O Alquimista

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Paulo Coelho é um verdadeiro fenômeno da literatura brasileira. Não só é de sua autoria o livro escrito em língua portuguesa mais vendido da história – justamente este O Alquimista – como dizem por aí que ele é o único escritor brasileiro com condições de viver exclusivamente da venda de seus livros, que foram traduzidos em 62 línguas e publicados em 150 países.

Paulo Coelho é odiado pela elite intelectual tupiniquim, que o considera um autor de auto-ajuda ou simplesmente um escritor medíocre. Eu, pelo menos, nunca vi uma pessoa que realmente goste de literatura elogiar sua obra, ao mesmo tempo em que vemos o povão alçando-o ao status de gênio. Uma análise de cabeça aberta, contudo, mostra que não precisamos ir a tais extremos.

O Alquimista foi originalmente publicado em 1988 e é o quarto livro do autor, precedido por Arquivos do Inferno (1982), Manual Prático do Vampirismo (1986 – logo recolhido pelo próprio Coelho por considerá-lo péssimo) e O Diário de um Mago (1987).

O Diário de um Mago era uma obra de não ficção inspirada pelo Caminho de Santiago, que o autor havia percorrido naquele ano. Em O Alquimista, Coelho se baseia livremente na própria história real do apóstolo Santiago para contar sobre um pastor espanhol que sonha com um tesouro que o espera nas pirâmides do Egito. A partir daí, ele decide vender suas ovelhas e seguir rumo ao país dos faraós. No caminho, vai aprender sobre assuntos místicos, como a linguagem do mundo, a Lenda Pessoal e até mesmo os famosos Elixir da Longa Vida e Pedra Filosofal da Alquimia.

Apesar de, no decorrer da leitura, o protagonista se tornar um verdadeiro expert em misticismo, pouco ou nada desse conhecimento será repassado ao leitor, a não ser, talvez, alguns nomes e uma noção extremamente básica do que se trata. Isso acontece porque tudo é abordado de forma muito simplificada, com o mínimo de exposição necessária para que a história possa seguir em frente. Até aí, sem problemas, afinal, em nenhum momento O Alquimista finge ser um tratado sobre misticismo ou algo além de uma historinha inofensiva. E analisando por esse prisma, até que se dá bem.

Embora a história contada aqui não seja nada de mais, ela também não é chata e tem seus momentos interessantes. O livro é uma leitura rápida e dinâmica, que nunca chega a se tornar maçante. Os capítulos são curtos, o que é ótimo, pois possibilita que o leitor pare de ler a qualquer momento. Além disso, praticamente não existem descrições, tudo que está lá serve apenas para contar a história. O próprio protagonista é sempre chamado apenas de “rapaz”, tendo seu nome (não por acaso, Santiago) citado apenas no primeiro capítulo e no último. Como em nenhum momento é dito se ele é alto, gordo, feio, loiro ou qualquer outra característica física, é fácil se identificar com ele. Até porque a generalidade da história faz com que seus sentimentos e suas ações sejam sempre as mais básicas possíveis. Afinal, todos nós queremos um tesouro, todos queremos entender o sentido da vida e por aí vai.

No parágrafo anterior, relatei os pontos positivos da redação do autor, mas também existem muitos negativos. O pior deles é que o livro está repleto de erros, tanto de digitação quanto de gramática. Pleonasmos terríveis como “há tanto tempo atrás” ou erros grotescos de aspas e preposições habitam as páginas de O Alquimista com orgulho, o que nos leva a indagar como, após tantas novas edições, tantas traduções e tantos milhões e milhões de leitores, ainda não corrigiram esses erros. Tudo bem que até uma de suas parcerias mais famosas com Raul Seixas exibia o mesmo pleonasmo (Eu nasci há dez mil anos atrás), mas enquanto o nome de uma música fica eternizado uma vez que ela é lançada, o mesmo não se pode dizer do conteúdo de um livro, que deve ser constantemente revisado. Pelo menos quanto a erros de português.

Durante a pesquisa para esta resenha, descobri que Paulo Coelho não permite que seus livros sejam revisados, o que é uma atitude extremamente arrogante, ridiculamente burra e incrivelmente irresponsável. É arrogante, pois isso pressupõe que ele é tão bom que é incapaz de errar. Ora, até grandes escritores podem errar, sobretudo em uma língua cheia de armadilhas como a nossa. Isso não tira o mérito de ninguém, a não ser que eles permitam que sua obra seja publicada com esses erros. É burro porque talvez se tivesse a revisão adequada, o autor seria mais reconhecido em meio à elite intelectual brasileira. Finalmente, é irresponsável, pois o povão que o considera um gênio nunca vai admitir que seus livros tenham erros. E assim perpetua o semi-analfabetismo no nosso país, podendo inclusive levar pessoas que sabiam escrever corretamente a começar a adotar a forma errada. Afinal, “se está em um livro, não deve estar errado”. No final das contas, isso pode até explicar porque o autor tem muito mais moral no exterior do que na sua própria pátria, pois os erros são corrigidos na tradução.

Não é difícil entender o sucesso de O Alquimista. Além da identificação com o protagonista, a história é contada de forma que um leigo pode realmente acreditar estar adquirindo conhecimentos místicos durante a leitura. E o que é melhor, sem fazer mais esforço do que seria necessário para assistir à novela das oito. Essa mesma fórmula foi também utilizada por Dan Brown em seu best-seller O Código da Vinci (que também lançou mão dos capítulos curtos). Assim como acontece com o livro de Brown, contudo, nenhum dos dois acrescenta nada nem apresenta nenhuma novidade no lamacento terreno místico ou religioso. A não ser, é claro, que você seja completamente leigo no assunto antes da leitura. A seu favor, O Alquimista pelo menos parece mais despretensioso e menos verborrágico que sua contraparte estadunidense.

Não foi uma tortura ler O Alquimista, como foi, por exemplo, ler Macunaíma ou A Relíquia, mas é um livro que eu provavelmente nunca terei vontade de reler e que não está nem perto dos meus preferidos. Paulo Coelho não é um gênio e nem o assassino da literatura brasileira. O Alquimista não é uma maravilha e nem é uma porcaria. É simplesmente um livro mediano, de um autor mediano, falando sobre assuntos pelos quais todas as pessoas se interessam, de forma extremamente simplificada e facilmente digerível. Traz nada mais do que um misticismo mastigado para as massas. Em linguagem delfiana, um livro nada. Vale uma lida, nem que seja para desfazer a imagem pré-concebida que temos graças às constantes manifestações de ódio provindas da elite intelectual brasileira.

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