Quem quer ser jornalista não sabe quão chato é digitar uma entrevista. Dito isso, vamos em frente com a cobertura da entrevista coletiva do filme em duas partes Che, cinebiografia de Che Guevara, o maior ícone do capitalismo e do merchandising desde a Coca-Cola, o Kiss e os Star Wars, além de ser ídolo dos comunistas de shopping Brasilzão afora.
Segundo as plaquetas que estavam na mesa dos entrevistados, deveriam estar presentes os seguintes cidadãos:
– Wilson Feitosa, da Europa Filmes, que lança o filme no Brasil;
– Laura Bickford, produtora, que ganhou o Oscar por Traffic;
– Benicio Del Toro, o Che Guevara do longa;
– Leon Cakoff, o criador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo;
– Rodrigo Santoro, o Raúl Castro da obra;
– Diego Halabi, da Sun Distribution.
Destes, curiosamente o Wilson Feitosa tinha coisas melhores para fazer e não deu as caras. Os outros estavam todos lá.
Marcada para as 10:30, cheguei ao local por volta das 10:20 e fui procurar um lugar para me sentar. Porém, a turminha da TV, sem nenhuma consideração para com seus colegas da mídia impressa, montou as câmeras bem na frente do cinema e esticou os tripés para ficarem com mais de dois metros, quando uns 50 cm seriam suficientes para filmar tudo com qualidade. Assim, todo mundo foi obrigado a procurar lugares láááá atrás da sala.
Quando finalmente achei uma cadeira que me daria uma boa visão, constatei: Cacilda, mano! Que frio! Considerando que, do lado de fora do Shopping estava quentão, o choque térmico deixou meu resfriado ainda pior. Uma coisa que me impressiona na humanidade é que a gente consegue construir uma máquina para chegar até a Lua, mas somos completamente incapazes de configurar um ar condicionado para ficar numa temperatura agradável. Será possível que seja assim tão difícil?
Logo, fizeram o anúncio de que a coletiva começaria às 11. Por que então marcaram às 10:30? Enfim, também anunciaram que assinaram um contrato que proibia fotos durante a entrevistas e instruíram os fotógrafos a ir para a outra sala, onde a turminha posaria por alguns minutos.
Lá fui eu, e pontualmente com meia hora de atraso, às 11 horas, as estrelas chegaram, tirei minhas fotos e voltei correndo para a sala da entrevista para não perder nada. E aqui termina a parte dos bastidores e vamos à entrevista propriamente dita.
A primeira pergunta é a óbvia: “como Benicio se sente sendo o favorito para o Oscar?”. Ele responde dizendo que não sabia que era o favorito. Mesmo assim, ganhar prêmios é bom, pois atores são inseguros. Isso acontece porque não existem livros de atuação, você faz por instinto. Então, quando ganha um prêmio, isso confirma que seu instinto era bom. Peraí! Não existem livros de atuação? Então aqueles cursos de teatro não usam nenhum tipo de livro? Eita nóis! O.o
Diante de tantas adaptações cinematográficas trazendo o Che Guevara, o que esta traz de diferente? Benicio responde: “Ora, essa tem o Rodrigo Santoro! Além disso, é fruto de uma pesquisa de sete anos”. Laura interrompe para dizer que nenhum ser humano é 100% mau ou 100% bom e eles quiseram representar isso no filme. Se você tem uma idéia sobre o Che que segue um desses extremos, provavelmente não vai gostar do filme. A moça ainda completa dizendo que os valores de Guevara são universais. Todo mundo quer acabar com a fome ou com a pobreza e todos querem justiça. As pessoas só diferem na forma que acreditam ser a melhor para atingir esse resultado, mas o filme não faz esse juízo, quer apenas voltar a levantar essas questões.
A seguir, uma jornalista pega o microfone e desembesta a fazer perguntas. Benicio se vê obrigado a interrompê-la: “calma, moça. Vamos por partes”. A primeira questão dela foi se ele se envolveu no casting. Resposta: não. Outra era qual foi a participação financeira dos EUA no filme. Laura esclarece: nenhuma. É um filme espanhol e teve subsídios de TVs espanholas.
Uma das partes mais interessantes veio a seguir: como diabos Rodrigo Santoro foi parar nesse filme? Ele responde: há cinco anos, quando começou a trabalhar lá fora, ficou sabendo do projeto e quis participar. Procurou um teste, mas o diretor Steven Soderbergh não estava fazendo testes com atores, mas entrevistas. Rodrigueira não pôde participar e, algum tempo depois, voltou a falar com a turminha, mas era tarde demais: estava tudo elencado. Foi então que Laura pegou uma foto do Raúl Castro e ficou botando pilha no Steve tentando convencê-lo de que Santoro é o irmão gêmeo perdido do irmão encontrado do Fidel.
Além disso, Rodrigo usou de um argumento incontestável: “Pô, Steve, você tem atores representando toda a América Latina, mas não tem ninguém do Brasil, que é o maior país do continente”. Finalmente, os esforços conjuntos da Bickford e do Santoro deram resultado e o mano conseguiu o papel que, naquele momento, só tinha uma fala. “Vocês sabem que eu não tenho problema com isso”, brinca nosso conterrâneo.
Depois disso foi só aprender espanhol. Aliás, não só espanhol, mas espanhol com sotaque cubano. Para isso, Rodrigo teve a ajuda de um tradutor cubano, com quem fez um curso intensivo de quatro/cinco semanas diariamente. Depois nosso amigo ainda foi a Cuba para tentar entender o que é ser um cubano. Ao contrário de Benicio, Rodrigo confessa que já teve uma camiseta do Che, provavelmente comprada em alguma megastore multinacional que seja digna da ideologia do homenageado argentino.
Tratando de curiosidades da produção, Laura diz que foi tudo gravado de trás para frente, começando inclusive da segunda parte, Che – A Guerrilha. Fizeram isso, pois daí todos poderiam começar magérrimos e cabeludos. Afinal, é mais fácil cortar cabelo e engordar do que o contrário.
Ainda sobre o assunto, Benicio diz quando ouviu falar do Che pela primeira vez: “foi na música Little Indian Girl, dos Rolling Stones. Mas depois disso, li algumas cartas escritas por ele que me comoveram muito. Che era um ótimo escritor”. Completando as curiosidades, Laura diz que, quando estiveram na Bolívia, foram abençoados por um xamã local. O.o
Para encerrar a entrevista, finalmente alguém faz uma pergunta boa, questionando algo do qual eu também senti falta na produção: “por que não tem política na história?”. “Tempo e dinheiro”, responde Benicio.
Nas considerações finais, Laura diz: “Che não morreu em vão, morreu para acordar todos nós”. Rodrigo completa: “gravar este filme foi uma experiência linda”. Era 12:04 e a entrevista foi encerrada. Muitos já devem ter assistido ao dito cujo na mostra, mas se você quer saber o que eu achei do longa, vai ter que esperar a sua estréia comercial, programada para acontecer em fevereiro de 2009. Até lá.