Todo mundo tem uma posição política. Mas não interessa se você é de esquerda ou de direita, se você mora no Brasil, vive em uma sociedade capitalista. E, como tal, por mais que sua posição tenda à direita, com certeza você já se incomodou com algumas das “facilidades” do capitalismo. Esta é nossa análise Shakedown: Hawaii.
ANÁLISE SHAKEDOWN: HAWAII
Visualmente, Shakedown: Hawaii lembra um bocado os primeiros GTA, quando a série ainda trazia visão de cima. O jogo em si, ainda que traga ingredientes em comum com as raízes da Rockstar, é bem mais simples. É basicamente uma coleção de minigames. Há missões de tiro (estilo twin-stick shooter) e você passa um bom tempo dirigindo de um ponto a outro do mapa. Porém, há momentos em que você deve encher o saco de pessoas ou atropelá-las.
O que dá ao jogo jeitão de uma coleção de minigames é como as missões são curtas. A maioria das atividades termina em menos de um minuto. Como um jogo, Shakedown: Hawaii é bem simples, e tem alguns problemas de usabilidade bem sérios.
Por exemplo, ele incentiva você a comprar todas as propriedades do mapa, mas você deve clicar uma a uma para fazer isso. E há mais de 400.
Da mesma forma, para comprar upgrades e armas para o seu personagem, é necessário atribuir um salário. E você faz isso subindo o valor de um a um. Se quiser ganhar dez mil dinheiros, por exemplo, vai passar uns 10 minutos segurando para a direita até chegar ao número desejado.
Apesar de seus problemas e simplicidade, Shakedown: Hawaii é, porém, uma crítica bastante incisiva ao capitalismo, e este é seu ponto mais marcante.
PORCOS CAPITALISTAS
Você joga a maior parte do tempo como um empresário sem escrúpulos. No começo do jogo, ele está beirando a falência por ter investido forte em empresas de locação de vídeo e táxi. Seu objetivo é recuperar sua empresa e, eventualmente, conseguir um monopólio sobre toda a atividade econômica do Havaí.
Uma das primeiras atividades que você será incentivado a fazer é convencer os negócios locais a pagar uma taxa de proteção diária. Há mais de 80 negócios que devem ser convencidos individualmente, cada um com uma pequena atividade que dura menos de um minuto.
E daí há o modo história. Nosso “herói” é um capitalista altamente reativo. Basicamente, ele vê os concorrentes fazendo algo, e resolve fazer também. A rotina é mais ou menos a seguinte: você vai comprar ingressos para um show online, e fica bravo com a taxa de conveniência.
Daí, obviamente, você resolve acrescentar uma taxa de conveniência a todas as suas vendas. O jogo atira para praticamente todos os lados e práticas anti-consumidor do capitalismo. Se tem algo na sociedade em que vivemos que te incomoda, muito provavelmente há uma ironização disso em Shakedown: Hawaii.
Shakedown: Hawaii é um jogo que te faz pensar, e ao mesmo tempo se sentir mal. Afinal, você acaba sendo obrigado a fazer no mundinho do jogo práticas que todo mundo odeia na vida real.
SATISFAÇÃO CAPITALISTA
E sabe o que é pior? Ao mesmo tempo em que você se sente mal por estar contribuindo negativamente para a sociedade, acaba com uma certa satisfação ao ver sua renda diária aumentando progressivamente.
Por exemplo, além de comprar negócios e vender “proteção”, você tem multiplicadores. Cada multiplicador leva o nome de uma atividade comum na nossa sociedade, como marketing multinível ou telemarketing, completo com descrições do que significa aquilo na realidade.
Ativando multiplicadores para cada um de seus negócios (o que também deve ser feito um a um), é possível aumentar a renda dele em mais de 50X. Não demorou para eu chegar a 13 milhões de dinheiros, e resolvi usar o dinheiro para comprar todo o mapa. Isso levou um tempo e foi um saco, já que exigiu centenas de cliques. Mas aumentou consideravelmente minha renda.
Chegou ao ponto em que eu estava faturando 40 milhões por dia e tinha mais dinheiro do que poderia gastar. Na verdade eu tinha tanto dinheiro que mal via minha conta se mexendo ao adquirir novos negócios. E mesmo assim eu queria faturar mais. Afinal, era o objetivo do jogo. Não demora para você imaginar que é exatamente assim que os grandes empresários da nossa sociedade pensam e agem.
MAIS LUCRO DO QUE É POSSÍVEL GASTAR
Isso leva a pensar. Shakedown: Hawaii parece passar uma mensagem anti-capitalista, mas ao colocar o jogador no papel de um empresário, chega a humanizar as práticas. Por exemplo, um de seus consultores diz que as pessoas estão reclamando das sacolas plásticas que fazem mal para o meio ambiente. Daí o protagonista diz “Quê? As pessoas estão reclamando das sacolas? Então vamos parar de dar sacolas e economizar uma graninha”. Corta para um telejornal falando como as atividades da sua empresa colocam o meio ambiente antes do lucro ao parar de dar sacolas. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
Afinal, Shakedown: Hawaii está criticando as atitudes das empresas ou, ao colocar o jogador no papel de um capitalista que pensa exatamente como os da vida real, está justificando estas práticas? Sinceramente, eu não sei.
O fato é que jogar Shakedown: Hawaii me fez pensar. Não é como se antes eu não enxergasse as motivações escusas por trás de empresas que, por exemplo, resolvem parar de dar sacolas. Mas ao jogar como alguém do lado do 1%, que toma essas decisões, eu acabei fazendo as mesmas coisas.
É aquela história de que o governo só é corrupto se o cidadão individual também for corrupto. Você vai se corromper, piorando consideravelmente a qualidade de vida dos cidadãos pixelados do Havaí? Ou vai jogar outro game, um tradicional onde simplesmente salva o mundo?