Após um longo e tenebroso inverno cheio de animações com captura de performance, o diretor Robert Zemeckis voltou a fazer filmes em live action. Primeiro com O Voo, que, se estava bem longe de seus melhores momentos, ao menos serviu para espanar as teias de aranha.
E este A Travessia mostra que ele não esqueceu como se faz filmes com gente de verdade na tela e relembra a todos porque ele foi um dos grandes cineastas do cinema de entretenimento dos anos 80 e 90, um de nossos favoritos, sem dúvida. O cara fez só a trilogia De Volta para o Futuro, isso sem citar muitos outros de seus grandes trabalhos.
O filme conta a história real (de forma ficcionalizada, é claro) do equilibrista francês Philippe Petit, que em 1974 estendeu uma corda bamba entre as torres gêmeas do World Trade Center, lá no topo dos dois prédios, e caminhou de uma a outra, superando o grande esforço físico de carregar o gigantesco peso de suas bolas de adamantium no processo.
Para ser bem sincero, quando li a sinopse do filme, achei que ele não renderia um longa-metragem. Afinal, pelo parágrafo acima você vai imediatamente querer ver o cara fazer a travessia e já pode imaginar que isso só vai acontecer no clímax do terceiro ato. Daí, todo o resto seria uma grande encheção de linguiça até esse momento, correto? Errado.
Obviamente, ir de um prédio a outro num cabo esticado entre eles é uma atividade ilegal, o que deu ao ato retratado aqui a alcunha de “o crime artístico do século”. Logo, tirando a obrigatória e divertida parte da apresentação do personagem, que mostra seu passado como artista de rua em Paris até ele descobrir a construção das torres e ficar obcecado pela ideia de atravessá-las na corda bamba, temos um ótimo segundo ato todo tratado como um filme de roubo.
Só que, ao invés de levar algo, é preciso invadir o local. Philippe vai amealhando cúmplices para ajudá-lo em sua façanha e desenvolvendo e implementando um plano mirabolante para entrar nas torres, levar para lá todo o equipamento necessário para realizar o feito e armar tudo sem ser visto pelos operários que ainda finalizavam a construção dos prédios à época.
LE COUP
A direção de Robert Zemeckis é impecável, das escolhas de enquadramentos à montagem, da ótima trilha sonora à reconstituição da época, tudo é extremamente criativo, charmoso, visualmente atraente e obviamente pensado para ressaltar a sensação de altura vertiginosa.
A forma narrativa também é pensada para tirar o máximo de entretenimento do público, ao mesmo tempo em que deixa o próprio protagonista explicar suas motivações e sonhos. A sacada de usar o Philippe Petit de Joseph Gordon-Levitt não como um narrador, visto que não usa só a voz em over, mas mais como um apresentador de sua própria história, aparecendo em um cenário específico para contar os aspectos da trama, é bem bacana e dá um charme a mais no conjunto geral.
E claro, a cena da travessia em si é impecável e, claro, o grande momento da película. Consegue ser perfeita tecnicamente, angustiante, de destroçar os nervos e ao mesmo tempo poética e engraçada. E claro, ter visto isso em IMAX 3D potencializou ao máximo toda essa sequência. Um dos momentos mais bacanas do cinema-pipoca no ano.
Admito que estava achando o filme bem divertido, muito melhor do que eu havia imaginado que seria, mas até então era só mais um longa de assalto, ainda que muito acima da média e com uma narrativa visual bastante superior. Portanto, estava pensando em conceder quatro e meio para ele. Mas essa sequência da travessia é tão tremendona que angariou sozinha mais meio Alfredo. Se durasse ainda mais, acabaria levando o Selo.
Depois de perder alguns bons anos com aquelas animações que pareciam interessar só a ele, Robert Zemeckis finalmente voltou à velha forma, uma excelente notícia para quem gosta do bom cinema de entretenimento. A Travessia, nem preciso dizer, não é recomendado para quem sofre de vertigem ou de acrofobia (o popular medo de altura). Mas se você não se encaixa nesses casos, encontre a maior tela que puder e divirta-se.
CURIOSIDADE:
– Há um excelente documentário de 2008, chamado O Equilibrista (Man on Wire, no original), que reconta a travessia através de depoimentos dos envolvidos, imagens e fotos da época. É um ótimo complemento para quem gostar do longa de Robert Zemeckis.