Sabe quando você espera que um filme seja a grande porcaria do ano, mas ao assisti-lo, se depara com algo bem melhor? Isso aconteceu comigo quando fui assistir A Novela das 8. De verdade, delfonauta, só pelo título, você não esperava uma bomba? Pois então, não é bem assim: A Novela das 8 não é um desastre completo. É até um filme interessante.
Em 1978, durante a ditadura militar, Dora (Cláudia Ohana) é empregada da prostituta high profile Amanda (Vanessa Giácomo). Após um acontecimento que coloca as duas na mira da lei, elas vão fugir de São Paulo até o Rio de Janeiro e lá se envolver com diversos personagens, todos envolvidos com a resistência à ditadura. Enquanto Dora tem motivos mais específicos para querer ir ao Rio, Amanda quer viver uma grande aventura parecida com a da sua novela favorita, Dancin’ Days, e visitar a discoteca na qual são feitas as filmagens do programa.
Minha primeira impressão após ler a sinopse do filme foi péssima. Eu odeio telenovelas. Esse meu ódio é tão grande que quase me torna um ser irracional, mas vou tentar explicar o porquê de tanta repulsa neste parágrafo. Para mim, as novelas pegam todo tipo de assunto complexo ou tabu que a nossa sociedade não tem preparo nem vontade para discutir adequadamente, os infantiliza e dá respostas prontas a essas questões que precisam de mais atenção. Isso, claro, com atuações forçadíssimas e uma tonelada de clichês. Resumindo, acredito fielmente que as novelas contribuam ao emburrecimento brasileiro em geral.
A Novela das 8, no entanto, não é uma “novela cinematográfica” como o título dá a entender. Ela utiliza a novela Dancin’ Days, que realmente foi exibida pela TV Globo ao final da década de 70, para explicar uma mudança na sociedade brasileira daquela época. Basicamente, após vários anos de luta contra a ditadura, a sociedade brasileira chega a um momento em que ela quer mais é viver, ter novas experiências. A novela, segundo vários sites por aí, mostrou exatamente esse desejo (ou o ajudou a fabricar, dependendo de sua interpretação).
De um lado, temos alguns personagens mais sonhadores, que ainda querem lutar pela liberdade e pelos direitos civis, enquanto outros representam mais o desejo de viver que a novela mostrava. A Novela das 8 pode ser visto como um dos possíveis retratos da sociedade brasileira ao final dos anos 70. Embora isso seja interessante, é o tipo de coisa que um documentário faria com mais profundidade do que um filme, e às vezes senti falta disso nele.
Algumas falas são boas e eu consegui me identificar com elas. Em um momento, por exemplo, um padre fala para um dos personagens principais algo como: “Nós temos problemas, mas em que outro lugar você vai encontrar praia, sol, carnaval e futebol. E dizem que a religião é o ópio da humanidade.” Sim, A Novela das 8 tem momentos deste tipo! Outro em particular que é muito, muito legal, é quando o pai de um dos personagens morre. O filho, que não é a favor da ditadura, lê enquanto bebe whisky uma manchete no jornal que diz que o pai dele era o médico favorito dos militares.
Os problemas de A Novela das 8 são típicos do cinema nacional. Se o delfonauta pensou em atuações, acertou: elas são ruins demais. Alguns poucos atores até se saem bem com o tempo, como as protagonistas Cláudia Ohana e Vanessa Giácomo, mas isso deixa tudo mais estranho, porque coloca performances boas e ruins nas mesmas cenas.
Tecnicamente, o filme também deixa a dever em vários aspectos. Algumas cenas foram muito mal filmadas, em especial alguns planos próximos dos personagens. Fora isso, o longa começa bem fraco e leva um tempo para engrenar. Quando pega no tranco, é um drama razoável com vários momentos engraçados (a prostituta Amanda é um ótimo alívio cômico), mas falta um pouco mais de emoção e dinamismo na narrativa.
A Novela das 8 foi escrito, produzido e dirigido por Odilon Rocha, e provavelmente por isso, dá para sentir que o trabalho tem um olhar carinhoso para o final da década de 70. É extremamente difícil indicá-lo para qualquer nerd. Mas sua mãe vai gostar muito dele. Sua avó também. O filme é irregular, então só vale a pena assistir se você tiver muito interesse no assunto abordado.
Curiosidades:
– O Mathias (André Ramiro) de Tropa de Elite aparece aqui e está praticamente irreconhecível.
– Cláudia Ohana foi figurante na novela Dancin’ Days e teve interesse em ser atriz por causa dessa experiência.