Kingdom Come: Deliverance é um dos jogos mais ambiciosos que já joguei. Inicialmente financiado pelo Kickstarter, acabou sendo assumido pela Deep Silver. Mesmo assim, este jogo de estreia do estúdio Warhorse tem um escopo que apenas as mais tradicionais desenvolvedoras AAA almejam alcançar.

O game tem como objetivo ser um RPG medieval realista, e só isso já é o suficiente para chamar minha atenção. RPGs são, tradicionalmente, jogos de fantasia, cheios de dragões e magias, e isso também é legal. No entanto, aqui temos um simulador de vida medieval como eu nunca tinha visto antes.

O cuidado com detalhes e com a representação do período histórico são dignos de nota. Não dá para negar, o visual, especialmente dos personagens, entrega que não estamos falando de um blockbuster cheio da grana, mas o clima, os diálogos, e sobretudo o som, são impressionantes.

Kingdom Come, Deliverance, Delfos

Aliás, o som vale um parágrafo à parte. As músicas são fantásticas e bastante autênticas, enquanto os sons atmosféricos realmente fazem parecer que você está em uma vila medieval. Kingdom Come: Deliverance não é um jogo que impressiona os olhos, mas ele sem dúvida deixa uma impressão bem forte nos ouvidos.

VIDA DE CAMPONÊS

A história também é marcante. Você controla Henry, o filho de um ferreiro em uma pequena vila medieval. No início do jogo, seu pai está fazendo uma espada para o lorde da região e você deve ajudá-lo. Papo vai, papo vem, você está sozinho em uma história de vingança.

Apesar de o primeiro ato da história lembrar muito o que vemos em Assassin’s Creed II, a coisa é contada de forma bem bacana. Em especial, o seu personagem Henry é bastante carismático em suas limitações. Como um camponês medieval, ele não sabe lutar ou ler. Você pode desenvolver estas habilidades ao longo do jogo e o sistema é bem bacana: basicamente, você fica melhor naquilo que você faz. Lute bastante e vai lutar melhor. Converse bastante e ganhará pontos de carisma.

Kingdom Come, Deliverance, Delfos

Quando joguei The Witcher 3, costumava ficar ansioso para o próximo combate. Aqui a coisa é totalmente oposta. Estou com 20 horas de jogo e quase não me envolvi em lutas. E os melhores momentos por aqui são justamente aqueles em que a história é desenvolvida. A narrativa de Kingdom Come: Deliverance realmente me cativou. É uma pena que, no aspecto jogo, ele faça várias coisas que não me agradam e seja punitivo a ponto de eu ter sérias dúvidas se vou conseguir levar sua história até o final.

SIMULADOR MEDIEVAL

O jogo tem a proposta de ser um simulador medieval. Assim, boa parte do jogo envolve a simples manutenção da vida, o que, para mim, não rende um jogo divertido. Por exemplo, você precisa comer, mas não pode comer demais ou passa mal. Comidas estragadas te deixam envenenado. É necessário tomar banho e as roupas que você usa e sua higiene afetam diretamente como os NPCs vão te tratar. E você precisa dormir. E enquanto você dorme, sua fome aumenta.

Kingdom Come, Deliverance, Delfos

Achei curioso que, apesar de ter todas essas necessidades, seu personagem não precisa ir ao banheiro. Falhar em fazer xixi a tempo poderia sujar a roupa e afetar a higiene, o que se encaixaria perfeitamente na proposta.

Apesar de este realismo não ser algo que me agrada muito, faz parte da proposta do jogo, então é compreensivo. No entanto, falta cuidado em muitas de suas características. Por exemplo, você está sempre carregando muitos itens. Em determinado momento, eu estava com mais de 50 maçãs no bolso. Mas o seu inventário não diz quantas maçãs você tem.

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Tipo aqui: eu estava com 19 cenouras, mas a quantidade que está carregando parece só aparecer quando você escolhe jogá-las fora.

Parece uma coisa tão boba e que faz tanta diferença no gameplay, especialmente quando você precisa liberar espaço no inventário. Depois de mais de cinco horas de jogo, no entanto, eu descobri. Você precisa apertar triângulo e daí vai aparecer uma tabelinha. O campo # diz quanto daquela coisa você tem.

Kingdom Come: Deliverance tem uma abundância de problemas técnicos também. Em uma missão principal, eu precisava encontrar um padre na taverna. Fiz isso. Ao falar com ele, ele me mandava sentar. Mas o jogo não me deixa sentar. Ou melhor, eu consigo sentar em qualquer mesa, menos na dele. Tentei recarregar saves, sair do jogo e tudo mais e nada. Felizmente, dá para falhar com o padre e seguir a missão de outro jeito, então o jogo não ficou totalmente quebrado. Porém, há um troféu para quem se embebedar com o padre que eu fiquei impossibilitado de ganhar, além de não conseguir realizar um grande objetivo da minha vida: beber até passar mal acompanhado por um padre.

Porém, o maior de todos os problemas é algo totalmente injustificável em 2018.

SAVES

Kingdom Come, Deliverance, Delfos
Esta pessoa se enforcou porque não conseguia salvar.

O jogo autosalva após alguns pontos específicos e não frequentes da história. Fora deles, você pode salvar dormindo – o que custa tempo, fome, e ainda precisa alugar uma cama ou ir até um ponto específico do mapa onde fica a cama que você pode usar de graça. A outra opção é beber um item chamado Saviour Schnapps. Este item é raro e, principalmente, caro.

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Na imagem acima, você pode ver que um Saviour Schnapps custa 122.9 dinheiros. Na mesma imagem, no canto inferior esquerdo, dá para ver quanto dinheiro eu tenho. Seis. Seis dinheiros. Em cinco horas de jogo, eu consegui acumular 10 dinheirinhos. Depois a coisa melhorou um pouco, já que eu sai roubando um monte de coisa de nobres para revender no mercado negro, mas mesmo assim, em 20 horas eu consegui acumular coisa de 1000 dinheiros. Se usar todo ele para comprar saves, terei apenas 10 saves, muito pouco para um jogo de mundo aberto.

Sim, ocasionalmente algum personagem pode te dar um Saviour Schnapps, mas isso é suficientemente raro para que até o momento eu tenha optado por não usar nenhum deles, o que me obriga a continuar jogando até eu achar uma cama ou ele autosalvar. Isso faz com que às vezes eu até tenha mais tempo para jogar, mas como os autosaves são raros, sou obrigado a parar quando o jogo deixa, não quando eu quero parar. O que me leva a uma história.

UMA HISTÓRIA

Eu estava jogando uma parte relativamente tranquila da campanha, onde eu tinha que cavar um túmulo. Não havia inimigos e o cenário estava deserto. Eu estava a, literalmente, mais de uma hora desde o último save, pensando “ele provavelmente vai salvar quando eu terminar o túmulo”. No entanto, cumprir este objetivo me colocou frente a frente com um inimigo tremendão, e eu não tive opção a não ser lutar.

Kingdom Come, Deliverance, Delfos
Imagem meramente ilustrativa. Este inimigo eu venci facilmente.

Algumas lutas nas quais me envolvi foram bem fáceis. Os inimigos morriam fácil. Outras, no entanto, eles pareciam defender todos os meus golpes, e eu não sei o que estava fazendo de errado. Esta era uma delas. Fiquei sinceramente tenso durante a luta. Estava decidido a abandonar o jogo caso perdesse a luta, pois vida de adulto não combina com ter que jogar novamente uma hora de jogo quando tem um monte de lançamento legal que sequer dura este tempo todo.

Felizmente, este era um daqueles casos em que o jogo continua mesmo quando você perde a luta, que foi o que aconteceu. Porém, a simples possibilidade de morrer com um save tão distante é algo que me frustra consideravelmente. Sem falar que eu preciso garantir que tenha algumas horas de tempo livre toda vez que rodar Kingdom Come: Deliverance, pois sabe Deus quando ele vai salvar meu progresso. E convenhamos, quantas pessoas adultas têm algumas horas seguidas para jogar videogame de uma vez? E com que frequência?

Kingdom Come, Deliverance, Delfos
Se isso acontecer comigo, eu vou ter que abandonar o jogo.

Há uma luz no fim do túnel. A versão de PC já tem mods feitos pelo público que permitem salvar o quanto quiser. A versão oficial vai receber um patch que vai abrir uma opção “salvar e sair”. No entanto, tudo indica que, uma vez que você carregue este save, ele será deletado. Assim, isso possibilita que você pare de jogar quando precisar mas não resolve o problema dos checkpoints, que podem custar mais de uma hora de progresso caso você morra inesperadamente.

Desta forma, Kingdom Come: Deliverance é uma obra de muito valor criativo. Porém, é um jogo punitivo demais, a ponto de que simplesmente não vai se encaixar na vida da maioria das pessoas. Isso é somado à sua duração aparentemente quase infinita. Para você ter uma ideia, só depois de cinco horas de jogo rolaram os créditos iniciais, então imagina quanto jogo ainda tem pela frente. Eu estou a 20 horas e sinto que mal arranhei a introdução.

Eu quero muito ver o final da história de Kingdom Come: Deliverance, mas tenho minhas dúvidas se vou ter tempo de chegar até lá um dia. Por isso mesmo resolvi fazer este artigo, que não é um review, mas representa bem meu tempo com ele até o momento. Ainda vou continuar jogando e volto a publicar sobre ele aqui caso tenha mais a dizer sobre ele. Por enquanto mantenha-se delfonado.

ATUALIZADA

Em 23 horas de jogo, cheguei na quest Baptism of Fire. É uma missão de ação que este guia recomenda que você esteja com suas habilidades de combate no nível 10. Eu estava jogando de forma não violenta, então estou num nível alto em carisma e coisas do tipo, mas no combate estou com uma média de nível 4. Eu não esperava que o jogo fosse me obrigar a lutar durante sua campanha, e isso significa que eu fiquei travado. É uma pena, eu realmente queria terminar, mas isso não parece mais alcançável neste momento.