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Se você é como eu, imagino que estava ao mesmo tempo ansioso e apreensivo para este filme. Por um lado, é Tarantino, garantia de diversão descompromissada. Do outro, é um longa sobre nazistas. E ninguém mais aguenta essa temática. Além disso, eu temia a traição de movimento por parte do diretor, que parecia ter se rendido aos oscarizáveis de orçamento bombado e abandonado os filmes B que ele ajudou a revitalizar para toda uma geração.
Aqui, como é praxe na obra do diretor, temos várias histórias, divididas em capítulos. Todas elas se passam na França ocupada por nazistas e culminam num plano de algumas das partes de aproveitar uma premiere de um longa nazista para colocar um fim à vida de todos os discípulos do Zé Bigode. Hitler, para quem não se tocou.
Porém, as várias histórias vão se cruzando em algum momento, gerando altas doses de confusão da pesada. E é isso mesmo que a gente quer ver, certo?
Os Bastardos Inglórios do título são um grupo de soldados judeus e norte-americanos que vão à Alemanha com a simples e cobiçada missão de exterminar a maior quantidade de nazistas da forma mais cruel possível. Sabe como, em Ligeiramente Grávidos, o personagem de Seth Rogen diz que os judeus só apanham no cinema e estava mais do que na hora de um filme mostrá-los chutando traseiros? Pois é, isso não acontece aqui.
Isso porque não estamos falando de um longa de ação. Quentin Tarantino não faz ação (Kill Bill Vol. 1 foi a única exceção). Não existe absolutamente nenhuma cena de ação por aqui. Existe violência, mas não ação. Quatro vezes “ação” no mesmo parágrafo! Paga um pau!
O filme inteiro é levado única e exclusivamente por diálogos. E são diálogos excelentes, com atuações idem. Verdade, algumas conversas parecem se estender por tempo demais e não chegam a avançar a história para justificar sua existência. Isso, contudo, não significa que elas são chatas. Muito pelo contrário, aliás.
Ao mesmo tempo em que essas conversas são, no geral, engraçadíssimas, quase todas têm um ar de tensão, de “em algum momento vai dar m**** e vai morrer gente”. E, quando finalmente isso acontece, acaba sendo bem divertido, desde que você, é claro, não espere ação.
Finalmente, chegamos ao ponto principal: não, Tarantino não traiu o movimento. Todas suas características estão aqui. Temos um monte de pés femininos, tem aquela cena clássica do porta-malas (dessa vez sem um carro) e, claro, temos um monte de planos e personagens típicos de filmes B. Aliás, Taranta conseguiu colocar esses planos até no filme dentro do filme.
Sobre os personagens, o destaque absoluto vai para Hugo Stiglitz (Till Schweiger, clone do Val Kilmer), um caçador de nazistas psicopata que lembra bastante o Rorschach. Não dá para entender porque o diretor optou por matá-lo tão rápido.
Sobre planos, chama a atenção a “primeira” aparição do Urso Judeu (não é a primeira, mas é quando usam esse apelido), que lembra bastante a apresentação do Leatherface e ficou bem legal. Mas a estética no geral, apesar da cara de oscarizável, vem completamente dos filmes B, esse gênero tão querido por nós e tão divertido.
Aliás, cabe mencionar que este é um longa que exige bastante do espectador. Para entender todas as piadas, planos e referências, é recomendável um grande conhecimento de cinema e de outras áreas da cultura Pop como um todo, além de algum conhecimento da época na qual o longa se passa. Ok, isso é comum na obra do Tarantino, mas talvez aqui ele esteja mostrando seu lado mais hermético. Se você não sabe quem é Leni Riefenstahl, por exemplo, vale uma pesquisa antes de entrar na sala.
Outro lado positivo é que este filme me deixou sem saber o que esperar pela primeira vez em muito, muito tempo. Admito que eu nem lembrava mais como era assistir a um longa sem saber exatamente como e onde as coisas vão acontecer. E isso foi bem legal.
Porém, por outro lado, senti que os Bastardos Inglórios aparecem por muito pouco tempo, e a maioria dos membros do grupo nem sequer são apresentados. Lembra, por exemplo, a aparição da Ordem da Fênix em Harry Potter e a Ordem da Fênix. É algo tão secundário à trama principal que nem fica claro porque foram escolhidos para dar título à obra. Esse é um dos principais problemas em criar mais personagens do que a história comporta – e é um erro cometido pelo diretor nesta fita.
É uma pena, porque é justamente esse grupo de judeus psicóticos que protagoniza as melhores cenas. O filme seria bem mais divertido e engraçado se focasse nesses personagens ao invés de no “romance” entre a dona do cinema e o carinha de Adeus, Lênin. E, cá entre nós, eu também gostaria de ver o grupo chutando bundas e fazendo as atrocidades que são apenas sugeridas.
Tudo também acaba perdendo pontos porque Tarantino, logo no início, cai no clichê absoluto de “não matarás crianças”. Ok, considerando que a criança se tornará parte vital da história, ela não poderia morrer, mas seu assassinato não deveria ter sido sugerido por um simples motivo: o coronel Hans Landa (Christoph Waltz) é um assassino impiedoso, que se orgulha de ter o apelido “caçador de judeus”. Então por que diabos ele apontaria a arma para a menina apenas para poupá-la no segundo seguinte? Como diria a popular defesa Chewbacca, “isso não faz sentido”. Ele saiu de personagem e isso é um erro crasso de roteiro. Só em Hollywood mesmo que um orgulhoso assassino de judeus pouparia alguém só porque ela não completou primaveras suficientes. E isso seria resolvido se ela tivesse apenas fugido, como foi inicialmente sugerido. Porém, o diretor não resistiu e resolveu fazer Hans apontar para ela na tentativa vã de chocar usando clichês (no caso, ameaçando crianças). E isso nunca dá certo.
Apesar das armadilhas na qual Quentinho Tarantela finalmente caiu, não dá para negar que Bastardos Inglórios é um filme divertidíssimo e suas mais de duas horas e meia passam voando – e em meio a muitas risadas. Se você é fã do cara, não perca.
Curiosidades:
– Tente achar Mike Myers (sim, o Austin Powers) por aqui. O primeiro a comentar qual personagem ele faz ganha um vale aperto de mão.
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