Em todo jogo que se preza, você começa a sua aventura preso e pelado. Ou pelo menos é o caso em Nioh e em Dark Souls, clara inspiração da Team Ninja em seu mais novo e, cá entre nós, excelente game.
Digo mais: apesar de ele copiar alguns problemas graves dos jogos da From Software, em muitos aspectos a Team Ninja conseguiu melhorar a fórmula e entregar um jogo mais justo, mais aprazível e mais emocionante do que Dark Souls.
FORREST GUMP JAPONÊS
A história de Nioh é baseada em fatos reais, e acontece no período Sengoku, no qual uma disputa entre dois clãs acabou envolvendo o país inteiro. O protagonista de Nioh é baseado em William Adams, um inglês que viajou para o Japão, se tornou samurai e começou a ser chamado pelos japinhas de Miura Anjin.
Se você sabe qualquer coisa de Nioh, no entanto, provavelmente já sacou que o negócio aqui não é uma representação fiel dos fatos históricos. O negócio tem um clima de Forrest Gump, com Wiliam interagindo com uma pá de personagens históricos mas, talvez mais importante, há demônios, monstros e magia espalhados por seu mundo. Chamados de Yokai, os demônios de Nioh são baseados na mitologia japonesa, especialmente os chefes, o que dá ao negócio um clima de God of War oriental.
Na história do jogo, William vai ao Japão atrás de Edward Kelley (outro sujeito que existiu mesmo), que roubou seu espírito guardião em uma busca por Amrita (a XP de Nioh). Ele acaba se envolvendo na disputa de clãs e treinando nas artes ninjas com Hattori Hanzo, aquele mesmo que fez umas espadas para o Tarantino.
Eu gosto muito da ambientação, mas não sou um grande conhecedor da história japonesa. Isso faz com que eu fique bastante confuso com os nomes. Oda Nobunaga, Tokugawa Ieyasu e Toyotomi Hideyoshi são três personagens importantíssimos no jogo, mas embora escrevendo assim eles sejam totalmente diferentes, boa sorte tentando lembrar se quem fez determinada coisa cinco horas atrás foi o Toyotomi ou o Tokugawa.
A história é contada de forma bem mais tradicional do que a de Dark Souls, mas com tantos nomes complicados, eu tive grandes problemas para acompanhá-la. A culpa aí provavelmente é da minha cabeça ocidental burralda.
COMBATE RÁPIDO E EMPOLGANTE
Muitas pessoas que não gostam de Dark Souls reclamam que o combate lá é muito lento. E é verdade, é lento mesmo. A coisa por aqui é bem mais rápida, mas também bem mais complexa. Você pode escolher entre cinco tipos de armas que são totalmente diferentes entre si, e cada uma delas tem três stances, ou posturas: alta, média e baixa. A alta dá os golpes mais fortes e lentos, que consomem mais stamina (aqui chamada de ki), enquanto a baixa ataca rapidinho e quase não consome ki, mas também não machuca muito os desafetos.
Quando você ataca, seu ki diminui, mas uma parte dele se enche com a cor branca. Aperte R1 (ou, depois de um upgrade bem útil, o X) e você recupera a parte branca imediatamente. Isso se chama ki pulse e é essencial para continuar atacando sem ficar cansado e indefeso.
Cada arma e cada postura ainda tem uma pá de combos e golpes especiais, tornando dominar o combate um trabalho em tempo integral. O negócio é complexo pra caramba, e admito que eu passei o jogo inteiro basicamente alternando meus golpes entre quadrado e triângulo e sempre equipado com uma e duas espadas.
Há dois tipos de inimigos: os humanos e os yokai. A diferença entre eles está no ki. Os humanos funcionam como você. Quando o ki se esgota, eles ficam parados e indefesos, só esperando um ataque devastador. Há um golpe bem bacana para uma espada, que consiste em apertar triângulo enquanto defende, que faz um ataque no ki do sujeito. Isso é uma mão na roda. Se um chefe humano está quase se cansando, um golpe desses pode deixá-lo totalmente vulnerável para um agarrão, que tira muita energia.
Já os yokai são mais chatinhos. Quando eles ficam sem ki, eles criam uma bolinha cinza, chamada de yokai realm, que os deixa mais fortes e você mais fraco. Para limpar a bolinha, você deve usar um ki pulse quando a barra branca estiver no máximo, e isso é tão essencial que você vai se ver atacando o ar só para poder pulsar e limpar o cenário.
Eu achei as batalhas contra humanos muito mais interessantes por causa da mecânica de você e os inimigos estarem sujeitos a ficarem cansados e terem que administrar o ki de forma inteligente. No entanto, você vai lutar contra yokais durante 90% do tempo. Aliás, esta é uma reclamação que já tinha com Ninja Gaiden. Sempre achei as lutas contra os ninjas bem mais legais do que as contra monstros, mas a Team Ninja parece ser da opinião oposta e sempre prioriza os bichos feios.
UMA FASE DE CADA VEZ
Ao contrário de Dark Souls, aqui não temos um único mundo totalmente conectado, mas fases independentes. As fases são longas e complexas, cheias de atalhos trancados, portas que só abrem de um dos lados e muitas idas e vindas, exatamente como nos jogos da From. A diferença é que, após matar um chefe, você volta para o mapa para escolher sua próxima missão.
Vi bastante gente criticando Nioh por isso, mas devo dizer que eu gosto da estrutura de fases independentes. Minha única crítica quanto a isso é que você pode passar um bom tempo explorando a fase inteira e abrindo todos os atalhos, mas se entrar novamente na fase depois de completá-la, tudo estará trancado de novo, então você nunca vai ter aquela sensação de que o mundo inteiro está aberto para você.
Depois de cada uma das fases, entra o lado RPG do jogo. É a hora de você fazer upgrades, trocar equipamentos e vender os que não for usar. E, meu amigo, isso leva um bom tempo. Na primeira vez que eu fui apresentado ao mapa, após a segunda missão, fiquei por umas duas horas ali, entre analisar meu equipamento, fazer upgrades e sidemissions.
As sidemissions são bem numerosas e, devo dizer, desnecessárias. Praticamente, elas te colocam para visitar novamente os cenários das fases principais, normalmente fazendo o caminho inverso. Há também uma quantidade considerável delas que te levam a lugares inéditos, e essas são bacanas. O problema é que mesmo estes cenários inéditos costumam ser visitados várias vezes, em sidemissions diferentes. Ficar entrando várias vezes nos mesmos cenários com missões diferentes é algo que realmente enfraquece o jogo como um todo.
Por fim, há também vários duelos, que são basicamente chefes opcionais. Parte deles são chefes das fases repetidos, mas alguns são inéditos, a maioria samurais humanos, que são as melhores batalhas do jogo. As únicas duas sidemissions que eu não completei no momento que escrevo esta resenha são as duas últimas, ambas das quais colocam você contra dois chefes ao mesmo tempo. Se um já é difícil, boa sorte contra dois.
Embora sejam opcionais, elas não são exatamente opcionais. No começo, fazendo todas as sidemissions, eu estava sempre de 10 a 15 níveis acima do recomendado para as fases de história. No entanto, conforme o jogo avançava, meu nível foi ficando cada vez mais próximo e eventualmente as missões principais é que estavam 10 a 20 níveis acima do meu.
Curiosamente, apesar de ser um jogo difícil, Nioh me pareceu bem mais justo e menos repetitivo do que Dark Souls.
DIFICULDADE
Quando joguei os alphas e betas de Nioh, devo dizer que achei o jogo simplesmente difícil demais. Tão difícil, aliás, que eu tinha dúvidas se seria capaz de jogar. Curiosamente, apesar de ter sofrido nas primeiras missões, a dificuldade de Nioh logo se tornou totalmente contornável.
Eu não jogava tranquilamente, é verdade, mas estava sempre fazendo progresso, o que contrasta com Dark Souls, onde às vezes eu ficava mais de uma hora tentando chegar de uma fogueira para a outra. Tirando as duas últimas sidemissions que até agora eu não completei, todo o resto eu passei numa boa, sem nunca morrer tanto a ponto de encher o saco ou ficar com raiva do jogo.
Aqui os altares, que servem de checkpoint, são bem mais frequentes do que as fogueiras. Se você explorar bem, nunca vai estar muito longe de um novo altar ou de um atalho que leva para um altar já visitado. Isso é ótimo, pois como já falei outras vezes aqui no DELFOS, dificuldade não é exatamente um problema. O problema é ter que ficar jogando partes longas de um jogo repetidas vezes até conseguir passar. Sim, eu morri bastante em Nioh, mas não cheguei a me sentir em nenhum momento como parte de uma relação abusiva, como acontece com a série Souls. Ao terminar um Souls, eu costumo ficar aliviado, enquanto ao terminar Nioh, eu estava doido para começar o new game +.
Outra coisa que tornou o jogo mais justo é que nos jogos da From, eu costumo pegar uma arma bacana, que vai ficando cada vez mais underleveled conforme eu avanço no jogo. No entanto, armas melhores exigem dezenas de level ups no seu boneco em estatísticas específicas para poderem sequer ser equipadas.
Aqui isso não foi um problema. Eu sempre conseguia armas melhores antes de sentir que a que estava usando não estava mais dando no couro. Nesse ponto, as armas de Nioh estão mais próximas de Borderlands do que de Dark Souls, e você nunca se vê totalmente indefeso.
Pelo contrário, aliás, teve alguns momentos que eu até me senti overpowered. A sensação de pegar uma arma do seu tipo preferido com dano de fogo (deveras útil) é muito boa. Além disso, tem uma mágica, chamada sloth (preguiça) que deixa os inimigos mais lentos. Ela é bem útil em chefes, inimigos mais poderosos ou quando você tem que encarar uma galera de uma vez, mas no começo você só pode usá-la duas vezes até precisar recarregar no altar. Era bem pouco, e ela sempre acabava antes de eu conseguir matar os chefes mais difíceis. Alguns upgrades depois, no entanto, eu pude carregar seis delas, o que me deixou consideravelmente mais confiante.
PARTE TÉCNICA
Nioh tem uma opção interessante, que permite que você configure os gráficos do jogo de acordo com suas preferências. Você pode escolher jogar em uma resolução mais alta e framerate mais baixo ou vice-versa. O consenso online parece ser que framerate é mais útil, mas cá entre nós, eu não vejo muita diferença entre 30 e 60 fps. No entanto, a diferença na resolução é gritante, e jogar com ela no máximo faz com que Nioh seja um jogo lindíssimo. Particularmente, eu escolhi priorizar a resolução, mas experimente as duas opções e veja qual prefere.
Uma bronca que tive com o jogo é que todas as missões principais acontecem à noite. De dia mesmo, tem uma ou duas sidemissions e as fases de treinamento que rolam no dojo. É muito pouco, o visual poderia ser mais variado e ganharia com isso. Também poderia ter menos fases em cavernas e mais em lugares abertos e interessantes. Esta reclamação, aliás, já é histórica nos jogos da Team Ninja.
Nos melhores momentos, no entanto, ele é impressionante. Uma de suas primeiras missões acontece ao redor de um lago enquanto chove torrencialmente. O chefe, chamado de Nue, é tipo um leão gigante com uma máscara japonesa que conjura raios elétricos. É tanto estímulo visual que é de babar.
Aliás, isso é uma coisa bacana de Nioh: ele usa cores bem brilhantes e é bem chamativo. Ele lembra, por design, aqueles fliperamas dos anos 90, quando os jogos competiam para chamar a atenção. Quando você mata um yokai, por exemplo, ele cai no chão e some em uma explosão, soltando vários itens coloridos, o que dá um efeito bem legal.
Um outro problema que tive com o jogo é que ele copia a coisa mais absurda de Dark Souls: não tem pausa. Eu sinceramente não sei o que passa na cabeça deles para decidir que tirar a pausa de um jogo é uma boa ideia e é extremamente irritante você estar numa batalha contra um chefe, quase ganhando, e a patroa vem falar com você ou toca o telefone. Este é o tipo de limitação técnica que não deveria mais existir.
Para completar, a cultura japonesa tem um lado mais bonitinho e bem-humorado que não costuma ser comum em jogos como este. Os kodamas, por exemplo, que servem de colecionáveis, são bichinhos fofos que ficam alegres e fazem barulhinhos engraçadinhos quando você os encontra. O climão fica ainda mais bacana pelo fato de o jogo ser quase totalmente falado em japonês. O único que fala em inglês é o William, e ele quase não fala, mas é bem estranho as pessoas falando em japonês com ele e o sujeito respondendo em inglês.
Além de tudo, o jogo é realmente longo. Dark Souls costuma durar 40 ou 50 horas, mas muito desse tempo é passado repetindo os mesmos checkpoints até conseguir passar. Em Nioh, o progresso é mais constante, então a duração é menos inflada. Ele durou para mim 60 horas, mas eu cortaria boa parte das sidemissions, o que tiraria daí algumas horas, e talvez rendesse ao jogo o Selo Delfiano Supremo.
Há também a possibilidade de jogar online, o que funciona de forma bem semelhante ao Dark Souls. Você precisa usar um item limitado para chamar alguém para te ajudar. Se você quer ajudar alguém, é só escolher esta opção no menu. Uma outra possibilidade é jogar fases pelas quais já passou desde o início com um colega. Isso deixa o jogo muito mais fácil, mas você precisa ter vencido a fase solo uma vez.
NIOH
Eu estava em dúvida se deveria investir meu tempo em Nioh. Agora não tenho mais dúvidas. O que temos aqui é um jogaço, um dos melhores títulos lançados na geração atual e, principalmente, muito mais acessível do que esperava que ele fosse. Altamente recomendado não só para fãs de Dark Souls, mas para fãs de hack and slash em geral. E se você curtir mitologia e história japonesa, ele fica ainda mais legal.