Dead Space

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A forma mais fácil de definir Dead Space seria com duas pequenas frases. “Mamãe, eu quero ser Doom 3” e “Papai, olha como eu sei imitar o Bioshock direitinho”. Aliás, eu nunca tinha percebido quão parecido Bioshock e Doom 3 eram até jogar Dead Space. Vamos analisar cada uma dessas semelhanças com calma.

MANHÊ, QUANDO EU CRESCER, QUERO SER O DOOM 3!

Saca a história. Você faz parte de um time enviado para consertar alguns problemas que uma nave enorme está tendo. Chegando lá, você descobre que toda a tripulação foi transformada em monstros e imediatamente é separado da sua turminha. Agora, sozinho, você precisa dar um jeito de sair dali.

Diz aí: é EXATAMENTE a mesma história do Doom 3! Além disso, todo o clima de terror e o fato de que ele dá medo, MUITO medo, também lembram o jogo da Id Software. Para completar, todas as fases acontecem dentro da nave, e o cenário é praticamente igual o jogo inteiro, sempre com aquele jeitão de Star Trek from Hell. A única variação é a última fase, onde você vai até um planeta, mas mesmo lá, fica a maior parte do tempo em corredores e salas idênticas às da nave. Aliás, isso de variar apenas no final também lembra Doom 3.

Se tudo isso ainda não é o suficiente para mostrar quão clara é a inspiração do Doom 3, você deve se lembrar quão escuro era o dito-cujo, certo? Lembra também que tinha um patch feito pela comunidade que colocava uma lanterninha na sua arma para possibilitar que algo fosse enxergado? Então, Dead Space não é tão escuro assim, mas todas as suas armas já vêm com o patch da lanterninha pré-instalado. =P

PAIÊ, SACA SÓ MINHA IMITAÇÃO DE BIOSHOCK!

De Bioshock, Dead Space pega a ambientação cuidadosamente planejada, com sons vindos de todas as caixas de som, inclusive vozes cantando, rezando e sussurrando. Sério, isso aqui dá medo. Assim como o shooter filosófico, Dead Space também é completamente carente de cutscenes. Toda a história é contada por gravações que você encontra no chão da nave ou por coisas que outros personagens falam através do rádio. Nas raras vezes em que você encontra um outro humano, todo o diálogo acontece através de um vidro, impedindo que você interaja com eles. Mais Bioshock impossível.

TIO, EU TAMBÉM TENHO ALGUMAS COISAS SÓ MINHAS!

Provavelmente você já sabe o que Dead Space tem de diferente. Na maioria dos shooters, o alvo ideal é a cabeça, certo? Aqui não! Para matar os monstros deste jogo, você precisa arrancar seus membros. Ou seja, mire sempre no piupiu (para arrancar as pernas) e nos ombros. Isso nem sempre é assim tão óbvio, pois alguns dos bichos não têm uma aparência humanóide, mas é o suficiente para deixar o combate em Dead Space único e muito divertido.

Apesar de o design não ser lá muito criativo, já que os cenários são iguais o tempo todo, os gráficos são excelentes. Temos aqui belíssimos efeitos de fumaça e sangue, e nas raras vezes em que você pode olhar para o espaço através de uma janela, o troço é capaz de causar um orgasmo visual. É uma pena que não tenham explorado mais esse aspecto, pois quando você está em um corredor fechado, não existe nada para lembrar você de que está no espaço. E são sempre os mesmos corredores e salas, com portas exatamente iguais. Um pouco mais de variação realmente cairia bem.

O som, por outro lado, é um espetáculo o tempo todo. Os barulhos de cada arma, a interpretação das vozes e os gritos dos monstros estão perfeitos. Porém, o melhor mesmo é a ambientação. Se você ainda não tem um home-theater devidamente equipado, sugiro que aguarde para jogar Dead Space quando tiver. E quero ver você não gelar a espinha quando ouvir um sussurro vindo de trás de você ou uma voz cantarolando uma música de ninar que você não consegue identificar de onde vem, pois ela constantemente muda de caixa de som.

Uma outra inovação de Dead Space é que, em alguns momentos, você vai lutar no vácuo ou em locais sem gravidade. No primeiro caso, você tem um limite de ar que funciona como o sempre chato limite de tempo. O legal é que o som muda. Os pentelhões de plantão vão dizer que o som não se propaga no vácuo. Porém, como combate silencioso não teria graça nenhuma, a EA deixou o som abafado e, ao jogar, você provavelmente vai concordar que isso deixa as lutas ainda mais assustadoras.

E falando em assustador, a coisa que mais vai exigir um pacote de fraldinhas sempre à mão é o combate sem gravidade. Você pode pular para as paredes e para o teto à vontade – e seus inimigos também. Ou seja, é muito difícil saber quando todas as ameaças já foram eliminadas. Coisa semelhante já foi feita no game Prey, mas Dead Space realmente leva isso ao próximo nível e com efeitos muito mais “eu preciso de um abraço”.

FASES, DIFICULDADE, CHEFES E AFINS

Como eu sou um mariquinha poser digno de ser expulso do hall, decidi jogar no easy, e acho que foi uma excelente escolha. Não, o jogo não foi difícil e eu praticamente só morri em lugares com armadilhas que te matam de uma vez, nunca em combate. Porém, o clima de terror é tão pesado e tão onipresente, que eu senti que ele era bem mais difícil do que realmente era. Aliás, a sua energia não é renovada em nenhum momento do jogo (mesmo quando você morre, volta com a energia que tinha ao passar pelo checkpoint mais recente). A única forma de renovar energia é com itens. E o fato de alguns monstros se fingirem de mortos e atacarem quando você chegar perto deixa tudo ainda mais assustador e vai fazer você pisar consecutivamente em qualquer presunto que encontrar na nave, sem interessar se a morte foi causada por suas armas ou não. Imagino que se estivesse mais difícil, eu provavelmente teria tido um enfarte em algumas cenas.

Uma inovação que é legal na teoria e não na prática é a completa ausência de HUD. Sua energia está na própria roupa do personagem, e a munição é mostrada na própria arma. Mapas, logs e demais informações aparecem como um holograma na frente do seu carinha. Porém, o lado negro disso é que, se você não tiver uma HDTV, vai ter que jogar como se essas informações não existissem. É completamente impossível ler qualquer texto em uma TV normal e mesmo a munição de algumas armas é difícil de enxergar. E, sinceramente, é um saco querer olhar o mapa, mas não poder fazê-lo com tranqüilidade, pois sempre existe a possibilidade de um bicho te atacar a qualquer momento.

Por outro lado, uma coisa legal acontece se clicarmos na alavanca direita: o jogo te mostra o caminho mais curto para o seu objetivo. Isso ajuda bastante na exploração pois, sabendo o caminho certo, podemos ir antes para os “errados” e fazer a rapa nos itens e segredos.

Acredito que não tinha tanto medo de um game desde este aqui. Eu nunca fui capaz de jogar mais de uma fase por vez, pelo simples fato de que a carga das minhas bolas acabava.

Isso, contudo, é um fator positivo do jogo. Afinal, terror deve dar medo. Porém, e isso vai ser meio difícil de explicar, ele não me deu aquele medo legal, que um Condemned dá, por exemplo. Foi quase uma bad trip e em vários momentos eu nem sentia vontade de jogar e preferia pegar uma coisa mais divertida, tipo Little Big Planet. Talvez isso seja por ter uma história já conhecida ou talvez por eu gostar mais de um terror realista, onde você luta contra pessoas, não contra monstros ou coisas sobrenaturais.

Ainda assim, eu curti bastante o jogo no início. Mais precisamente, até a quinta fase. Acontece que, no estágio em questão, aparece um novo inimigo: um monstro imortal. Você corta os membros dele e, em poucos segundos, ele regenera. E o lazarento fica te caçando praticamente pela fase toda, o que te impede de explorar, pegar itens ou simplesmente de curtir o jogo no seu próprio tempo. No final desse estágio, você congela o bicho e sua amiga fala pelo rádio algo tipo “espero que a gente não encontre mais ele”. Eu já pensei “putz, ele vai voltar”. E imediatamente fui procurar na internet se ele realmente voltava, apenas para constatar que teria uma nova luta contra ele na décima fase.

Essa quinta fase foi tão brochante para mim que, depois disso, eu não voltei mais a curtir o jogo como curti as primeiras. Sabe quando você joga querendo que ele acabe logo? Foi por aí. A história também não ajuda, pois a cada problema da nave que você resolve, aparece um novo. A sensação é de que a gente joga, joga e não sai do lugar. Daí, quando finalmente cheguei na décima, fiquei quase duas semanas sem jogar enquanto criava as bolas necessárias para encarar o bicho imortal de novo. Para piorar, ainda rola algum backtracking, onde você passa mais de uma vez por várias fases. Além disso, toda fase termina exatamente onde começou, então a rotina é bem daquele tipo: vá até o final, ative alguma coisa e volte para o início.

No final das contas, a décima fase é bem mais light que a quinta. O monstro dos meus pesadelos demora para aparecer e só fica te perseguindo durante um pequeno trecho. Daí ele some e volta como um chefe no final do estágio. Ainda assim, Dead Space teria uma nota bem maior se não fosse por esse bicho.

Falando em chefes, esse é um ponto onde Dead Space brilha. São simplesmente as melhores boss battles dos últimos anos. Nada de chefes apelões que não morrem nunca ou que precisam de táticas mirabolantes. É só atirar no lugar certo que cada um dos chefes logo morre. E todos eles são enormes. Por causa disso, o fato de você ser capaz de encará-los de igual para igual dá aquele tradicional efeito pintudo que a gente tanto gosta.

Isso é especialmente verdade para o último chefe. O monstro é do tamanho do big boss do Shadow of the Colossus e a luta é deveras emocionante (é fácil, mas isso para mim foi positivo). Quando ele morre e cai próximo de você, permitindo que você veja quão absurdamente colossal era o tamanho dele, dá aquela vontade de levantar os braços e gritar “eu sou o Chuck Norris do espaço sideral!”. Eu não me senti tão bem e realizado ao terminar um jogo desde o primeiro God of War.

Infelizmente, depois de uma longa (para mim, deu mais de 20 horas) e complicada jornada, a EA decidiu que um final feliz não era o suficiente e optou por aquele clichê e desnecessário sustinho final. Isso foi completamente brochante e eu passei de “que final cabuloso” para “que droga de final”. E definitivamente não é assim que um jogador deve se sentir depois de investir 20 horas da sua vida em um game.

CONCLUSÃO

Dead Space tem defeitos e qualidades bem equilibrados. Perde pontos por ser uma versão piorada de Bioshock e Doom 3, por ter uma história absolutamente sem graça com cenários sem nenhuma variação, pelo final brochante e, principalmente, por causa do bicho imortal.

Por outro lado, ganha pontos por ter algumas inovações. O combate “atire nos membros” é bem diferente e bem satisfatório. O vácuo e os trechos sem gravidade, embora não sejam as melhores partes do game, também contam como algo novo. A ambientação também está entre as melhores da história, ao lado de Bioshock. Por fim, as lutas com os chefes são simplesmente imperdíveis. No final das contas, é um jogo divertido, que vale a compra para os brothers of Metal com bolas de aço. Porém, teria uma nota bem superior se não fosse tão parecido com os jogos supracitados ou não caísse num dos velhos clichês irritantes dos games.

Curiosidade:

– Essa resenha foi escrita um ano atrás, mas acabou sendo preterida por outros assuntos mais urgentes. Aproveitei para publicá-la agora para aproveitar o timing do recém-lançado spin-off para Wii.

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
dead-spaceAno: 2008<br> Gênero: Third-person shooter / Terror<br> Plataforma: Xbox 360 e PS3<br> Fabricante: EA<br> Versao: PS3<br> Distribuidor: EA<br>