Alguns jogos estão no topo de suas categorias. É o caso de Guacamelee!, que saiu pouco antes da moda atual dos metroidvanias indies, e que mesmo assim não foi igualado por nenhuma das centenas de lançamentos do gênero que saíram desde então. Isso demonstra porque eu fiquei tão animado quando a desenvolvedora Drinkbox divulgou que lançaria uma continuação. E, agora, tendo debulhado esta sequência do começo ao fim e mais um pouco, posso dizer: Guacamelee! 2 é a realeza dos metroidvanias. É o jogo que qualquer lançamento do gênero aspira ser. É de um nível de level design e gameplay tão absurdos que parece que a desenvolvedora está se exibindo.
Algumas continuações reconstróem o jogo original, tornando-se algo que quase apaga seu antecessor. Este não é o caso com Guacamelee! 2. O primeiro já era um jogo excelente, e este constrói em cima de suas fundações. Uma boa comparação seria com os dois primeiros Uncharted. O segundo não é especialmente diferente, mas melhora o que já era bom, e assim chega muito próximo da perfeição.
SANTA GOLPIZA
Boa parte da graça de Guacamelee! está na sua ambientação mexicana. O visual é em low-poly, mas é tudo tão bonito, tão colorido e vibrante que mal dá para perceber. Os personagens também são super simpáticos e animados com muita personalidade.
A história gira em torno de Salvador, um luchador malvado que quer pegar o Guacamole Sagrado e assim acabar com o Mexiverso. Obviamente, você deve impedí-lo. Uma coisa curiosa é que quase o jogo inteiro rola no que ele chama de Darkest Timeline, uma linha do tempo alternativa à do primeiro jogo. No decorrer de Guacamelee! 2 você vai viajar entre várias linhas do tempo, o que permite que ele introduza mecânicas e piadas relacionadas a outros jogos e ao mercado de games como um todo.
A história, um bem contra o mal tradicional, é relativamente mé. Mas é o único aspecto mediano do jogo. Ela ainda é bacana porque o humor cheio de referências é ótimo, os personagens são legais e a ambientação é excelente. E daí você entra nos aspectos do jogo propriamente dito e em matéria de level design e gameplay temos aqui o melhor que este nosso hobby tão querido pode proporcionar.
SUPER MARIO + STREETS OF RAGE
Metroidvania é tipo ficção científica. Acaba sendo um guarda-chuva que pode abordar vários gêneros diferentes. Um metroidvania pode ser um jogo de tiro, um hack and slash ou um RPG, por exemplo. Guacamelee! 2 é uma combinação de plataforma 2D com beat’em up.
O mais digno de nota é quão bem ele se dá em ambas as categorias. Pense num excelente plataforma 2D. Pensou em Super Mario? Donkey Kong Country? Talvez Super Meat Boy? Guacamelee! 2 é tão bom quanto qualquer um deles. Talvez seja até melhor.
O mesmo pode ser dito do combate. Curte um Streets of Rage? Um Final Fight? Quem sabe um Shaq fu, para falar um mais recente? As lutas aqui são tão elaboradas, divertidas e variadas quanto qualquer beat’em up que você consiga pensar. E mais, elas são bem únicas, com uma interessante combinação de socos, grapples e golpes especiais.
Como em todo metroidvania, no começo você só ataca e pula, mas não demora para você adquirir uma miríade de novos golpes e movimentos que tornam tanto os desafios de plataforma quanto os de combate muito mais elaborados.
Se o combate é cheio de ideias próprias, a coisa do lado plataforma é mais tradicional. Suas habilidades são, em sua maioria, as básicas, como pulo duplo e wall jump. Tem muitos upgrades novos em relação ao original, mas nenhum deles é tão game changer quanto o poder de “voar como um bode” do primeiro (que também está disponível aqui).
No primeiro, ao adquirir este upgrade, ele muda completamente sua forma de se locomover pelas fases. Aqui, como eu já o conhecia, estava simplesmente esperando chegar a hora de adquiri-lo.
A coisa mais característica, ainda que não seja única deste jogo, é a possibilidade de alternar entre dois mundos, neste caso, o mundo dos vivos e dos mortos.
Além da diferença visual e sonora (o arranjo das músicas muda conforme o mundo), isso muda as armadilhas, pontos seguros e NPCs disponíveis nas fases. Você pode, por exemplo, precisar mudar de mundo no meio de um pulo para solidificar uma plataforma que, de outra forma, estaria intangível.
No início da aventura, esta mudança é feita automaticamente, através de portais distribuídos pelo cenário, mas é claro que logo popa um upgrade que permite mudar de mundo simplesmente apertando o R2. Ver as diferenças entre os mundos é um prazer e uma fonte inesgotável de risadas. E lembre-se, estamos falando de um jogo que se passa na cultura mexicana. Isso significa que muitas vezes o mundo dos mortos é mais colorido e bonitinho do que o dos vivos, além de ser habitado por simpáticos esqueletinhos amigáveis.
Então estabelecemos que Guacamelee! 2 é um plataforma/beat’em up que compete com os melhores destas categorias. Mas a cereja no bolo é quão bem ele realiza suas ambições de metroidvania.
METROIDVANIA
Backtracking faz parte da fórmula metroidvania. Você passa por uma passagem fechada e depois adquire uma habilidade capaz de abri-la e deve voltar até a área anterior para continuar a história ou pegar novos upgrades previamente inalcançáveis.
Um metroidvania menos habilidoso faz você voltar pelo mesmo caminho, tendo que passar de novo pelos mesmos desafios e inimigos. Um metroidvania mais metido a truezão aumenta consideravelmente a dificuldade nas novas áreas, exigindo que você volte a áreas anteriores para pegar upgrades e ter chance de continuar avançando.
Guacamelee! 2, por outro lado, não tem downtime. Aqui o negócio é diversão do início ao fim. Adquiriu uma nova habilidade e deve usá-la lá atrás? Pode ter certeza que, ao lado do upgrade, terá uma passagem que serve duplamente como um atalho para o seu objetivo e como um tutorial para sua nova skill.
Sim, há a possibilidade de revisitar áreas anteriores para pegar novos itens, mas isso nunca é essencial. Se você encontrou um desafio que faz parte da história, pode ter certeza que já tem as ferramentas necessárias para vencê-lo. Além disso, os upgrades são codificados com cores. Em geral as coisas que ficam para trás são salas de desafio com uma entrada colorida. Ou seja, além de conseguir ver pelo mapa se você já tem o necessário para entrar lá, você só consegue entrar se tiver a habilidade requerida para vencer a sala. Isso evita aquela frustração comum em metroidvanias, de você ficar tentando resolver algo sem ter as ferramentas para isso.
E não pense que faltam upgrades por aqui. Mesmo que você faça a história de forma linear, sem revisitar áreas anteriores, seu personagem está sempre evoluindo. Eu diria que não passam 15 minutos sem uma nova habilidade ou melhoria ser destravada.
Além do que você encontra pelo cenário, há também skill trees, que são liberadas com dinheiro (do jogo, nada de microtransações) e trazem melhorias passivas, como mais força para seus ataques.
EL POLLO MATADOR
Uma novidade que eu achei bacana – e bem engraçada – é que sua forma de galinha agora não é mais tão indefesa. Ela tem seus próprios ataques especiais e é capaz de dar os golpes mais potentes dos luchadores humanos. Já viu uma galinha dando um pilão? Pois é aqui que você vai ver.
Além de tudo, a brincadeira das linhas do tempo possibilita piadinhas com outros estilos de gameplay. Tem uma delas que é RPG, com combate em turnos e um monte de loot inútil que popa depois de cada batalha vencida.
Tem também vários chefes, e eles são bem do jeito que eu gosto. São batalhas épicas contra bichos enormes. É o tipo de coisa que arranca “uaus” sem trazer a frustração da repetição. Não espere travar nos chefes e ter que repetir a mesma batalha dúzias de vezes, como está na moda hoje em dia. Guacamelee! 2 quer você sempre avançando e seus chefões não são uma barreira para o progresso, mas simplesmente uma variação bem-vinda de gameplay.
Aqueles que querem mais desafio podem ir atrás das cinco partes de uma chave que libera o final bom (Não se preocupe, o final tradicional é satisfatório e conclui bem a história). Um dos pedaços faz parte da campanha, mas os outros quatro devem ser caçados pelo jogador, e todos estão atrás de um desafio mais hardcore. Há, por exemplo, a linha do tempo “Git Gud”, com desafios de plataforma bastante complexos.
Eu terminei o jogo no final normal e voltei para caçar as chaves. Consegui juntar quatro delas, mas até o fechamento desta resenha, não encontrei a última. Tem apenas duas áreas nas quais eu não fiz 100%, mas não consigo identificar onde falta explorá-las pelo mapa, então provavelmente vou precisar esperar poparem guias para platinar Guacamelee! 2. Mas eu VOU platiná-lo!
GUACAMELEE 2
Vivemos em uma época em que os game designers andam preguiçosos, apelando para mapas procedurais e mundos abertos. Guacamelee! 2 vem para mostrar o valor de uma experiência feita por mãos habilidosas. Embora seja representante de um gênero em voga atualmente, este é um jogo construído com um cuidado e um capricho que o separa de todos os outros.
Em um mundo justo, Guacamelee! 2 seria o metroidvania com o qual todos os outros metroidvanias seriam comparados. E, juntando os dois Guacamelee! e o também excelente Severed, não dá para negar que a Drinkbox é, ao lado da Naughty Dog, uma das melhores desenvolvedoras de games da atualidade.
