As oscilações do cinema brasileiro nos últimos 50 anos dão um nó na cabeça de qualquer pessoa, mas é inquestionável o salto de qualidade das produções nacionais de uma década para cá. Tivemos, é verdade, muitos filmes ruins neste período também (a Xuxa que o diga), mas também produzimos algumas pérolas que não deixam nada a dever para os gringos como Cidade de Deus, Central do Brasil e este filme contando a história de uma das personalidades mais irreverentes e ousadas que nosso país já produziu: Cazuza.
Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que quem esperava por uma biografia completa do Barão Vermelho, ou mesmo do Rock nacional nos anos 80 vai se decepcionar, pois os diretores Walter Carvalho e Sandra Werneck optaram por deixar a vida louca do protagonista sempre em primeiro plano e, isso não significa necessariamente envolver o Rock´n´Roll em todos os momentos. De qualquer forma temos, sim, momentos importantes da carreira do Barão, como o início da banda, os primeiros shows em bares pequenos, a repercussão do lançamento do primeiro disco (e a reação dos músicos à crítica negativa que este recebeu da imprensa serve de exemplo para muitas bandas que estão começando), o primeiro Rock in Rio e o conflito de duas personalidades fortes, mas que gera uma amizade belíssima entre Cazuza e Frejat (em uma ótima interpretação de Cadu Fávero).
Mas é em Cazuza mesmo, vivido e “encarnado” magistralmente pelo ator Daniel de Oliveira, que nos identificamos e tentamos entender uma personalidade tão difícil e marcante. Aliás, a interpretação de Daniel vale um Oscar, pois o ator realmente se aprofundou em seu personagem real, freqüentou os lugares onde Cazuza costumava ir, conversou com seus amigos, leu os mesmos livros que o inspiravam, enfim, entrou de cabeça em sua história de tal forma, que muitas vezes chegamos a nos perguntar se o que estamos vendo na tela não são imagens verdadeiras dos anos 80.
A produção preferiu ignorar a infância e a adolescência do músico e já nos leva direto a um Cazuza com seus 20 e poucos anos, um “boyzinho” vindo de família rica, cheio de amigos, e muita disposição para encarar o que viesse pela frente na vida, menos o seu lado sério. Desta forma, temos toda a visão daquela geração que cresceu à sombra dos hippies e psicodélicos dos anos 60 e 70, e que encaravam as drogas e a sexualidade de uma maneira muito natural e como se fossem portais para uma maior percepção humana.
A relação entre Cazuza e seus pais, com certeza, é o ponto alto, nos mostrando todo o conflito dos “coroas” em presenciar um filho irresponsável que bebia e se drogava em demasia. Filho este que, apesar de tudo, era feliz em viver desta forma pois vivia exatamente como queria. Sempre dentro de uma ilusão, o cantor é mostrado como alguém que nunca conseguiu sair da proteção de Lucinha (Marieta Severo) e João Araújo (Reginaldo Farias), porque vivia metido em confusões e, no final das contas, eram os dois que saíam em seu socorro.
Defeitos? Sim, o filme apresenta alguns como, por exemplo, ignorar totalmente a “amizade” entre Cazuza e Ney Matogrosso, ou mesmo ser muito “superficial” em determinados momentos do filme como a repercussão do Rock in Rio, o relacionamento com seus colegas de Barão (somente a amizade com Frejat é analisada mais a fundo), e uma abordagem um pouco mais detalhada da fase “Aids” do cantor, pois vale lembrar que a Aids nos anos 80 era uma doença encarada de maneira totalmente medieval, onde os doentes eram isolados do convívio da sociedade, um pouco pela falta de um maior conhecimento sobre o vírus, mas muito por puro preconceito da sociedade.
No geral, temos um filme bonito e muito sensível, que nos mostra um Cazuza que soube viver a aproveitar intensamente cada minuto de sua vida, mas, infelizmente, não soube arcar com as conseqüências de seus próprios exageros. E fica a pergunta batida: vale mais a pena viver 30 anos a 100 por hora ou 100 anos a 30 por hora?