B. B. King & Friends – 80

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B. B. King dispensa qualquer apresentação. Não há como pensar no blues das últimas décadas e não pensar no velho mestre. Lembrar do passado, em que os seus “bends” remetem às bucólicas viagens aos meandros do Mississipi, observando os antigos vapores subirem e descerem pelas águas turvas… Por isso, tentarei não me reter apenas a elogios, embora isto seja quase impossível.

E recentemente revisitando meu parco acervo de álbuns, tive o prazer de reencontrar um disco que não ouvia há alguns meses (a vida é tão insensata e nos priva dos mais sublimes prazeres). E viria realmente de forma oportuna, já que naquela mesma semana, B. B. King voltaria às terras tupiniquins para o que se acredita ser a sua última excursão fora dos Estados Unidos. Este álbum foi um presente que dei a mim mesmo, em meados de setembro de 2005. E até hoje, posso dizer, que ainda me felicito pela sábia escolha.

Como o próprio nome já diz, trata-se de uma “pequena reunião” entre amigos. Afinal, é algo relativamente simples para um Rei reunir para a comemoração de seu aniversário, nomes como Van Morrison, John Maye, Gloria Estefan e Elton John. Assim, se o aniversariante, em seus 80 anos, é merecedor de uma suntuosa homenagem, os convidados aqui também estão à altura.

Não pense que este é um disco comum, onde “Happy Birthday to You” é cantado a plenos pulmões e a troca de gentilezas acaba sendo terrivelmente enfadonha. Muito ao contrário disto. Mas então você, caro defonauta, me pergunta: “Mas não é um disco de duetos?”. E eu respondo: Sim, mas as semelhanças deste com outros que já nos chegaram às mãos acabam por aí.

Boa parte das músicas ganhou novos arranjos ou até mesmo uma outra versão. É como acontece, por exemplo, com Never Make Your Move Too Soon, onde Daltrey, acompanhando o ritmo intenso, esboça um dueto com King. Ou mesmo ainda em Hummingbird, onde os teclados exibem uma sonoridade muito mais serena e impactante, tornando-se ainda melhor do que sempre fora.

Talvez, só o fato destas intervenções fosse o suficiente para despertar a vontade de ouvi-lo, mas as boas novas não acabam aí. Entre o hall de convidados está nada menos que Eric Clapton! Então, dá pra ver que o velho mestre não estava de brincadeira. Num encontro onde dois “monstros” como esses se encontram, podem-se esperar gratas surpresas. Perceba a suavidade com que ambos tangem as “seis musas”, os bends intercalados e as escalas que são apresentadas. Enquanto King canta, Clapton debruça-se sobre seu instrumento e retira dele frases repletas de exultação para The Thrill Is Gone.

Embora, The Thrill Is Gone seja um bom som, deixa a desejar em certos instantes, por limitar-se aos duelos de bends, ela fica ainda longe de ser considerada como o primor do disco. All Over Again entra, então, nesta vasta galeria. É praticamente impossível transpor em palavras o impacto que este som causa. Sua cadência e o swingado da melodia contrastam com belíssimas passagens, onde se tem a impressão de que a guitarra está chorando. A voz roufenha de King empresta-lhe uma característica melancólica incomparável.

Além de All Over Again, merecem destaques muitas outras obras-primas, como a magnífica Drivin’ Wheel, o balanço de Early In the Morning, o belo dueto com Sheryl Crow em Need Your Love So Bad, além da assimétrica execução de There Must Be a Better World Somewhere, com Gloria Estefan.

E para encerrar com chave de diamante (afinal são 80 anos, não?) o momento mais aguardado do álbum, o encontro entre King e Elton John: Rock This House, onde ambos mostram do que são capazes em uma performance de tirar o fôlego. A melhor maneira de terminar um álbum tão grandioso quanto este. Um som agitado e repleto de saudosismo.

Possivelmente, os únicos pontos fracos do álbum sejam a presença quase inaudível do baixo (o que para um modesto baixista como eu acaba sendo até decepcionante, mas ainda assim não compromete o conjunto, como um todo) e o fato do disco não ser ao vivo. Este último fator, contudo, só constata uma certeza: se em estúdio, os encontros tiveram passagens memoráveis, imagine só se as músicas fossem tocadas diante de uma platéia empolgada.

Assim, termino este comentário dizendo que em semelhança ao vinho, quanto mais o tempo passa, mais B. B. King adquire ainda mais gana e paixão, seja nos vocais repletos de saudosismo, ou na maneira única como a guitarra se comporta quando está em suas mãos reais: chora, gargalha, sussurra, canta… ganha vida!

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
b-b-king-friends-80Ano: 2005<br> Gênero: Blues<br> Artista: B. B. King<br> Número de Faixas: 12<br> Gravadora: Universal<br>