Battlefield Hardline

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Battlefield Hardline é o novo jogo da Visceral, estúdio responsável por dois títulos dos quais eu gosto muito. Refiro-me, claro, a Dante’s Inferno e à série Dead Space. O primeiro tinha tudo para virar uma série, e nunca ganhou uma continuação. O segundo já teve três exemplares. Em ambos os casos, um novo jogo das franquias para a nova geração seria muito bem-vindo.

Porém, o que temos aqui é um novo Battlefield. A Visceral não é estreante na série, pois já desenvolveu o DLC End Game para Battlefield 3. E Hardline toma uma boa decisão ao escolher um título que o torna um spin-off da série principal, pois em muito pouco se assemelha à numerosa franquia da EA. Saem os tiroteios de guerra cinematográficos e entra um jogo de stealth muito mais contido e, devo dizer, até mais divertido e menos genérico.

ANTERIORMENTE, EM HARDLINE

Aqui você controla Nick, um policial de Miami que logo se envolve em um escândalo de corrupção. Como sempre acontece em histórias do gênero, ele é acusado, e agora quer provar sua inocência e se vingar daqueles que armaram para ele.

Ok, vamos falar logo do grande elefante branco que está ali no canto incomodando muita gente. Na versão nacional, a voz de Nick é do cantor do Ultraje a Rigor, Roger Moreira. E ele não economizou nas polêmicas e reagiu muito mal às críticas feitas ao seu trabalho.

Devo dizer, de todas as bandas de rock nacional, o Ultraje a Rigor é a única que realmente me agrada, muito por causa do humor inteligente de suas letras. Infelizmente, nos últimos anos, Roger tem se afastado da imagem positiva que ele tinha pela sua banda e se tornado uma personalidade na linha do Lobão. Os dois são, decididamente, celebridades que não foram ajudadas pela proximidade possibilitada pelas redes sociais.

Assim como Roger, eu nunca jogo videogames em suas versões dubladas. Na real, eu evito dublagens e traduções de qualquer tipo, sempre priorizando o idioma original, quando eu consigo entendê-lo, é claro. Mas como estava jogando Hardline para resenhar, e não para minha diversão pessoal, me vi obrigado a jogar em português e assim analisar a performance do cantor invadindo uma praia de outros profissionais.

Surpresa, surpresa, a performance dele obviamente deixa muito a dever. O delfonauta sabe que em geral eu já não gosto das performances dos atores brasileiros. Dublar é mais difícil do que atuar. Alguém que não é ator dublando, então, é uma receita para desastre. Roger, inteligente que é, deveria saber disso, e ter encarado as críticas com mais humildade. Não é afrontando todo mundo que não gostou do trabalho que ele vai se redimir.

E convenhamos, a culpa mesmo é da Warner, que decidiu usar o status do cantor como um chamariz para seu jogo. No lugar de Roger, também teria aceitado o trabalho. Faria o melhor que conseguisse, mas é fato que eu não conseguiria me igualar ao trabalho de atores profissionais se essa não é minha área.

Falando da performance do cantor, o que mais me incomodou é que ele parece entediado, lendo suas frases enquanto olha o relógio contando os minutos para ir para casa. Ele não parece ser o policial em nenhum momento, ele parece ser o Roger. Um Roger entediado. Ou seja, trabalho de atuação mesmo foi zero.

Os outros atores são consideravelmente melhores, mas sofrem dos mesmos problemas que eu costumo criticar por aqui: a tradução não é bem localizada, traduzindo literalmente expressões do idioma inglês que não fazem sentido em português. Em determinado momento, um grupo de presidiários começa a cantar Amazing Grace, o que não faz sentido nenhum. Deveriam ter colocado uma música que presidiários brasileiros de fato conhecessem e pudessem cantar.

A tradução e performance dos atores também contribui com alguns momentos de humor não intencional, como logo no início, quando Roger grita “Você só tá piorando as coisa!”. Impossível não rir ao ouvir isso. Assim, se tiver a possibilidade, jogue no original, como o próprio Roger aconselhou, pois aí sim terá a experiência conforme ela foi planejada para ser.

É uma pena que, como é comum nos videogames, não exista uma opção no menu para escolher o idioma das vozes e das legendas. Se seu console estiver com os menus em português, o jogo inteiro fica em português. Se estiver em inglês, idem. Assim, não dá para jogar com a dublagem original e com legendas em português, que acredito que seria a opção escolhida pela maioria das pessoas.

AGORA, EM HARDLINE

Ok, comentamos sobre a dublagem que tanto deu o que falar, e agora é chegada a hora de falar do que realmente interessa: o jogo em si.

Hardline é focado no stealth, mas é um stealth diferente. Games do gênero costumam deixar o jogador totalmente indefeso, ou então, na tradição Assassin’s Creed / Far Cry, possibilitam alguns takedowns estilosos e divertidos. Desta forma, o objetivo, tanto em um como no outro, acaba sendo passar das fases sem ninguém saber que você esteve lá.

Hardline brinca com isso, aproveitando-se do fato de que o protagonista aqui é um policial. Você até pode nocautear os desafetos, mas o que o jogo realmente quer que você faça é prendê-los. Para isso, você deve se aproximar de até três inimigos e gritar algo tipo “mãos para cima! E fique com elas para cima!” (para melhores resultados, imagine o Roger falando isso). Eles vão largar suas armas e ficar olhando para você, mas você deve administrar a tensão da coisa apontando seu revólver para aqueles que ameacem reagir, o que é bem difícil de fazer quando você tenta prender três vilões ao mesmo tempo.

Uma vez que você conseguiu se aproximar, pode apertar o R3 para prender os maledetos. A prisão leva um tempo, no entanto, e você fica vulnerável e pode ser visto por patrulhas que estejam passando por ali, o que desencadearia um tiroteio.

Ou seja, o jogo não quer um tiroteio. Se você jogar bem, vai passar pelos cenários prendendo todo mundo. Curiosamente, ao fazer isso, você ganha experiência que libera novas armas, que o jogo não quer que você use. É engraçado e um tanto contraditório, mas o sistema funciona para criar um jogo de stealth diferente, e eu aceitei brincar como ele queria.

No vídeo abaixo, você confere minha performance prendendo alguns criminosos e a performance do Roger na dublagem, o que vai deixar mais claro tudo que foi falado nesta resenha até aqui.

Tem momentos, no entanto, que tiroteios são inevitáveis. Nestes casos, Hardline fica bem semelhante a um shooter tradicional. É bom, é divertido, mas não se destaca em nada, ao contrário do stealth que corresponde à maior parte da jogatina.

Uma coisa que achei especialmente divertida é que tem alguns inimigos com mandados, o que significa que o jogo quer que você os prenda. E eles normalmente estão bem no meio do cenário, num lugar bem visível, então para chegar neles, acaba exigindo bastante estratégia, pois você tem que ir prendendo todos os que estão ao redor para finalmente chegar no procurado. Se alguém te encontrar antes disso, começa um tiroteio, e daí você não pode prender mais ninguém. É uma forma criativa e divertida de abordar os colecionáveis, e é claro que tem um troféu para prender todos os procurados.

O único defeito dessa mecânica é que o botão usado para prender é o mesmo que usa o cassetete. A ação deveria ser contextual, se o criminoso estiver com as mãos para cima, ele será preso. No entanto, na realidade algumas vezes meu policial batia no meliante, o que até deixava mais realista, especialmente se lembrarmos dos abusos de poder da polícia brasileira. O problema é que isso inicia um tiroteio, arruinando as possibilidades de stealth.

Uma imensa qualidade é algo que é um dos poucos defeitos de Far Cry. Assim como no jogo da Ubisoft, você pode marcar os inimigos com sua câmera, o que mostra a localização deles. Quando você morre, no entanto, não precisa marcar tudo de novo, eles continuam marcados. Isso elimina totalmente a frustração comum no Far Cry, de passar um bom tempo marcando todo mundo para o alarme disparar e ter que fazer tudo de novo.

GRÁFICO, SOM E OUTROS DETALHES

O visual de Hardline é muito bonito, com excelentes gráficos e o ótimo design pelo qual a Visceral é conhecida. No entanto, eu senti que faltam detalhes, tudo é um pouco “limpo” demais, como se as texturas não tivessem sido carregadas. São detalhes, no entanto, e no geral o visual é bem legal.

Do som, por outro lado, não tenho nada a dizer além de elogios. Desde as músicas licenciadas que tocam no mundo do jogo e nos rádios dos carros aos efeitos sonoros, Hardline soa muito bem. Tem uma fase (ou, como o jogo chama, “episódio”), por exemplo, que acontece no meio de um furacão, que é impressionante, especialmente se você tiver um bom home theater.

A campanha single player também tem algumas outras novidades não comuns no gênero, como momentos em que você usa veículos, o que abre espaço para perseguições emocionantes, o que é totalmente diferente em um jogo mais linear, como este, do que em um de mundo aberto, onde essas coisas são comuns. Rola até uma batalha entre tanques lá pelas tantas.

A campanha inteira é daquelas milimetricamente roteirizadas, o que me agrada muito. Não faltam momentos cinematográficos nos quais é impossível não soltar um ou mais “hell, yeahs”. A cena da tirolesa no episódio 9, em especial, se destaca como uma das mais legais que eu já vi no PS4. Eu queria até colocar um vídeo dela aqui, mas optei por não fazer isso para você se divertir tanto quando vivenciá-la quanto eu.

Composta de 10 episódios, a parte single player de Hardline não é especialmente longa, mas também não é tão curta como costumam ser nestes jogos, que em geral são terminados em uma tarde. Eu fiquei alguns dias jogando até terminar a história, bem mais do que esperava. E embora a campanha em si tenha sido bem satisfatória, o final da história é repentino e bem fraco. Mas é óbvio, como se trata de um Battlefield, após jogar sozinho ainda tem o multiplayer.

A SEGUIR, EM HARDLINE

Uma coisa que me chamou a atenção é que a opção de multiplayer no menu do jogo é a principal, o que não me lembro de ter visto antes. Isso mostra aonde realmente está o foco.

Existem oito modalidades de jogo multiplayer por aqui e em geral são aqueles que já conhecemos, como team deathmatch, matar VIPs e capturar zonas. Um que me chamou a atenção é um no qual, ao invés de zonas, você deve capturar veículos, e seu time ganha pontos quanto mais rápido você dirige. É como a captura de zonas tradicional, mas as zonas são móveis, o que muda tudo.

As batalhas juntam mais de 60 jogadores, o que é literalmente gente pra dedéu. Por causa disso, os cenários são enormes. Isso tem um lado negativo, pois você acaba ficando muito tempo procurando alguém para matar ou simplesmente correndo em direção ao objetivo. Particularmente, preferia cenários menores e mais contidos, o que deixaria a ação mais visceral.

Aí entra um problema que é especialmente meu: eu não me dou bem em multiplayer competitivo. Dá para contar nos dedos quantos eu realmente joguei por várias horas e foram basicamente Bioshock 2 e Assassin’s Creed Revelations. Hardline não mudou minha opinião.

Minha experiência jogando multiplayer aqui foi de ficar um bom tempo correndo pela mapa procurando alguém, e de repente eu tomava um tiro e morria, sem nem ver quem me matou.

Porém, eu não diria que o multiplayer é ruim, pois normalmente é isso que acontece comigo em jogos como Call of Duty e Battlefield e eu sei que tem muita gente que gosta. Como sei que é um problema de falta de habilidade minha, preferi focar essa resenha no single player e, se você está mais interessado na parte multiplayer, quase todas as outras resenhas publicadas mundo afora focaram justamente nisso.

LINHA DURA

Na nota lá em cima, eu basicamente desconsiderei o multiplayer, pois sei que não é para mim. A campanha single player, no entanto, é boa e satisfatória o suficiente para valer a pena ser jogada, apresentando uma nova abordagem aos jogos de stealth, onde o jogador tem que tomar bastante cuidado para não começar um tiroteio.

Recomendo não tanto a fãs de longa data de Battlefield, pois é bem diferente dos anteriores. Porém, se você está a fim de um jogo de stealth diferente e altamente cinematográfico, Hardline é uma aposta certa. E de preferência jogue em inglês.

CURIOSIDADES:

– Tem um monte de referências a Dead Space ao longo do jogo. Veja algumas na galeria. A mais legal é quando você encontra um criminoso jogando, daí quando manda ele colocar as mãos para cima, ele pausa. =]

– Este foi o primeiro jogo que eu joguei após a atualização do PS4 que captura imagens cada vez que rola um troféu. Por isso, agora é possível que algumas screenshots das nossas resenhas sejam cenas de troféu.

Galeria

REVER GERAL
Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
battlefield-hardlineAno: 2015<br> Gênero: Simulador policial em primeira pessoa<br> Plataforma: PS4, PS3, PC, Xbox 360, Xbox One<br> Fabricante: Visceral<br> Versao: PS4<br> Distribuidor: EA<br>