Se você acompanha cultura pop e não passou as últimas semanas vivendo debaixo de uma pedra, com certeza deve ter acompanhado todo o bafafá a respeito do filme A Entrevista, que gerou um baita atrito entre os governos da Coreia do Norte e EUA, envolvendo o hackeamento da Sony Pictures, ameaças de um novo 11 de setembro e outros tantos absurdos.
Mas afinal, para que tudo isso? O filme justifica toda essa atenção e o ódio de uma das nações mais fechadas e misteriosas do mundo? E, claro, o mais importante, ele é engraçado? Palma, palma, não priemos cânico. Todos esses questionamentos serão respondidos ao longo do texto. Mas antes, convém um pouco de contexto, apresentando a sinopse do filme, para saber por que os norte-coreanos ficaram tão mordidos.
NO MEU PAÍS PRONUNCIA-SE STALLONE
A história é simples. James Franco é Dave Skylark, apresentador de um programa de entrevistas fúteis com celebridades. Seth Rogen é Aaron Rapaport, seu produtor. E embora o programa seja bem-sucedido, ambos passam a desejar poder fazer jornalismo sério, entrevistando figuras relevantes. A chance aparece quando eles descobrem que Kim Jong-un, o ditador da Coreia do Norte, é fã do programa de Skylark e aceita lhe conceder uma entrevista exclusiva cara a cara.
Pouco antes de partir para Pyongyang, a dupla é abordada pela CIA com um plano mirabolante para aproveitar a brecha e eliminar o líder supremo, antes que, por capricho, ele lance alguns mísseis nucleares por aí, só para ver o que acontece. O problema, fora dar uma missão de tal magnitude a dois civis trapalhões, é que Skylark logo faz amizade com Kim e pode acabar colocando tudo a perder.
A GRANDE TRETA
Para aqueles que não acompanharam a polêmica, convém dar um breve resumo de tudo que aconteceu aqui. Àqueles que acompanharam as notícias e só estão interessados na resenha em si, podem passar direto para o próximo tópico.
O que aconteceu foi que, aparentemente, o governo da Coreia do Norte não gostou nada da sinopse acima quando ficou sabendo da existência do longa-metragem e retaliou de maneira nunca antes vista em se tratando de um produto de entretenimento.
Tudo começou quando os servidores da Sony Pictures foram invadidos por um grupo de hackers. Os caras fizeram a farra, soltando na internet cinco filmes do estúdio (A saber: Corações de Ferro, Annie, To Write Love on Her Arms, Still Alice e Mr. Turner, os quatro últimos até então inéditos nos cinemas), e-mails e comunicações internas dos funcionários e um monte de informações sobre projetos em desenvolvimento, causando muitos constrangimentos.
Foi assim que ficamos sabendo que um produtor acha Angelina Jolie uma mimada maluca, um monte de funcionários da empresa não gosta dos filmes de Adam Sandler (um dos atores mais lucrativos da companhia) e Amy Pascal, vice-presidente da Sony Pictures, fez um monte de piadinhas racistas a respeito do presidente Barack Obama em uma troca de e-mails com outro executivo.
Também ficamos sabendo, por exemplo, que existe uma negociação para que o Homem-Aranha possa fazer parte do universo cinematográfico do Marvel Studios, aparecendo em Os Vingadores. E que aquela ideia de uma equipe feminina de Caça-Fantasmas no terceiro filme da série realmente procede. Você pode ler uma boa linha do tempo sobre a treta com todas as notícias relacionadas na omelética concorrência, clicando aqui.
Mas enfim, o governo da Coreia do Norte negou (e continua a negar) qualquer envolvimento, mas especialistas garantem que o estilo de invasão é muito similar aos cyberataques que a Coreia do Norte comete a seus vizinhos sul-coreanos há anos. O FBI também confirmou que o governo norte-coreano está mesmo por trás dos atos.
Fato é que o filme estava com estreia marcada para o dia de Natal na terra do Tio Sam. Vieram ameaças de ataques terroristas aos cinemas que exibissem o longa, as cadeias de cinema deram para trás e a distribuidora cancelou o lançamento. Um monte de artistas se posicionou contra essa decisão. E o próprio presidente Obama se pronunciou contra tal determinação.
Por fim, a Sony decidiu lançar o filme na data originalmente estipulada em número de salas reduzido, bem como soltar o longa em diversas plataformas online, como a Playstation Network. Assim, o longa está, desde o dia 25 último, facinho, facinho para quem quiser ver e comprovar se merece tanta polêmica assim. E, claro, darei minha própria opinião a respeito, começando já pelo próximo parágrafo.
MAS AFINAL, ELE JUSTIFICA TODA ESSA BALBÚRDIA?
Sinceramente? Não. É uma boa comédia, com momentos muito engraçados, mas não é nem de longe tão incisivo, feroz e crítico quanto poderia ser. No saldo geral, parece mais uma oportunidade perdida, embora tenha, de fato, vários momentos de pura sacanagem com Kim Jong-un.
Achincalhar ditadores estrangeiros sempre foi algo normal para as comédias estadunidenses. Assim de cabeça, me lembro de Saddam Hussein zoado sem piedade no tremendão Top Gang 2! – A Missão e sodomizado pelo cramunhão em South Park – Maior, Melhor e Sem Cortes.
Os mesmos Trey Parker e Matt Stone de South Park arrasaram com o pai de Jong-un, Kim Jong-il, de maneira muito mais pesada no inesquecível Team America – Detonando o Mundo, e não houve qualquer reação por parte dos norte-coreanos. Talvez o pai (um notório apreciador de cinema, tendo até escrito livros sobre o tema) tivesse mais espírito esportivo, ou fosse menos maluco que o filho, vai saber.
Enfim, voltando à vaca fria, A Entrevista sequer é o melhor filme da dupla Seth Rogen e Evan Goldberg, honraria que ainda cabe ao filme que apresentou McLovin ao mundo, Superbad. Mas mantém a boa média de qualidade das produções dessa galerinha, e vale uma assistida, desde que você não vá esperando pela coisa mais anárquica desde o Monty Python, porque daí com certeza você vai quebrar a cara.
Tem boas piadas, humor nerd, humor grosseiro (outra marca registrada da comédia da turma do Seth Rogen) e um terceiro ato delicioso e inesperadamente gore que é de rachar de rir, bem como o Dave Skylark de James Franco, muito à vontade no papel do apresentador burro e festeiro.
E, sobretudo, da relação entre ele e Kim Jong-un, retratado como um playboy fútil e baladeiro, humilhado pelo pai por ter alguns gostos considerados afeminados (como margaritas e Katy Perry) e pronto a dar chilique e soltar mísseis nucleares se qualquer coisinha o desagradar. Em suma, nada que já não tenha sido dito ou especulado sobre ele antes.
Randall Park é outro grande acerto ao dar vida ao ditador e a química entre ele e Franco funciona muito bem, com seu Kim Jong-un claramente manipulando o ingênuo Skylark para que este goste dele e o favoreça na entrevista, a qual é outro momento deveras engraçado do longa, que surpreende até por contar com algumas críticas veladas à forma que os EUA se intrometem, geralmente de forma bastante invasiva, nos assuntos de outras nações.
Pena que a missão e Kim Jong-un sequer sejam parte tão grande assim do filme, o qual perde muito tempo no desnecessário bromance entre os personagens de James Franco e Seth Rogen, algo já explorado em todos os filmes que a dupla fez antes e que aqui poderia ter caído fora facilmente para dar mais espaço ao que deveria ter sido a trama principal.
No fim, isso resulta numa obra um tanto irregular, com ótimos momentos e outros tantos menos inspirados, reciclados de filmes passados dessa turminha. O irônico é que esse me parece o tipo de filme que não teria grande repercussão se não fosse toda a polêmica já comentada.
Ia fazer uma graninha nas bilheterias e só. Agora, passou a ser o filme que todo mundo quer ver, nem que seja para satisfazer a curiosidade em torno de tanto auê. Sendo assim, é seguro dizer que A Entrevista será doravante conhecido para sempre como a comédia que causou um incidente internacional. Muito mais por conta da reação exagerada de um governo totalitário do que por suas próprias qualidades, é verdade. Mas não dizem que qualquer publicidade é boa?
E, no fim das contas, os deixo com o seguinte pensamento: imagine que a 3ª Guerra Mundial poderia estourar (ou ainda pode, aguardemos as próximas semanas) não por causa do assassinato de um arquiduque ou da invasão de uma nação, mas por conta de uma comédia sem noção estrelada pela mesma dupla que nos presenteou com Segurando as Pontas. Mundo louco este em que vivemos, delfonauta! Reflita sobre isso.