Lá na época de outrora, quando comecei o DELFOS, sentia que o cinema brasileiro vivia apenas de nordeste, favela e ditadura. Vinte anos se passaram, e felizmente hoje nossa sétima arte é bem mais abrangente. Curiosamente, cá estou eu cobrindo Ainda Estou Aqui, do diretor Walter Salles, que traz de volta a temática ditadura à tela grande. Curiosidade: a primeira cabine de imprensa que peguei na vida foi a de Diários de Motocicleta, que também é dirigido pelo Walter Salles, e até fiquei para a entrevista.

A DITADURA

Embora eu já estivesse vivo nos últimos anos da ditadura, minhas lembranças da época são nebulosas. Lembro da minha família estar sempre com medo de o governo entrar na nossa casa, o que é uma forma terrível de viver. O que sei mesmo da época foi adquirido depois, através de estudos e da cultura pop.

Assim, embora tenha reclamado muitas vezes de uma época em que o cinema brasileiro só falava disso, hoje vejo que é um período que jamais deve ser esquecido. Afinal, se esquecemos os horrores causados pelo golpe militar no passado, periga da gente apoiar um novo golpe militar em 2022. Onde já se viu?

AINDA ESTOU AQUI

Ainda Estou Aqui, Walter Salles, Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Selton Mello, Delfos

Ainda Estou Aqui é baseado no livro de mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva, e dá uma boa ideia de como era ser uma pessoa comum na época da ditadura. Baseado em fatos da vida do escritor, o filme começa com uma família feliz até que o governo invade a casa e exige que o pai, Rubens Paiva (Selton Mello), dê um depoimento. O cara é praticamente raptado da sua casa e, apesar de ter tempo de se despedir de seus entes queridos, nunca mais os veria.

O foco do filme é no depois. É como a família, em especial a mãe (Fernanda Torres) continuou vivendo sem ter informações. No melhor momento do longa, a própria mãe e uma das filhas também é levada para um depoimento, em um trecho estendido e deveras incômodo.

JÁ NÃO ESTOU MAIS AQUI

Ainda Estou Aqui, Walter Salles, Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Selton Mello, Delfos

Apesar de ter considerado o filme um excelente retrato de como era viver no Brasil nos anos 70, e ter me levado a lembrar de coisas da minha própria vida que na época não entendia por ser uma criança, a verdade é que achei o filme longo demais para o que se propõe. Especialmente no início, antes da tensão começar, ele se arrasta muito no que é apenas um slice of life. Claro, este início tem importância para conhecermos como era a relação da família antes de tudo mudar, mas simplesmente dura tempo demais.

Da mesma forma, a parte pós-depoimento da mãe, também acrescenta pouco ao filme. Coisas importantes acontecem na história, como a moça tentando legalmente todos os meios possíveis para conseguir informações do marido desaparecido. Mas sinto que se arrasta demais, com muitas cenas em que pouco digno de nota acontece – e sim, isso provavelmente é intencional. Afinal, a vida da família se tornou um chá de espera enquanto as engrenagens morosas do Estado se moviam. Mas “moroso” não é uma definição desejável para um longa.

Isso culmina em um final que, na tradição O Retorno do Rei, leva a história a uma conclusão natural ao menos três vezes. E depois da última ainda tem textinho dizendo o que aconteceu com a família nos períodos não retratados no longa. Quando ele acabou, parafraseando o título, eu já não estava mais lá. Ainda Estou Aqui me perdeu no caminho, mas não é um filme ruim. É até melhor do que a média. Eu que ando hiperativo demais mesmo. Você sabe, gotta go fast.