Sob a Redoma

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Stephen King é sem dúvida um cara muito prolífico. Com mais de 40 romances publicados na carreira, é inevitável que ele passe a não ser mais tão criativo quanto em seus anos dourados ou mesmo que venha a reciclar temas já usados. Seus livros mais recentes continuam bons de ler, mas falta aquele frescor de seus bons e melhores tempos. É algo até natural para alguém que já criou tantas histórias. É difícil surpreender e se manter no topo a todo momento.

Sob a Redoma é aquela obra que serve para recuperar o feeling do King de antigamente, em mais um gigantesco romance misturando terror, suspense, ficção científica e girando ao redor de uma cacetada de personagens, moradores de uma cidadezinha no Maine, região favorita do autor, onde ele situa a maioria de suas tramas.

Ou seja, possui todos os elementos clássicos de seus melhores livros, e ainda por cima com a mesma pegada forte e nervosa de antigamente, transformando imediatamente este tijolo de 960 páginas num de seus melhores (possivelmente o melhor) trabalhos recentes.

A ação se passa na cidadezinha de Chester’s Mill, no já citado Maine. Em um dia como outro qualquer, uma gigantesca redoma transparente de origem desconhecida surge do nada, isolando completamente a cidade do resto do mundo. Ninguém entra e ninguém sai. Os moradores ficam por conta própria e têm de se virar sozinhos.

Esta é uma obra irmã dos filmes de zumbis e histórias pós-apocalípticas, visto que apesar dos elementos fantásticos, acaba por demonstrar que não há criatura ou evento destrutivo mais perigoso que o próprio homem. É a típica história que demonstra que não há situação ruim que as pessoas não possam piorar ainda mais, deixando tudo à beira do desastre completo.

Em Sob a Redoma, assim que a cúpula cai sobre a cidade, Jim Rennie, um dos vereadores locais, outrora um político picareta e mero vendedor de carros usados, se transforma imediatamente na maior ameaça à população, transformando-se rapidamente num ditador e tomando medidas extremamente questionáveis, para não dizer logo de cara completamente idiotas.

É a questão do poder: melhor ser um peixe pequeno no oceano ou o maior peixe de um aquário? O fato da ação do livro transcorrer em cerca de apenas uma semana só ajuda a mostrar como seria desastroso se subitamente perdêssemos qualquer forma de controle social e como qualquer um, sem leis e regras, pode se tornar extremamente perigoso.

King mostra com maestria a derrocada da cidade rumo à anarquia e controla muito bem um elenco gigantesco de pessoas. O escritor sempre gostou de usar muitos personagens em seus livros e de alternar o foco narrativo entre eles. Aqui ele tem os habitantes de uma cidade toda para brincar, até por isso o romance é tão grande, visto que pelo menos uns 20 indivíduos são realmente importantes para a condução da história.

E ele faz essa condução muito bem, controlando o ritmo sempre tenso, sem nunca criar passagens que pareçam desnecessárias ou que arrastem a narrativa. E também delineia muito bem cada uma das figuras importantes, evitando criar uma confusão entre tantos personagens, algo que teria grandes chances de ocorrer num livro povoado por tanta gente.

A leitura é tensa, clara e empolgante. E, sobretudo, centrada no lado humano. Todo o verdadeiro horror, ele deixa claro, não vem da situação bizarra que se abate sobre o local, mas do que seus moradores passam a fazer a partir desse ponto. Já para quem está curioso em descobrir as origens da redoma, ele até oferece essas respostas também, mas não é nem de longe algo tão interessante quanto o resto e sequer é importante para a narrativa.

A redoma, no fim das contas, é só um gimmick para o show de horror que o povo de Chester’s Mill passa a sofrer à mercê de um sujeito pequeno obcecado por poder e seu embate contra um pequeno grupo de pessoas que consegue manter a cabeça no lugar e tenta encontrar uma saída civilizada para o problema. Ou seja, é apenas mais uma premissa para uma história focada nas pessoas, algo que sempre instigou muito mais Stephen King que os próprios elementos sobrenaturais com os quais sempre pincela suas histórias.

Sob a Redoma é um grande livro, e não me refiro apenas à quantidade de páginas. É uma história impactante e muito bem contada, que poderia render até mesmo mais do que o autor acabou mostrando. Sem dúvida um romance capaz de entrar em listas de seus trabalhos mais memoráveis e que mostra um Stephen King ainda com lenha para queimar.

CURIOSIDADES:

– O romance deu origem a uma série de TV desenvolvida por Brian K. Vaughan e exibida no Brasil pelo canal pago TNT. A segunda temporada estreia nos EUA no final de junho. Eu assisti apenas ao piloto e, apesar da premissa e dos personagens terem sido mantidos, foram tomadas muitas liberdades com o desenrolar da trama.

– A ideia de uma gigantesca redoma cobrindo uma cidade inteira, você deve se lembrar, também foi usada em Os Simpsons – O Filme, lançado em 2007, portanto dois anos antes da publicação do livro de King nos EUA. Teria o mestre do terror homenageado a família mais famosa de Springfield? Foi um plágio descarado? Ou apenas mera coincidência? O que você acha, delfonauta?

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
sob-a-redomaPaís: EUA<br> Ano: 2009 (EUA) / 2012 (Brasil)<br> Autor: Stephen King<br> Número de Páginas: 960<br> Editora: Suma de Letras<br>