Repousa numa estante da loja um livro de trezentas e tantas páginas, que você pega e repara no título, A Visita Cruel do Tempo, e depois fica sabendo da proposta de justapor Família Soprano, a série de TV, com Em Busca do Tempo Perdido, do escritor francês Marcel Proust.
A autora é uma mulher de meia-idade com um sorriso estampado porque ganhou o Prêmio Pulitzer de Melhor Ficção, conforme você vê na orelha do livro. Talvez o sorriso seja anterior ao prêmio, talvez a felicidade seja porque ela enfim conseguiu publicar um livro.
A sorridente Jennifer Egan deve ter chocado o público da autoproclamada alta cultura, com a mistura inusitada de propostas artísticas, de Proust com Família Soprano. Aqui no baixo Olimpo já se sabe da potência de mesclar gêneros e estilos de origens díspares: Quentin Tarantino (aquele do kung fu com John Ford), The Verve e Trans-Siberian Orchestra (rock e heavy metal com música clássica), entre outros.
Há personagens muito bem construídos, alguns que talvez requisessem mais exposição, outros que, ao serem poupados de muito holofote, ganham força. A ideia de um capítulo como slides de PowerPoint e outro narrado em segunda pessoa (“Enquanto você se debate, sabendo que não deve entrar em pânico”) dão ares refrescantes à leitura. Mas ainda falta alguma coisa.
O livro narra os efeitos e defeitos causados pelo tempo ao longo de quarenta anos do fim dos anos setenta até algum ano da década de 2020. A narrativa de múltiplos pontos de vista não abre portas à visita cruel do saco cheio. Porém, ainda permanece a sensação de incompletude.
Minha hipótese é a de que, tentando misturar duas propostas tão distantes, Jennifer Egan acabou sem um nem outro. É parecido com o problema dos média-metragens: você deve ter visto ou ouvido falar sobre curtas, deve conhecer algum curta-metragem que fez sucesso, talvez até tenha realizado um. Longa-metragens também são corriqueiros, praticamente o maior mercado cinematográfico. Médias são escassos. Talvez porque, ao invés de juntarem qualidades de ambos os extremos, acabam se afogando nos defeitos. É mais ou menos o problema de A Visita Cruel do Tempo.
O livro dá uma sensação de prazer, foge ao típico, experimenta com a linguagem, porém, depois de terminado, percebe-se que mal saiu do lugar. Muitas qualidades técnicas, apreciação satisfatória, difícil manter na memória, desperta a curiosidade e nada mais – um belo livro-nada.