Josef Fares gosta de uma jogatina cooperativa. Os três jogos que ele dirigiu – Brothers, A Way Out, e o objeto desta análise It Takes Two – são pensados para serem jogados em dupla. No caso dos dois últimos, inclusive, é impossível jogá-los sozinhos. A ponto permitir jogar com um parceiro online que não comprou – bastando este baixar o “passe de amigo”.
Eu tenho algumas questões com essa proposta de “coop e apenas coop”. Porém, isso é uma divergência mais filosófica do que sobre o jogo criativamente. Então vamos começar falando de como é It Takes Two e como foi minha experiência com ele.
A Way Out eu joguei com meu colega de DELFOS, Yohan, que inclusive escreveu nossa resenha.
Para It Takes Two, minha parceira foi minha irmã, Carol. Decidimos escolher os personagens que representavam nossos gêneros biológicos. Então eu joguei com o carinha, Cody, na versão de PS5, e ela com a mina, May, com a versão de PS4.
ANÁLISE IT TAKES TWO
It Takes Two conta a história de um casal em vias de se divorciar. A coisa começa com eles contando para sua filha que vão se separar. Ela obviamente fica muito triste e, com o poder de suas lágrimas mágicas, transforma os progenitores em seus dois bonequinhos preferidos.
Os dois acordam em suas novas formas sem fazer ideia do que aconteceu. Felizmente, eles serão guiados por Dr. Hakim, um livro extremamente sensual que vai ensiná-los a recuperar a chama de seu relacionamento. Isso, obviamente, é feito através de uma grande aventura cheia de minigames e atividades cooperativas.
SPLIT SCREEN
It Takes Two acontece quase o tempo todo em tela dividida, mesmo que você esteja jogando online. Por um lado, isso permite que um jogador mostre algo para o outro através da sua tela, e ajuda na colaboração. Por outro, isso obviamente limita o apelo visual dos belos gráficos. E It Takes Two é lindo, meu camaradinha. Apesar de ser um jogo fofinho e cartunesco, boa parte dos cenários beiram o fotorrealista.
Inclusive, há alguns momentos em que o jogo realmente quer que você admire seu visual e, então, coloca os dois personagens na mesma tela. Particularmente, eu gostaria que mais de sua campanha acontecesse assim, e só se dividisse quando fosse realmente necessário.
Aliás, espetáculo é o que não falta.
ESPETACULAR
It Takes Two é o tipo de campanha que raramente se vê hoje em dia. Trata-se de um jogo de altíssimo orçamento, cheio de momentos épicos de qualidade e escala cinematográfica. É até curioso que It Takes Two tenha sido publicado pela EA, editora que já se manifestou muitas vezes no passado dizendo coisas como “campanhas narrativas single player de alto orçamento estão mortas”. Claro, It Takes Two não é single player, mas apesar de exigir dois jogadores, funciona como tal, com foco na narrativa e em espetáculo. Não é um jogo multiplayer de gameplay puro, como Fifa, por exemplo.
Na verdade, eu diria que, apesar de ser um gênero diferente, It Takes Two traz muito de Uncharted. Claro, Uncharted é, em essência, um jogo de tiro; enquanto It Takes Two é focado em puzzles. Mas ambos são grandes aventuras épicas com narrativas que, discutivelmente, são mais importantes do que o gameplay. E dito isso, It Takes Two tem…
MECÂNICAS E MAIS MECÂNICAS
A quantidade de mecânicas presentes aqui é simplesmente impressionante. Cada fase tem um gimmick ou, se preferir, um power up. Logo no início, May ganha um martelinho que ela pode usar para quebrar coisas. Já Cody ganha um preguinho, que pode ser atirado para fazer plataformas para May. Em outro momento, May ganha uma mangueira que solta água, enquanto Cody pode se enterrar e usar habilidades de plantas para cumprir objetivos específicos.
Todas essas mecânicas aparecem apenas em um pedaço da história, e logo são trocadas por outras. Assim, você nunca sabe o que vem pela frente enquanto joga. Ah, e o fato de o jogo ser um puzzle plataforma não significa que ele não tenha ação.
TEM ATÉ CHEFES
São momentos pontuais, mas It Takes Two traz horas em que você deve matar inimigos para progredir. Boa parte dessas cenas envolvem ações cooperativas. Por exemplo, no jardim, Cody deve segurar os inimigos enquanto May os estraçalha com uma foice. Mas o mais legal mesmo são os chefes.
Os chefes são batalhas épicas contra personagens desenvolvidos que costumam ter alguma picuinha com o casal. E eles, é claro, exigem trabalho cooperativo. Essas mecânicas de combate coop funcionam bem melhor nos chefes do que nos inimigos padrão.
No exemplo que eu dei acima, no qual Cody deve segurar os meliantes enquanto May ataca, Cody fica totalmente indefeso e imobilizado enquanto faz isso, o que não é legal. Nos chefes, que são batalhas mais focadas, esse tipo de coisa não é um problema. Sem falar, claro, no espetáculo visual que elas envolvem.
IT TAKES TWO É LÚDICO!
Talvez os melhores momentos do game sejam justamente aqueles sem combate ou puzzles. Frequentemente, It Takes Two abre espaço para você simplesmente… brincar. São trechos em que você deve apenas navegar de um ponto para outro. Era comum, enquanto jogava, eu reparar que estava com um largo sorriso no rosto.
Você pode estar montado em um besouro, patinando no gelo, ou controlando um carrinho de mina. Mas o foco não é na mecânica, mas na parte lúdica. São momentos muito gostosos e, claro, são nessas horas que o relacionamento do casal realmente se desenvolve.
Por fim, tem também um monte de minigames, que funcionam mais ou menos como colecionáveis. Esses são apenas isso, pequenos joguinhos competitivos que envolvem martelar um botão ou apertar no timing certo para fazer algo acontecer.
Os minigames são bem simples. Poucos deles são do tipo que você vai querer jogar por muito tempo ou jogar de novo depois de concluir a campanha. Mas, se quiser, é possível jogar todos os minigames desbloqueados pelo menu.
O JOGO É PARA QUEM?
It Takes Two é ótimo. Muito bom mesmo. Meu problema é que ele limita muito seu público ao exigir ser jogado por duas pessoas. It Takes Two não é um Streets of Rage 4, ou seja, um jogo com mecânicas simples e que pode ser vencido em cerca de uma hora.
Embora ele não seja especialmente difícil, ambos os jogadores devem estar totalmente familiarizados com os controles de um jogo 3D moderno. E eu sei que muita gente tem dificuldade real em usar os dois analógicos e controlar uma câmera totalmente manual.
Além disso, o jogo é relativamente longo. Minha irmã e eu ficamos jogando por cerca de uma semana, todas as tardes. Se o jogo não tivesse saído perto daquela semana que foi declarada feriado em São Paulo por causa da pandemia, sabe-se lá quanto tempo teríamos levado para terminar.
É bem claro porque o jogo não permite jogar com um companheiro controlado pelo computador. Ele simplesmente não funcionaria bem.
It Takes Two me parece um jogo muito legal para ser usufruído por um casal que mora junto e não tenha filhos, o que parece uma limitação bem grande de público.
ANÁLISE IT TAKES TWO PRECISA MESMO DE DOIS
Eu tinha um interesse enorme no jogo, e ele sem dúvida alguma correspondeu às expectativas. Porém, me surpreende muito que a EA tenha investido nisso. Falamos da empresa que cancelou um jogo narrativo baseado em Star Wars, desenvolvido pela Visceral e capitaneado pela diretora de Uncharted, porque achou que ele não daria dinheiro.
Daí, paralelamente, eles investem a mesma quantidade de dinheiro em uma desenvolvedora com menos experiência (embora de muito talento) para fazer um jogo que precisa de duas pessoas com tempo e habilidade simplesmente para rodar. Assim, eu fico muito feliz que It Takes Two exista. Mas ele me parece um investimento bem mais arriscado do que o supracitado projeto Ragtag. Afinal, a vida adulta já deixa difícil simplesmente combinar de sair para jantar com amigos. Reservar de dez a quinze horas para jogar videogame com alguém me parece quase impossível.
Se você tem alguém pra jogar com você – especialmente se for alguém que mora contigo – eu não poderia recomendar It Takes Two com mais força. Trata-se de um jogo que precisa ser jogado por qualquer pessoa que admire um entretenimento interativo de alto orçamento.