Morte ao vivo

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Mais do que nunca, estou tendo a impressão de que a TV está assumindo sua porção mais grotesca nesses últimos dias. Não, não tem nada a ver com Cidades Alertas ou Ratinhos e seus seguidores. É pior, pois envolve o jornalismo dito sério em uma exibição de três histórias peculiares com um forte tom folhetinesco e altas doses de açúcar que fariam qualquer candidato a Janete Clair corar. Casos incomuns – e, por isso mesmo, explorados à exaustão – de pessoas que tiveram de confrontar o fim da vida sob a indiscrição de lentes e microfones.

Primeiro temos a americana Terri Schiavo, elevada da simples, porém triste, condição de enferma ao posto de mártir da luta contra a eutanásia. A briga saiu do âmbito familiar e trouxe cowboys, religiosos e médicos para uma lavagem de roupa suja de proporções mundiais. Foi uma disputa acirrada, com capítulos acompanhados com apreensão por olhos atentos de todo o mundo. O desfecho desta história todos já sabem. Passemos adiante.

A próxima atração vem de Roma. No Vaticano, Sua Santidade, o Papa João Paulo II, agoniza via satélite. Sua convicção é admirável, mas sua teimosia não o deixou ver o show de horrores em que se transformara cada nova aparição dele. Cada gesto requeria um esforço descomunal e não escondia seu rosto sofrido, deformado pela dor. O grand finale não poderia ser menos espetacular, com uma fila de milhares de pessoas dispostas a esperar dias para dar um rápido lance de olhos no corpo daquele que foi considerado o papa mais popular de todos os tempos.

Na outra ponta desse triângulo sinistro, se esconde uma figura que, apesar de já ter sido dada como morto há tempos, ainda está muito vivo. O freak show do momento envolve um nome e dezenas de acusações: Michael Jackson e os casos de abuso sexual envolvendo garotos.

Tal qual uma fábula moderna, a história mistura um Peter Pan pop, sua Terra do Nunca (aproveite e leia a resenha de Em Busca da Terra do Nunca) e alguns meninos perdidos, com um resultado bastante indigesto. Interessante é ver como pais ditos inocentes permitem que seus filhos dividam a mesma cama com um adulto muito suspeito. Depois é só esperar dois ou três anos e preparar os bolsos para receber uma boa grana. É preciso admitir que o cantor não é nenhum santo, mas transformar o caso em uma verdadeira novela também não é uma atitude das melhores.

Qual o vilão da história? O negro prodígio que se transformou em branquelo medonho? A mídia, que o elevou à condição de estrela e agora quer ver seu fim? Ou nós, por admirá-lo tanto que o víamos como um deus vivo? É difícil responder. Se o poder tem o dom de deformar a realidade daqueles que o detém, o que esperar de uma pessoa que acredita ter o poder absoluto nas mãos?

Mas posso dizer duas coisas antes do fim. Michael Jackson ficaria feliz em sair limpo dessa, mas deveria se dar por satisfeito em se safar o menos sujo possível de toda essa podreira em que se meteu. Outra coisa: se o bicho-papão tiver um rosto, pode ter certeza que é o de Michael Jackson.

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