Conseguir o primeiro emprego é sempre uma enorme dificuldade. Ainda mais em tempos onde todo mundo exige pelo menos um ano de experiência. Ora, mas será que esse povo não pensa que se não mudarem logo essa regra, em breve não poderão empregar mais ninguém? Eu mesmo fiquei um longo tempo de bobeira em casa até conseguir um altamente desejado trampo aqui no DELFOS. Graças à generosidade do bom e justo chefe Corrales (sou obrigado por contrato a dizer isso), agora eu não fico mais em casa assistindo TV oito horas por dia!
Se você fizer parte de uma minoria então, a dificuldade em entrar no mercado é dobrada. Na França, o problema é ainda mais grave, pois somado a todos esses fatores, eles ainda enfrentam um enorme problema de discriminação aberta contra imigrantes e seus descendentes, o que gerou recentemente revoltas por todo o país perpetradas por estas minorias, cansadas do preconceito e das dificuldades em conseguirem trabalho decente.
E este é justamente o tema de Amigo é pra Essas Coisas. E embora a questão seja séria, o filme é uma comédia. Com toques dramáticos, é verdade, mas ainda assim uma comédia.
Victor Zimbietrovski, mais conhecido como Zim, é um guitarrista de descendência polonesa. Zim, quando não está tocando pela noite, sobrevive fazendo outros bicos. Um dia, se envolve num acidente de trânsito e entra numa fria. Por já ter ficha na polícia, pode acabar na cadeia por uma bobagem. Aconselhado pelo juiz a arrumar um emprego “com contracheque” (leia-se: com carteira de trabalho assinada) até a data da audiência, para ter mais chances de escapar da cana, lá vai ele atrás de seu primeiro trampo.
No entanto, o único trabalho que consegue exige que ele tenha carro. Zim, é claro, mente, e agora tem dez dias para arrumar um veículo e tirar sua habilitação. Para isso, contará com a ajuda de seus amigos: o marroquino Cheb, o africano Arthur e a árabe Safia.
Seus chapas, todos eles imigrantes, não estão em situação melhor. Cheb inventa aparatos (um dispositivo para encontrar telefones celulares e um hilário removedor de portas) que nunca são levados a sério, Arthur é aprendiz de funileiro e sofre com o racismo aberto de seu chefe e Safia é garçonete e recebe menos de um salário mínimo.
Mesmo assim, eles fazem de tudo para o amigo descolar suas preciosas rodas (“isto é, um carro”, como ele repete o filme todo), mas a sorte realmente parece não estar do lado deles. E alguns infortúnios podem levar Zim a tomar decisões que irão encrencá-lo ainda mais.
A narrativa é bem leve e dinâmica, tornando o filme bem agradável, ainda que não seja uma obra memorável. Os personagens são muito bem construídos e fica fácil criar simpatia por eles. E por que não, até identificação com muitas de suas atitudes (Zim chegando bravo em casa inúmeras vezes após tentativas frustradas de conseguir o concorrido trabalho) embora a situação deles seja um pouco diferente da nossa, humildes brasileiros. Méritos também das excelentes atuações do quarteto central.
As críticas ao preconceito estão lá, de forma bem-humorada, mas ainda assim expostas para todo mundo ver. Zim é o menos afetado. As pessoas encanam com seu sobrenome, mas por ser branco, escapa das constantes abordagens policiais (toda vez que Cheb está de bobeira em algum local público, os meganhas lhe pedem seus documentos) sofridas pelos seus amigos. Essa situação irá culminar com uma igualmente bem-humorada revolta de Cheb e Arthur no final do filme.
Amigo é pra Essas Coisas é um filme divertido e despretensioso. Além disso, tem conteúdo, algo não muito freqüente no cinemão de entretenimento, o que o torna mais que recomendável a todos os apreciadores de uma boa sessão de cinema. E, com certeza, aqueles que ainda não conseguiram o almejado primeiro emprego, vão se divertir ainda mais.
