O Final de Senhora do Destino

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É difícil escapar de nosso moralismo. Ele está em muitas das idéias, falas e ações de nossos pais, colegas, professores e, porque não, de nós mesmos. E nós nem percebemos quando ele se mostra porque esse convívio vem de muito longe, quando nem conseguíamos diferenciar um dedo de qualquer outro objeto pontiagudo.

E é por meio de uma caixinha preta, que certamente você tem em casa, que esse moralismo ganhou terreno fértil para se propagar. Pois acredite. Esses ensinamentos que nos mostram o que é o certo e o errado – que nem sempre são tão certos ou errados assim – estão presentes em novelas e outras historinhas que costumamos assistir para distrair a mente – quer momento melhor do que este para ser atingido por um golpe certeiro?

A novela Senhora do Destino, exibida pela Rede Globo, é um bom exemplo do que digo. O político corrupto engana a própria mãe é desmascarado pela população e morre linchado, o cafetão malandro deseja riqueza e termina como mendigo e a antagonista principal mente, mata e rouba, recebendo como retorno um fim trágico nas águas da represa de Paulo Afonso (mas se a heroína não era pernambucana, o que fazia então na Bahia? Bom, deixa pra lá).

O que esses casos mostram é como nosso moralismo trabalha no sentido de mostrar que o crime não compensa e como é legal ser bonzinho, comer todas as verduras e rezar à noite para Papai do céu. É o popular “Aqui se faz. Aqui se paga” levado ao extremo.

A destruição pura e simples não basta. O vilão precisa ser atormentado e perseguido, sentindo na pele todo o mal que cometeu. Afinal, somente o bem triunfará no fim da história. E essa eterna luta entre o bem e o mal nada mais é que um sentimento maniqueísta que adotamos para nos sentirmos melhor quando estamos na pior.

Esse modo romântico de representar a realidade também é responsável por fazer sua namorada ver em você o príncipe encantado da vida dela e acreditar em um casamento feliz para todo o sempre. Por sinal, esta é uma das cenas mais manjadas de todo final de novela, quando todos casam e têm uma ninhada de filhos.

Poucos devem se lembrar de Vale Tudo e de seu ácido desfecho, quando o personagem interpretado por Reginaldo Farias rouba uma dinheirama, foge impune do Brasil e ainda nos dá uma banana de presente.

Isso tudo me fez lembrar de uma conversa que tive, semana passada, com uma senhora que acabara de conhecer. Foi um papo muito louco que começou com o Bento Milagroso* e terminou em Jesus Cristo passando, é claro, pelo céu e o inferno. Ela, que disse já ter sido católica e evangélica, e agora é espírita, falou algo interessante sobre essa história toda. Esse negócio de inferno seria tudo lorota. O inferno seríamos nós mesmos. Idéia com a qual concordei prontamente.

Toda a bondade e beleza do mundo têm sua morada no homem, penso eu. É dele toda a responsabilidade de usar esse dom ou de chutar o balde e pôr tudo a perder. A mesma humanidade que criou um Gandhi também não foi capaz de gerar um Hitler ou, para ficarmos em tempos recentes, um Bush?

Então, por que perder tempo com maniqueísmo? Porque desejar que o vilão seja punido na ficção enquanto toda sorte de falcatruas são realizada sobre a luz do dia, bem debaixo de seu nariz e você não faz nada? Apenas senta em frente à TV e espera o final feliz.

Pois eu proclamo um fim aos mocinhos apalermados, às donzelas que engravidam com apenas um beijo e às personagens rasas como um pires invertido. Isso não é diversão, nem mesmo alienação. É, isso sim, uma tremenda falta de respeito à inteligência de quem assiste. Não precisamos de tutores eletrônicos para nos mostrar o que devemos ou não pensar. Será que somos todos uns babacas? Quanto a mim, ainda tenho dúvidas. E você?

*Bento Milagroso foi uma figurinha que viveu aqui no Recife do começo do século XX. O cara se dizia santo e vendia garrafinhas com água benta com a promessa de que ela curaria diversas doenças.

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