Camille e Rodin

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Meu primeiro contato com a História da Arte foi no Ensino Médio, graças ao fato de haver questões sobre o tema para aqueles que queriam ingressar na Universidade de Brasília por meio do PAS (Programa de Avaliação Seriada), que, na época, nada mais era do que o vestibular dividido em três partes, ao final de cada ano do antigo 2º Grau.

O professor que tive não era ruim e tinha muita paciência e boa vontade para tentar tornar sua aula mais divertida, mas estávamos na faixa dos quinze, dezesseis anos. Bem mais velhos do que a Joanna é hoje, é verdade, mas, pelo menos entre os garotos, preferíamos saber mais sobre os últimos lançamentos do Playstation e do Nintendo 64 do que conhecer a fundo as histórias dos artistas e saber diferenciar Manet e Monet. As meninas tinham outros interesses, mas estes também não eram vinculados à História da Arte. Pelo menos não que eu saiba.

Foi somente na faculdade de cinema que eu tive mais paciência e interesse para encarar a matéria, apesar de nossas professoras não terem sido lá grande coisa. Nisso o Cyrino deve concordar comigo, pois sofreu para não ficar de DP com uma delas e, ao perceber que fora aprovado, ele fez uma dança antológica em sala de aula para comemorar o fato (é pena que ninguém tenha gravado um vídeo disso!).

O fato é que, ainda assim, boa parte da História da Arte eu assimilei por meio da “decoreba”, apesar de gostar muito de algumas obras e saber um pouco mais sobre os artistas que as fizeram. A verdade é que a matéria perde força quando somos obrigados a ler a respeito e decorar qual artista fez cada obra, ao invés de sabermos sobre os fatos mais íntimos. Ora, se a arte é o reflexo do sentimento do artista, seja ela uma pintura, uma escultura, ou até mesmo uma obra literária, nada mais interessante do que saber o contexto da vida que levou determinado artista a executar a genialidade que o tornou conhecido, não é verdade?

Infelizmente, talvez pela pressa dos professores em cumprir o conteúdo programático, na faculdade também chegou um momento em que eu liguei o método “decoreba” só para poder passar na matéria. E lá se foram cinco parágrafos e ainda não comecei a falar sobre o objeto dessa resenha, mas aqui termino meu desabafo em uma frase: se existissem mais peças de teatro como Camille e Rodin, a História da Arte seria muito mais interessante, até mesmo para os alunos do Ensino Médio.

CAMILLE E RODIN

Vamos adiante, a esperada sinopse: Camille Claudel é uma jovem intuitiva e de uma criatividade fora do comum, que destoou do pensamento de sua época, rompeu laços com sua classe social e entrou em conflito com sua mãe. Seu desejo de ser uma grande escultora a levou a Paris, onde conheceu Auguste Rodin, do qual se tornou discípula. O já célebre escultor percebeu o enorme talento da moça e a convidou para trabalhar com ele.

Daí nasce a paixão entre eles e então, provocando o que havia de melhor um no outro, fazem nessa época de romance as suas melhores esculturas. No entanto, Rodin já era casado e, portanto, o romance secreto, com o passar do tempo, se tornou incompleto para Camille. Afinal, ele sempre voltava para casa, o que a deixava cada vez mais indignada. Outra coisa que sempre a atormentou era a sociedade da época, que não acreditava que uma mulher pudesse ser uma grande escultora, de modo que a moça era somente vista como uma sombra de seu amor, de seu mestre, Auguste Rodin. O fim da história já deve ser conhecido por muitos, mas não vou detalhar para evitar spoilers.

O ótimo texto de Franz Keppler, que destrincha a relação amorosa do gênio com a talentosíssima aluna, coube tão bem aos protagonistas, mas tão bem, que aconteceu comigo um fenômeno raro durante a peça: por muitas vezes me senti, de fato, diante de Rodin e Camille. É grandioso quando isso acontece. Quando o ator desempenha tão bem assim um papel, que faz o espectador enxergar o personagem e não o ator. É algo que nunca acontece ao Bruce Willis, por exemplo. E nem a muitos outros.

Leopoldo Pacheco é Auguste Rodin quando diz: “Camille inspira a minha alma”, alisando sua bufante barba branca (mesmo que as fotos do release o mostrem apenas com bigode). Melissa Vettore é Camille Claudel quando grita: “Rodin aprisiona a minha alma!”, com sua provocativa paixão insana.

O cenário não muda durante a peça: além de três grandes janelas de vidro nas paredes, possui somente uma mesa, uma cama, uma escada e algumas esculturas, mas isso não importa muito. Não importa mais do que o sentimento desses personagens, que é sincronizado com o jogo de luzes e uma boa e discreta trilha sonora. Outra coisa muito interessante é que, durante as inúmeras discussões do casal, os personagens vão fazendo muitas poses que são, na verdade, esculturas de ambos. Vale a pena checar as imagens das obras na internet antes de assistir ao espetáculo!

A peça trata, acima de tudo, de um amor turbulento e pulsante, tema que gosto muito. Para os que, como eu, gostam de histórias de amor, é muito indicada. Vale também para os que se interessam pelas obras desses dois grandes escultores, ou querem saber mais sobre eles. A temporada no Grande Auditório do Masp vai até 31 de março.

CURIOSIDADES:

– Obras conhecidas de Camille: Clotho, Idade Madura, A Suplicante, Busto de Rodin, Perseu e Medusa, A Valsa, O Abandono, Niobe Ferida.

– Obras conhecidas de Rodin: A Porta do Inferno, O Pensador, O Beijo, Burgueses de Calais, Danaide, Victor Hugo, Balzac, Fugit Amor.

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REVER GERAL
Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
camille-e-rodinArtista: Elias Andreato (Direção) e Franz Keppler (Texto)<br> Elenco: Leopoldo Pacheco e Melissa Vettore.<br> Local: Grande Auditório do Masp<br> Periodo: Até 31 de março.<br>