1602

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A indústria dos quadrinhos está passando por uma grave crise de criatividade nos últimos anos. Muitas das histórias que lemos nada mais são do que reciclagens de idéias que já saíram do papel há 10, 20 ou 30 anos, com pequenas modificações nas estruturas narrativas. Assim não é de se espantar a recepção fria e cética sobre esta minissérie 1602 da Marvel antes mesmo dela chegar às bancas.

No entanto, acredite, você tem pelo menos um grande motivo para esquecer os pessimistas e dar uma chance a esse gibi: trata-se do primeiro trabalho do premiado Neil Gaiman (o criador de Sandman) para a Marvel. E quem fecha o time de 1602 é o bom desenhista Andy Kubert complementado pela arte final de Richard Isanove, a dupla responsável pela minissérie do Wolverine, Origem. Nos EUA, a série foi lançada em 8 “tomos”, mas a Panini resolveu facilitar nosso trabalho e, no Brasil, ela está dividida em 4 volumes (cada uma com 2 “tomos”), em formato americano.

O grande desafio era mesmo o de “adaptar” um universo tão grande e complexo como o da Marvel (que envolve heróis, vigilantes, mutantes e vilões) para o século XVII, uma época onde a inquisição da igreja católica e os estados absolutistas do velho continente ditavam as regras na sociedade. E a premissa da história não faz feio: no início do século XVII, uma época onde a rainha Elisabeth da Inglaterra, tenta a todo custo evitar a ameaça representada pela união entre a Inquisição espanhola e o ambicioso e intolerante rei da Escócia. Mas um fator que ninguém poderia prever são as intenções maléficas de Otto Von Doom, o Conde do distante reino da Latvéria.

No meio disso tudo ainda temos os sangue-bruxos, pessoas com poderes especiais que tentam escapar a todo custo da inquisição (porque afinal, pessoas com dons paranormais, são demônios aos olhos míopes da igreja). Um charme da história é bem legal, especialmente por misturar os personagens da editora norte-americana com pessoas e fatos que realmente existiram, e o roteiro segue em um ritmo bem cativante até o volume 4, bem próximo da conclusão onde, inexplicavelmente, Gaiman deixou a criatividade de lado e se perde em uma série de clichês bobos, quase pondo tudo a perder com um final chato e sem graça, em nome daquela patriotada americana que tanto nos irrita. Uma pena realmente, porque os três primeiros volumes de 1602 são muito bem escritos, com diversas reviravoltas e com todos os personagens muito bem encaixados no contexto.

Apesar de alguns errinhos históricos aqui e ali (não tem jeito, isso sempre acontece), temos um belo roteiro envolvendo (quase) todos os personagens principais da editora, mesmo que seja apenas em uma pequena participação especial. Aliás, uma das grandes diversões de 1602 é justamente identificar os seus personagens preferidos envolvidos: Dr. Estranho, Homem-Aranha, Demolidor, Quarteto Fantástico, os X-Men, Thor, Abutre, Capitão América, Dr. Destino, Magneto, Viúva Negra, Feiticeira Escarlate, Mercúrio, Hulk, estes são alguns dos personagens mais óbvios que aparecem na história, mas durante os 4 volumes você irá encontrar diversas citações ou referências a outros personagens. Alguns heróis ou vilões têm suas identidades reveladas logo de cara ou são óbvios demais, enquanto outros precisam de um pouco mais de atenção para que você os identifique. A aparição de um destes vilões “alterados”, em especial, é um dos pontos fortes da série. Não adianta, amigo delfonauta, não vou contar de quem se trata e acabar com uma das grandes surpresas da história, você vai ter que descobrir por conta própria. 😉

Os desenhos de Andy Kubert e Richard Isanove se destacam por combinarem perfeitamente com o clima mais “dark” da época (o século XVII foi um período de grande incerteza e “depressão” na Europa, com diversas guerras, o fantasma da peste negra voltando a assombrar e, logicamente, a inquisição) e todos os personagens estão com suas característica impecáveis nesta recriação. Parabéns a dupla que se superou neste trabalho, em especial na utilização das cores.

Independente do final, 1602 é um bom trabalho, muito superior a tudo que a Marvel lançou nos últimos anos. O final da história realmente decepciona por simplesmente não elucidar grande parte dos mistérios e trazer à tona questões que não tinham relevância nenhuma até então. A impressão é que Neil Gaiman estava atrasado com o trabalho e resolveu dar qualquer final apenas para não deixar a saga incompleta (fato que tem acontecido bastante ultimamente, em diversos títulos). Uma pena, pois eu gostaria de dizer que essa é a melhor saga que li desde o Reino do Amanhã da DC Comics, mas vale a pena conferir, principalmente as três primeiras partes.

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).