A Telltale pode ter nos deixado cedo demais, mas fico feliz em ver que outras empresas estão criando obras que celebram seu legado da mesma forma que a própria Telltale fez com a Lucasarts. 11-11: Memories Retold é um destes casos. Um adventure moderno, uma belíssima história interativa, com altos valores de produção, nomes famosos no elenco e um audiovisual impecável.
MUDANDO DE ASSUNTO
Em 1995, uma das minhas bandas preferidas, o Savatage, lançou o belo álbum conceitual Dead Winter Dead. O disco conta uma história de guerra, do ponto de vista de vários personagens diferentes. Sua faixa final, Not What You See é uma belíssima balada (e o que são estes solos de guitarra, meu camarada!?) que sempre me chamou a atenção pela sua letra.
Nela, duas pessoas de lados opostos da guerra se encontram. Elas deveriam ser inimigas, mas por quê? Será possível que haja indivíduos por trás, além do uniforme? Algo além do que se pode ver?
Durante todo o tempo que eu passei com 11-11: Memories Retold, eu me lembrava desta música do Savatage. Os conflitos são outros. Dead Winter Dead fala da polarização do início dos anos 1990, enquanto Memories Retold trata da Primeira Guerra Mundial. Porém, a história, a mensagem, é basicamente a mesma em ambas as obras.
Guerra é uma coisa idiota. Os governos se declaram inimigos e os cidadãos devem acreditar nisso e arriscar suas vidas em nome de seus líderes. Ora, vá ouvir pagode!
11-11: MEMORIES RETOLD
Aqui acompanhamos as histórias vividas por dois indivíduos. De um lado, Harry (Elijah Wood), um canadense que se alista para ir à guerra para impressionar uma moça que curte um rapaz de uniforme (!?).
Do outro, Kurt (Sebastian Koch), um alemão cujo filho foi para a guerra e desapareceu. Diante da incapacidade de seu governo de dizer o que aconteceu com o pimpolho, ele resolve se alistar para ir em busca do moleque por conta própria, mesmo sem dar a mínima para as questões por trás da guerra.
Nenhum deles é um lutador. Harry vai para o conflito como um fotógrafo de guerra. Kurt é um engenheiro que gosta de escrever, e sua missão é basicamente consertar máquinas. Isso é exatamente o que torna 11-11: Memories Retold tão especial.
Veja, temos um monte de histórias de guerra protagonizadas por soldados – em especial nos videogames. Personagens de alguma forma envolvidos no conflito, mas não diretamente no mata-mata da coisa, é algo bem especial. A única outra história nessa linha que eu me lembro é Valiant Hearts, curiosamente também nos videogames.
INIMIGOS POR QUÊ?
Ao longo da surpreendentemente longa história de Memories Retold, nossos dois amigos vão se encontrar algumas vezes. Porém, eles nunca têm um motivo real para sair na porrada, e acabam, assim como na música do Savatage, desenvolvendo uma inusitada amizade.
O jogo nunca entra nas motivações políticas da guerra. Cada um dos heróis tem suas motivações, e é claro que o tom acaba ficando bem diferente entre eles. Em determinado momento, Kurt está procurando pelo possível túmulo de seu filho em um cemitério de soldados, enquanto Harry está correndo atrás de um pombo em um cabaré parisiense.
E veja, isso não é uma crítica. Por mais que, de fato, a motivação de Harry seja imbecil (quem vai à guerra porque curte uma mina que tem tara por caras de uniforme?), ter um lado mais lúdico é essencial em uma história que de outra forma seria altamente depressiva.
Embora nenhum dos dois seja um soldado, é claro que eles acabam passando por conflitos, alguns deles famosos, como Passchendaele (que virou até música do Iron Maiden). Seu objetivo, no entanto, nunca é matar. Você pode até sabotar os esforços do seu lado em nome de diminuir a matança sem sentido de pessoas do outro lado.
HISTÓRIA INTERATIVA
Embora seja uma história interativa, o foco não é em decisões. Até há algumas, mas tirando o final, não parecem ter um impacto considerável na narrativa. Basicamente, 11-11: Memories Retold quer te contar uma – e apenas uma – excelente história. E faz isso com um audiovisual totalmente único.
Especialmente os gráficos merecem destaque. 11-11: Memories Retold é basicamente uma pintura impressionista em movimento. Seu estilo borrado e pouco definido vai completamente contra a tendência Ultra HD dos games atuais, mas até por causa disso se torna ainda mais especial do que um simples jogo bonito.
A música já é mais tradicional. Trata-se de uma trilha sonora orquestrada composta e gravada especialmente para o jogo. E ela vem repleta de melodias belíssimas, que fazem um excelente trabalho em aumentar a emoção que a história causa.
Seu gameplay é limitado a explorar e interagir com personagens e objetos. Não precisa de mais do que isso, afinal, sua intenção é contar uma história. Porém, ele acaba usando os controles de games tradicionais, nos quais é necessário ajustar a câmera manualmente com a alavanca direita. Nada complicado para quem joga videogames com frequência, mas tenha em mente que isso pode complicar caso você queira dividir 11-11: Memories Retold com alguém que costuma jogar apenas histórias interativas como as da Telltale.
ARMISTÍCIO
Há alguns pequenos problemas técnicos, como personagens que ficam presos no cenário, ou interações que exigem uma precisão absurda. Felizmente, não é nada que diminua o seu valor como uma das histórias interativas mais marcantes do ano. Se você curte o gênero, e está no clima de uma história de guerra sem violência, não deixe de jogar 11-11: Memories Retold.
CURIOSIDADES:
Caso você não entenda o nome do jogo, a Primeira Guerra Mundial foi encerrada no dia 11 de novembro de 1918. 11-11, sacou? Outra coisa bacana de se perceber é que o jogo foi lançado em nove de novembro de 2018, quase 100 anos depois do armistício que encerrou a guerra. Acredito que ele só não foi lançado no dia 11 porque domingo não é um dia muito vivo para lançamentos.