Sabe quando você espera que um jogo seja legal, mas mesmo assim se surpreende com quão bom ele é? Pois é, esta é nossa análise A Plague Tale: Innocence.

ANÁLISE A PLAGUE TALE: INNOCENCE

Em tempos em que até God of WarUncharted flertam com mundo abertoA Plague Tale: Innocence é o tipo de jogo que simplesmente não se faz mais em 2019. Trata-se de uma aventura linear single player focada totalmente na história. Exatamente aquilo que a EA odeia e jurou de pés juntos nunca mais fazer. E, particularmente, é exatamente o que eu considero o filézão da indústria, o que de melhor esta forma de arte que tanto amamos consegue produzir.

Análise A Plague Tale, A Plague Tale: Innocence, Asobo Studio, Focus Home Interactive
Na imagem: o filezão da indústria.

Digo mais, A Plague Tale: Innocence tem mais jeitão de Naughty Dog do que os últimos jogos da própria Naughty Dog. Claro, o escopo e o orçamento são incomparáveis, mas este é exatamente o tipo de jogo que as editoras de games dizem que não é mais sustentável em 2019. Sugestão? Vamos tornar este aqui um best-seller para mostrar aos engravatados que jogos assim têm espaço para existir. E veja só, custando 45 dólares, ele nem está sendo vendido no lançamento a preço cheio.

NINGUÉM ESPERA A INQUISIÇÃO

Em A Plague Tale: Innocence somos apresentados aos irmãos Hugo e Amicia, ambos da nobreza europeia. O moleque tem uma doença rara e nunca sai do quarto. Por este motivo, sua irmã, Amicia, controlada pelo jogador, mal o conhece. Quando a inquisição invade seu castelo em busca de Hugo, mata seus pais e todos os seus servos, cabe à moçoila escapar com o raparigo e cuidar dele. E, se pá, descobrir o que diabos querem com o hermanito.

A inquisição não será o único problema nesta jornada. A cidade está sendo invadida por milhares de ratos que estão deixando as pessoas doentes e comendo uma galera. Não é a peste negra propriamente dita, mas claramente é inspirada por ela.

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Absolutamente toda a experiência é pautada pela história. Não se trata de uma história interativa estilo Telltale, mas algo mais próximo de Uncharted mesmo. Você raramente está sozinho, e Amicia e seus companheiros conversam o tempo todo, fazendo comentários sobre o que está acontecendo na trama geral ou mesmo em suas imediações.

Cada cena, cada tela e cada combate tem um contexto e tudo foi incansavelmente roteirizado e atuado. Sem exagero, a coisa é tão complexa narrativamente e funciona tão bem que daria para pensar que A Plague Tale é um grande exclusivo, com orçamento de AAA. Mas não é, foi feito por um estúdio bem menor, mas que conseguiu realizar plenamente as suas ambições fazendo uma experiência gamer do tipo criativamente mais difícil.

ESTILINGUE

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Amicia e Hugo vão passar por poucas e boas.

gameplay não é o de um jogo de ação, no entanto, mas de stealth. Amicia não tem uma barra de vida. Se alguém chegar nela, ela morre. Então é necessário jogar furtivamente, escolhendo bem os seus alvos. Sua única arma é um estilingue, e no começo é possível apenas atordoar os inimigos. Não demora para rolar um upgrade que mata com headshots soldados sem capacete, mas ainda assim a arma é lenta e metódica. Não dá para simplesmente abaixar as calças e dar uma de Rambo.

Ao longo da campanha, no entanto, haverá upgrades consideráveis em como você vai poder usar o estilingue, em uma progressão digna de um metroidvania. A ação de Plague Tale sempre vai ser metódica, mas se no início seus esforços se concentrarão em passar sem ser visto, depois você vai separar os soldados para matá-los um a um.

MICKEY MOUSE

Claro, além dos soldados, que funcionam como um jogo de stealth mais tradicional, há os ratos. Estes encontros são totalmente diferentes. Os ratos forram os chãos da cidade e você precisa usar fontes de luz de formas espertinhas para abrir caminho. Nestas cenas, a coisa pende mais para quebra-cabeças, mas a qualidade continua alta.

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Sai pra lá, rato bobo!

Seus upgrades também vão aumentar muito suas opções. Nas primeiras horas, estes puzzles são limitados a acender e apagar tochas, mas após alguns upgrades, será possível eliminar os ratos ou enviá-los na direção que desejar, inclusive incentivando-os a atacar guardas.

Fosse apenas um jogo de stealth e quebra-cabeças linear, ele já seria bom, mas o fato de tudo ter um contexto e a história estar sempre avançando o torna uma obra realmente especial, do tipo que eu não via há, literalmente, anos.

VALORES DE PRODUÇÃO

O mais incrível é pensar como a Asobo Studio (cujo jogo mais relevante é Fuel, de 2009) conseguiu criar uma obra que mescla narrativa com gameplay tão bem, e ainda assim ter criado um jogo lindíssimo.

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Lindíssimo.

É verdade que tecnicamente, especialmente se olhar os personagens de perto, é perceptível que a Asobo não teve o orçamento de uma Naughty Dog. Porém, criativamente eles ligaram a coisa toda no 11, se aproveitando de tons quentes de outono e algo que eu chamaria de “pôr-do-sol eterno”, ainda que boa parte das últimas fases se passem à noite.

O contraste de claro e escuro é muito bem feito, e é importantíssimo para o gameplay quando os ratos estão na jogada. Ainda neste aspecto, A Plague Tale: Innocence faz um excelente uso de HDR, algo raríssimo em jogos deste tamanho (nem a superprodução Kingdom Hearts III tem suporte para HDR).

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O contraste entre claro e escuro é um show à parte.

A música é igualmente um deleite. Tal como a trilha sonora de um filme, não é exatamente algo que você vai querer ouvir fora do jogo, mas seus cellos dissonantes e violões criam um clima enervante em momentos tensos, e belo quando a história está mais calma.

TECNICAMENTE

O audiovisual é excelente, mas tecnicamente ele não é exatamente redondo. Embora não tenha havido bugs graves na minha campanha, o jogo parece ter bastante dificuldade em alcançar os 30 fps no PS4 Pro. Normalmente isso é algo que eu nem percebo muito, mas neste caso ficou perceptível a ponto de ser incômodo.

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Uma cena de stealth relativamente aberta.

E considerando quão bonito é o jogo, algumas peculiaridades visuais chamam a atenção. Por exemplo, tem uma fase em que Amicia vai carregar um livro em uma mochila improvisada, e quando ela corre, seu braço atravessa o livro. É o tipo de coisa que não costuma acontecer em jogos tão belos, mas isso acaba demonstrando como a Asobo fez milagre com o que dispunha.

INOCÊNCIA

A Plague Tale: Innocence é o tipo de jogo que eu não quero que acabe, mas devo dizer que, considerando que se trata de uma aventura linear, ele é relativamente longo. Não chega ao tamanho de Uncharted 4, mas é consideravelmente mais longo do que o terceiro, por exemplo.

A última fase também apresenta alguns problemas de timing que demonstram que era hora de acabar por ali, mas é uma campanha bem carnuda e satisfatória.

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O mundo dos games de 2019 é recheado de duas coisas. Ou querem ser jogados para sempre e vender um monte de microtransações, ou querem se vingar do jogador por este ter gastado seu dinheiro na obra.

A Plague Tale: Innocence é um dos raros casos de uma obra completa (e ainda assim com espaço para continuações), com começo, meio e fim, e que entende que quem compra games está atrás de lazer, e não de frustração. Se você também está insatisfeito com o rumo tomado pela indústria nos últimos anos, e sente falta de jogos como este, demonstre seu apreço pelo gênero investindo seu rico dinheirinho neste excelente game.

REVER GERAL
Nota:
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
analise-a-plague-tale-innocence-reviewDisponível: PS4, Xbox One e Windows<br> Analisada: PS4<br> Desenvolvedora: Asobo Studio<br> Editora: Focus Home Interactive<br> Lançamento: 14 de maio de 2019<br> Gênero: Naughty Dog medieval<br> Legendado em português.