Sair de casa para assistir a um filme estrelado pelo Ashton Kutcher é uma das coisas mais tristes que podem acontecer a este deprimido escriba. Afinal, o sujeito esteve em pérolas da sétima arte, como A Família da Noiva e repete incessantemente os mesmos papéis no que aparentemente são os mesmos filmes. Jogando Com Prazer é, ao mesmo tempo, a exceção e a regra.
Aqui conhecemos Nikki, um cafajeste do filo malvado. Ele é malvado pois usa a sua beleza para parasitar mulheres indefesas e milionárias, que acabam sustentando-o por um tempo, enquanto ele faz a rapa em praticamente todas as moças bonitas de Los Angeles. O cara pega mais que o James Bond! Porém, vai chegar a hora em que ele também vai se apaixonar por uma cafajesta com as mesmas atitudes. E aí o bicho vai pegar.
Sim, trata-se de mais um longa de amor, que se diferencia dos anteriores estrelados pelo sujeito apenas por não ser calcado na comédia. Por outro lado, Ashton dá aqui a grande interpretação da sua carreira. Tá, eu sei que isso não significa muito, mas o carinha realmente está muito bem aqui. Parece até um ator de verdade.
Talvez parte desse trunfo seja do diretor David Mackenzie. Mano, o cara é realmente bom! Repare em uma das primeiras cenas (se não me engano, a segunda), que é um único plano longuíssimo, onde a câmera passa, sem cortes, por vários cômodos de uma mansão enquanto Ashton conversa com várias pessoas, até eventualmente sair da casa. Isso não só é difícil de filmar como é também difícil para os atores. Afinal, se não há cortes, um erro significa começar tudo de novo.
Ok, fãs de cinema com certeza sabem que isso não é novidade. Festim Diabólico, do mestre Hitchcock, por exemplo, é composto praticamente de uma única cena longuíssima (os cortes que realmente rolam no filme foram feitos por limitações técnicas da época). Apesar de não ser nova, a técnica sempre me impressiona e eu a considero deveras tremendona.
Embora essa cena seja o ápice da direção, o cara manda bem em diversos outros momentos, como quando mostra, novamente sem cortes, coisas acontecendo em dois andares de uma casa. Eu sei que poucas pessoas reparam nessas coisas, mas para as que reparam, vale a pena assistir Jogando Com Prazer só por causa disso.
Outra motivo por eu ter sido logo conquistado é pelo fato de o protagonista narrar sua história. Tem cineastas e roteiristas que odeiam esse tipo de coisa (argumentam, com alguma razão, que é muito fácil ter o personagem contando seus sentimentos para você o tempo todo), mas admito que eu gosto. E bastante.
A narração e a história colocam Jogando Com Prazer em algum ponto entre Alfie, o Sedutor e Amar… Não Tem Preço. E justamente aí está o problema. Pois se tecnicamente é excelente, deixa muito a dever no quesito criatividade.
Não que eu esperasse altas doses de originalidade do barulho, mas do meio para frente, tudo de bom até ali começa a sumir. As narrações desaparecem por completo, o protagonista deixa de ser um cafajeste tremendão para se tornar um coitadinho e exageram tanto na dose de “tudo tem que dar errado ao mesmo tempo” que colocam até o sujeito brigando com a mãe por telefone. Detalhe: a mãe não é citada em nenhum momento antes daquela cena. E nem depois.
O final, admito, é original e me agradou bastante, causando um leve aumento dos Alfredinhos aí do lado, mas o melodrama excessivo no meio fez a nota ser muito inferior à que poderia ser.
O começo é simpático e divertido, mas dali em diante, tudo se torna um chick flick sem vergonha que só se destaca dos demais pela alta qualidade técnica. Fãs de cinema como técnica com certeza vão gostar. Tirando eles, Jogando Com Prazer só deve agradar àquelas minas que sonham em romantizar um cafajeste. E, claro, àquelas que sonham se vingar de um deles.