Justiceiro: Bem-Vindo De Volta, Frank

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Em sua cruzada para esvaziar os nossos bolsos e nos fazer arrancar os cabelos por ter comprado antes todas as edições separadamente (DAMN!), a Panini Comics traz às nossas bancas mais um de seus encadernados da Marvel Comics. A diferença é que este aqui é absolutamente fundamental na biblioteca de qualquer colecionador de gibis. Tudo bem, talvez o valor de R$ 32,90 não seja lá dos mais convidativos. Mas Justiceiro: Bem-Vindo de Volta, Frank marca uma das mais históricas viradas de mesa que um herói (ou anti-herói, no caso) de quadrinhos poderia sofrer, reinventado de maneira esplêndida depois de uma verdadeira jornada de péssimos roteiristas e uma cronologia repleta de histórias que iam do boçal ao infantilóide. Neste primeiro arco da reinvenção do vigilante psicótico da Marvel, o escritor Garth Ennis simplifica as coisas, retorna Frank Castle ao básico da boa e velha matança e deixa qualquer Capitão Nascimento no chinelo, ditando as regras de como se escrever qualquer história do sujeito da caveira daqui para frente.

É claro que reunir novamente Ennis e o desenhista Steve Dillon, a dupla responsável pelo doentio título Preacher, quer dizer que os litros de sangue derramado são diretamente proporcionais ao completo desrespeito pelas leis da física e da lógica, à negação total e absoluta do politicamente correto e, obviamente, a fartas doses daquele “sutil” humor negro tipicamente britânico que chega a beirar o macabro. Você percebeu o que resulta desta mistura? Exatamente, caro delfonauta. Um Testosterona Total em quadrinhos! Como o Sr. Smith de Mandando Bala ou o Chev Chelios de Adrenalina, Frank Castle é cool até a medula. Com aquela cara de mau, o Justiceiro não se abala por nada nem por ninguém. Sempre tem uma frase de efeito na ponta da língua. Uma verdadeira força da natureza, ninguém fica entre ele e os seus alvos. E o que é mais sensacional: sempre existe um plano ainda mais mirabolante, grotesco e surreal para dar aos bandidos a morte mais sofrida e monstruosa possível. Um tiroteio jamais será igual ao outro. Criatividade é a palavra-chave.

Como o próprio Ennis descreve em sua inspirada introdução para este volume especial: esqueça as aprofundadas análises psicológicas sobre um combatente do crime amargurado ou sobre os motivos da atual criminalidade urbana. Estas histórias do Justiceiro são apenas e tão somente diversão. Diversão escapista e pipoca como também o são Tropa de Elite ou games como Grand Theft Auto e Counter Strike. Ou alguém mais em sã consciência ainda acredita na tese ultrapassada de que filmes, seriados de TV, desenhos animados, jogos eletrônicos, RPGs e gibis transformam alguém em serial killer da noite para o dia?

Deixando as discussões de cunho social-filosófico para lá, você quer saber mesmo é da história, não é? Então. Deixe guardados numa gaveta obscura e inatingível da sua cabeça momentos vexaminosos como a mudança de pele de Castle, transformado de branco para negro na prisão, ou mesmo a sua migração para o cargo de exterminador oficial dos exércitos de anjos celestiais (sim, tudo isso aconteceu mesmo, juro que não estou inventando). Nem o fiel assistente Microchip existe mais nesta nova mitologia.

O que temos aqui é um Frank Castle essencialmente urbano, solitário, de volta às ruas de Nova Iorque depois de muito tempo afastado de suas atividades como erradicador do lixo criminoso. E ele resolve marcar o seu retorno com um ataque direto a uma família de mafiosos liderados pela matriarca Mama Gnucci, o tipo de mulher poderosa o suficiente para colocar o prefeito e o comissário de polícia no bolso. Depois que dá cabo dos filhotes e do irmão da mulher, Castle desperta a sua ira e ela exige que a polícia assuma o caso imediatamente, colocando o nosso homem-caveira atrás das grades. Mas os policiais gostam de Castle, consideram o cara uma espécie de “irmão”, alguém que faz o trabalho sujo por eles. Afinal, o Justiceiro só mata bandidos e jamais inclui inocentes em sua zona de tiro. Assim sendo, eles colocam um tenente covarde e fracassado chamado Soap para tomar conta da “perseguição” ao nosso matador, apenas para satisfazer os desejos da mafiosa.

Não satisfeita, Gnucci também vai iniciar a sua própria caçada pessoal ao “carniceiro”, buscando ajuda em mercenários como o grandalhão de nome Russo, um camarada de pouquíssimo cérebro que se diverte quebrando pescoços e que será responsável por uma das seqüências de luta mais memoráveis da história contemporânea dos gibis. Junte a este elenco de coadjuvantes os vizinhos do Justiceiro em seu novo esconderijo (o gordão Sr. Bumpo, o adolescente cheio de piercings Spacker Dave e a solitária e tristonha Joan), um novo trio de vigilantes inspirados pelo Justiceiro – o padre armado com um machado e que atende pelo nome de Santo, o purificador dos bairros nobres conhecido como Elite e o pesadelo dos criminosos corporativos Sr. Troco – e ainda uma participação especialíssima do Demolidor que, com o perdão do trocadilho ridículo, come o pão que o diabo amassou nas mãos de Castle. Com tudo isso, você tem a ambientação ideal para que Ennis desfile sua deturpada genialidade.

Ah, você aí do fundo está levantando a mão e querendo saber de fato qual é a motivação que o Justiceiro tem para fazer o que faz? Bom… em tese, ele teria iniciado sua cruzada letal contra o crime quando sua esposa e filhos foram mortos no fogo cruzado entre duas quadrilhas no Central Park. Mas a loucura de Castle vai além. Mesmo antes disso, ainda quando lutava na Guerra do Vietnã, ele já mostrava indícios de que gostava de matar, de ter o controle da situação com uma arma na mão, de ser ao mesmo tempo, júri, juiz e executor. No fundo, o que parece mover Castle, além do seu deturpado senso de justiça, é o ódio. E é isso que o faz tão diferente do Batman, por exemplo. Mas não se preocupe com suposições desta natureza, nobre delfonauta. Tudo que você precisa fazer é entender como se utiliza um bando de ursos polares como um eficaz instrumento de ataque. O resto é bobagem.

Antes de Ennis, eu achava o Justiceiro um dos piores personagens da Marvel. Vazio, raso, sem conteúdo, sem maiores nuances. Exatamente como também era, na minha concepção, o Capitão América pós-anos 70. Mas quando o alucinado escocês colocou suas garras nas histórias de Castle, provou a tese que um dos meus professores de quadrinhos mais defendia ferrenhamente: “não existe personagem ruim, existe personagem mal-escrito”. E ele tinha razão. O Justiceiro ficou ainda mais cru e tosco, mas cheio de um carisma ao qual jamais teve acesso em toda a sua trajetória – nem mesmo na elogiada série de Steven Grant e Mike Zeck, que me perdoem os puritanos. E, que ironia suprema, depois de ler o último número de Guerra Civil, acabei elegendo justamente o Capitão América (que também passou por uma boa reformulação nas mãos de John Ney Rieber e, mais tarde, de Ed Brubaker, mas isso é outra história) e o Justiceiro como os grandes personagens da saga. Como as coisas mudam, não? O que estes escritores europeus não fazem com a gente… 🙂

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