou outro candidato.
Mesmo antes de a atual lei entrar em vigor, já existia um esforço por parte dos políticos para se adequarem à linguagem das novas plataformas conversacionais na internet, se aproximando dos seus potenciais leitores. Exemplo disso é o governador de São Paulo, José Serra, um dos primeiros políticos brasileiros a criar um perfil no Twitter. Com aproximadamente 145 mil seguidores, Serra divulga desde suas atividades pessoais até sua agenda pública. A importância política crescente da internet também pode ser medida pelo tamanho dos investimentos no setor. O Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo, gastou, na criação e montagem de uma infra-estrutura para o seu novo portal, cerca de R$ 600 mil.
Um ponto polêmico da nova lei refere-se ao direito de resposta e à proibição do anonimato. Segunda a nova legislação, qualquer candidato que se sinta lesado ou ofendido por algum comentário, poderá utilizar o mesmo espaço e tempo de exposição no site, blog ou rede social que lhe atacou para se defender. O problema é que historicamente a internet se mostrou incontrolável, avessa a regulações rígidas. Todos os profissionais envolvidos no planejamento e na execução de projetos políticos online ouvidos pela reportagem são unâmines ao afirmar que essa parte da lei é impraticável. Monitorar e punir eventuais desvios neste ambiente livre por natureza exigiria um gigantesco e complexo sistema de rastreamento do Estado brasileiro. “Como controlar a informação? Essa pergunta deve ser feita para o deputado idota que incluiu o direito de resposta. Não existe controle na internet. Veja o caso das eleições no Irã, que mesmo com todos os instrumentos de repressão, não conseguiu conter as manifestações pelo Twitter”, critica Sampaio.
A liberação da arrecadação pela rede, por meio do cartão de crédito, com valor máximo de R$50 mil por pessoa física, também pode representar uma decisiva vantagem para aqueles que souberem utilizar esse novo mecanismo. Como ocorreu nos Estados Unidos, a maior contribuição financeira dos eleitores pode, além de aumentar a arrecadação, transformar as bases em agentes fiscalizadores das promessas de campanha dos candidatos. Analistas também apontam como mudança significativa a diferenciação conceitual entre a internet e as mídias massivas. O texto da nova lei determina que os portais da internet, ao contrário das emissoras de rádio e televisão, concessões públicas, ficam desobrigados de convidar todos os candidatos postulantes a um cargo para a realização de debates.
Eleições 2010
O papel da internet na próxima eleição ainda é uma incógnita para publicitários, marqueteiros, políticos e eleitores. A tendência é que não seja apenas mais uma figurante, como em 2006 e 2008, mas uma importante coadjuvante, com potencial para ganhar o papel principal mais para frente. Coordenador do site da campanha de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo em 2008, Sampaio prevê que o protagonismo, em 2010, ainda caberá à televisão. “Não acredito que a internet será decisiva já na eleição desse ano. A TV ainda vai ser o principal instrumento para definir as estratégias de campanha, pois é o meio que tem o maior peso e penetração na sociedade. Mas, com a institucionalização da banda larga e das novas tecnologias, certamente haverá uma transformação no modo de se planejar e arrecadar dinheiro para as campanhas”.
As certezas, entretanto, param por aí. Um vídeo comprometedor que surja no Youtube ou uma ideia mal expressada no Twitter poderá dar novos rumos às disputas políticas. A internet tem um potencial para reconfigurar os meios massivos, bem como ser influenciada por eles. Vivemos um momento de enriquecimento da paisagem comunicacional. Ao mesmo tempo em que pode pautar os grandes veículos de comunicação, a web é capaz de amplificar e aprofundar as discussões iniciadas nos jornais, revistas e emissoras de rádio e TV.
O senador Aloísio Mercadante (PT-SP) experimentou recentemente as potencialidades desse novo cenário. Pressionado pelo escândalo dos atos secretos que atingiu principalmente o PMDB, maior partido da base de sustentação do governo Lula, Mercadante anunciou, através do Twitter, que renunciaria, em caráter irrevogável, ao posto de líder da bancada petista. Dias depois, quando renunciou à renúncia, o senador foi cobrado por seus simpatizantes e adversários e teve de prestar esclarecimentos à imprensa e à opinião pública. A informação que nasceu no micro-blog ganhou grandes proporções e alimentou os principais noticiários. O que garante que epísodios semelhantes não podem influir decisivamente na corrida eleitoral em 2010?
Embora seja um dos temas mais recorrentes nos círculos políticos, na Bahia, em particular, os partidos ainda não começaram a planejar as ações para o ambiente cibernético. As legendas estão inseguras quanto ao volume dos investimentos destinados ao setor e ao retorno que eles podem trazer. Além disso, há uma carência de pesquisas quantitativas e qualitativas relativas ao acesso à web no interior do estado. “Sem esses dados, fica complicado traçar estratégias para a internet que abarquem os públicos das cidades menores. Os partidos temem não transformar os recursos investidos em votos”, constata Virgínia.
A rapidez com que surgem e envelhecem ferramentas e mídias sociais também requer uma atenção especial dos estrategistas políticos. Sites, blogs e plataformas mais visitados hoje podem, em um futuro próximo, perder relevância e se tornar insignificantes, obrigando os partidos a expandir a atuação na rede. “Não dá para estabelecer estratégias rígidas de longo prazo na internet. O Twitter, por exemplo, que há um ano quase ninguém conhecia, enterrou as listas de discussão no Orkut. Novas ferramentas surgem e o público migra’’, analisa Sampaio. Outro exemplo de rápida obsolecência, o Second Life, jogo que tenta simular em ambiente tridimensional alguns aspectos da vida social humana, concentrou, durante um certo período, a atenção dos internautas brasileiros. Empresas dos mais diversos segmentos investiram pesadamente na exibição de suas marcas no jogo, o que, tempos depois, mostrou-se uma aposta equivocada. O número de usuários declinou e o apelo social do Second Life minguou.
Política na velocidade da banda larga
O uso político da internet é benéfico para os eleitores ou para os candidatos? Para os dois. Os eleitores terão mais canais de monitoramento e acesso às fontes variadas de informação para escolher os seus candidatos. No entanto, correm o risco de serem bombardeados por propaganda política indesejada. Os políticos, por sua vez, podem estabelecer um contato mais próximo com seu eleitorado, conhecendo expectativas, anseios e características de maneira mais individualizada. “Sem dúvida, a exploração política dos novos meios é vantajosa para os cidadãos. Antes, só quem falava era o político. Agora, o eleitor pode influenciar mais diretamente o processo eleitoral e dizer que o candidato está mentindo, que a obra não existe”, comenta Mont’Alverne.
Independentemente das incertezas e de quem seja o maior beneficiário, o fato é que a internet e sua revolucionária capacidade de propagar informações ocuparão cada vez mais espaço na agenda política. Essa é uma realidade que avança como um vírus, irrefreável. Os políticos e estrategistas que mais rapidamente decifrarem os segredos e as potencialidades da web poderão ganhar votos na velocidade da banda larga. Os que a negligenciarem ou que a tratarem como uma simples mídia massiva, com produção de conteúdo em mão única, permanecerão na era da conexão discada. Agregar inteligência às infinitas possibilidades escondidas na complexidade do ciberespaço significará a transformação de internautas em eleitores.