Às vezes, surge um game com um potencial criativo imenso, uma ideia que talvez não seja nova, mas é fresca o suficiente para nos aliviar da mesmice de um mercado saturado como o de games, mas por um motivo ou outro, acaba não alcançando todo o seu potencial. Este, infelizmente é o caso de AereA.

AereA é um Action RPG cooperativo (similar a Diablo) que tem como temática a música erudita. O game por enquanto é exclusivo do PC, com versões para Xbox One e PS4 a caminho.

Na trama, você é incumbido com a missão de recuperar os nove instrumentos primordiais, que são o que mantêm em equilíbrio a magia musical que sustenta o mundo de AereA. Para isto você poderá escolher entre quatro diferentes estudantes de música clássica: Jacques the Cello-Knight, que usa um violoncelo como escudo e o serrote como espada. Ele é a única unidade melee do game e também serve como tank. Os outros três são Wolff the Harp-Archer, que obviamente usa uma harpa como arco, Jules the Lute-Mage, que usa um alaúde como cajado e Claude the Trumpet-Gunner, que usa um par de trompetes como pistolas.

Jules provavelmente deixa seus inimigos loucos ao querer descobrir o que é um alaúde.

Uma coisa que eu achei bem legal é que você não vai ficar preso a um único personagem pelo resto do jogo, pois sempre que entra na tela inicial, pode escolher com qual personagem quer jogar. Os níveis, porém não são compartilhados, então você vai acabar priorizando um. Para esta resenha, eu escolhi Claude, mas também passei um bom tempo com Jacques e Wolff.

O game tem uma jogabilidade simples e de fácil aprendizado: cada personagem possui dois ataques básicos, ativados com os botões do mouse ou o A e B do controle do Xbox. A cada cinco níveis até o nível 30, você libera um feitiço que pode ser tanto um ataque poderoso como um buff para o time, que pode ser ativado pressionando a rodinha do mouse ou o X do controle. Cada personagem possui um inventário de quatro itens, que podem ser usados com as teclas numéricas ou o Y. E bem, é basicamente isso.

Os gráficos não são nada de cair o queixo, como em um Assassin’s Creed da vida, mas são todos muito bem feitinhos. Os protagonistas têm um visual bastante carismático e apesar de serem mudos e sem personalidade, isso é compensado pelos coadjuvantes, que conseguem cativar mesmo com uma trama básica. E a trilha sonora obviamente é sensacional e não enjoa em momento algum.

Aezir’s Concert Hall é o seu quartel general e é bem agradável aos olhos.

Infelizmente, todos estes caprichos na construção do game não conseguem compensar alguns problemas práticos de gameplay, e é aqui que infelizmente vamos entrar no réquiem.

ATO I: ERROS IMPENSADOS, EM MI MENOR

Apesar de seu visual caprichado, AereA é aquele tipo de jogo cheio de erros pequeninos que vão somando até se tornar um incômodo.

O primeiro deles é que o game não possui um sistema de matchmaking, ou seja, para jogar em modo cooperativo, só com todos os seus amigos reunidos no mesmo local. Eu até entendo que assim realmente seja mais divertido, mas quando se é adulto, é muito difícil reunir todo mundo pra jogar. E sinceramente acho que não tem muita desculpa para um game cooperativo não ter esta função em pleno 2017.

Para um game com temática musical, acho que AereA também falha em trazer a sensação da música ao jogador. As dungeons funcionam da seguinte forma: você vai andando até encontrar uma (ou várias) porta fechada. Para abrir estas portas, você precisa matar todos os (poucos) inimigos da área, ativar uma alavanca em forma de metrônomo ou empurrar uma caixa até um ponto específico no chão. E é isso o jogo todo.

Eu mesmo consigo imaginar várias opções diferentes para dar uma variada nisso. Por exemplo, poderíamos ter que realizar alguma sequência musical apertando botões ou decorando sons em uma ordem específica para abrir algumas portas. Não precisaria ser complexo como um Guitar Hero da vida, coisa de cinco ou seis botões seria o suficiente para dar um ar musical ao game. E é uma coisa que nós já vimos em tantos jogos que nem são relacionados à música que fica difícil imaginar como eles não tiveram esta ideia antes.

Falando em dungeons, todas elas são muito bem desenhadas esteticamente falando, mas falta uma certa riqueza em detalhes, o que deixa tudo muito parecido e fácil de se perder, o que não deveria acontecer em um jogo simples como este. Até há um minimapa no canto superior direito da tela, mas ele não ajuda em nada. E também não há checkpoints, portanto se morrer, vai precisar atravessar a área inteira de novo, reabrindo portas e tal. Quando jogando em grupo, até que fica mais fácil, já que os outros podem reviver um membro caído, mas no single player não tem jeito.

O sistema de itens também foi muito mal pensado: cada personagem pode carregar até quatro itens, que são adquiridos aleatoriamente estourando caixas espalhadas pelos cenários. O problema é que não dá para saber o que esses itens fazem, pois o game não dá descrição alguma deles. Até tem, mas para que o item esteja disponível lá, é necessário achar o livro com a receita dele, que está escondido em alguma dungeon, o que não é muito útil.

E o pior de tudo é que a loja só é acessível do seu quartel general e não é possível consultá-la em meio às missões, então isso significa que ao longo do game você vai encontrar um monte de itens que não vai ter a mínima ideia para que servem.  E acho que você também sacou que este problema seria resolvido com a criação de um simples inventário mais elaborado no menu de pause.

A única forma de entender o que cada item faz.

Porém, o grande problema de AereA não é só este. Agora, chegamos à parte mais triste de nossa ópera.

ATO II: BUGS, GLITCHES E FRUSTRAÇÕES, EM FÁ SUSTENIDO

Jogar um game antes do lançamento é sempre um tiro no escuro, pois as chances de encontrar um bug são altas. Mas isso nunca me atrapalhou tanto como em AereA.

O primeiro glitch do game com o qual eu topei foi durante uma sidequest, ainda no começo do jogo. As sidequests de AereA são bem simplesinhas e geralmente te recompensam com itens. Esta, porém, iria me recompensar com um dos livros para liberar um item na loja. Só que quando eu a finalizei, ao invés de ganhar o livro, um dos slots do inventário do meu cavaleiro ficou com um quadrado branco estranho. Por mais que eu tentasse “usar” este quadrado ele não saia de jeito nenhum, e isso deixou meu personagem limitado a apenas três itens por todo o resto do game. Mas este era um problema minúsculo se comparado ao que viria depois.

AereA tem nove chefes, um para cada instrumento primordial. Os quatro primeiros eu consegui enfrentar tranquilamente, com facilidade até. Aliás, todos os inimigos do game são bem fáceis. Mas quando fui enfrentar o quinto, a coisa mudou de figura. Nesta batalha, percebi que meu pistoleiro causava apenas um ponto de dano nele, que tinha mais de 1800 pontos de HP!

“Sem problemas”, pensei eu. “É só retornar às outras dungeons e evoluir mais, como em todo bom RPG. Talvez eu tente com o cavaleiro, já que ele é mais resistente”. E foi o que eu fiz, mesmo sendo a masmorra deste chefe uma das mais longas e entediantes do jogo inteiro. Mas não adiantou nada, porque quando o enfrentei novamente, eu ainda continuava arrancando apenas um ponto de dano.

Diversão pra quem?

“Bem, este é um jogo cooperativo, no fim das contas”, pensei novamente comigo mesmo. “Provavelmente este chefe requer mais do que um único jogador”. Então convidei meu grande amigo Guilherme “Rosa” Biagioni para me ajudar nesta empreitada. O problema é que o Rosa estava em uma semana um tanto atarefada e começaram a surgir imprevistos, nos obrigando a remarcar algumas vezes. Nessas remarcadas, passei um bom tempo upando o pistoleiro e o cavaleiro, conseguindo feitiços melhores e até tentei enfrentar o bendito chefe de novo, mas sem sucesso.

Mas finalmente chegou o grande dia e o Rosa conseguiu espaço na sua agenda para vir aqui me dar uma mão, acabando com o meu tormento, certo? Ledo engano, delfonauta. Tivemos que fazer esta árdua jornada nada menos do que três vezes seguidas!

Em nossa primeira batalha contra este chefe, descobrimos que ainda só conseguíamos tirar apenas 1 ponto de vida do dito cujo. Descobrimos também que o feitiço de buff do pistoleiro, que faz todos os ataques dele serem críticos, arrancava cerca de 256 pontos da vida do chefe, e bolamos uma estratégia para tentar combatê-lo. Só que, enquanto escapávamos do meliante, nossos personagens caíram “dentro” do cenário e ficamos correndo em uma tela escura sem parar. Tivemos que resetar.

Você lembra quando eu disse lá em cima que as dungeons não possuem checkpoints e que esta é uma das fases mais longas e tediosas, né? Então, a cada vez que precisávamos resetar, tínhamos que jogar a fase toda de novo, como se fosse pela primeira vez.

Provavelmente a tela que eu mais vi o jogo todo.

Chegamos de novo no bicho e desta vez até estávamos indo bem. Mas eis que o desgramado deu um salto e um belíssimo dano em área de mais de 800 pontos, matando o personagem do Guilherme na hora. Eu fui tentar ressuscitá-lo, mas aí o chefe parou bem em cima dele e começou a atacar empurrando o cadáver do meu amigo para uma área fora do cenário, fazendo ele fugir do meu alcance e logo da possibilidade de ressureição. Foi só questão de tempo até eu vir a falecer também. E lá vamos nós de novo.

Finalmente, durante nossa terceira tentativa conseguimos matar o desgraçado, mas com muito sufoco! Vitória, finalmente! Depois disso, eu e meu grande amigo ruivo fomos para a nova dungeon que abriu. Não deu nem cinco minutos e caímos do cenário em uma tela preta novamente. Foi aí que decidimos que era hora de parar de jogar por aquele dia.

Depois deste fatídico episódio, o resto do jogo até que foi bem até o final. Só aconteceu mais uma vez de eu ser jogado para fora do cenário, no chefe seguinte, mas pelo menos eu conseguia machucar ele de forma normal, assim como os demais. Engraçado que a maioria destes problemas rolaram enquanto eu jogava no modo cooperativo, então não consigo deixar de pensar que o problema estava em usar mais de um jogador.

O problema maior foram as três últimas dungeons, que achei um tanto ambiciosas demais e por isso muito mais fáceis de se perder. Devo ter tido que começar pelo menos mais duas vezes cada uma delas. Pelo lado positivo, o último chefe até que foi divertido e até um pouco desafiador, e o olha que eu já tinha passado do lvl. 50.

Desde que terminei o jogo, AereA já recebeu dois patches e eu realmente espero que eles tenham corrigido estas falhas neles.

FINALE, EM LÁ MAIOR

Apesar de tudo isso, eu acho que acabei me afeiçoando a AereA. É um game que me prendeu por algumas horas e sempre que eu retorno a ele é difícil não me sentir acolhido, então eu fico um pouco triste em dar uma nota tão baixa, mas infelizmente é a que melhor representa minha experiência.

Recomendo? Olha, se você tiver uma ou várias crianças por perto, pode até ser um bom passatempo jogar com elas. Mas se este não for o caso, existem games melhores para jogar com os amigos em modo cooperativo (e online).