Como fazer um Filme Nada

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Se você é um habitué do DELFOS, então já deve ter cruzado com a expressão “filme nada” por aí. E também já deve saber o que significa. E mais: provavelmente deve ter assistido a um monte deles, mesmo se antes você não soubesse do que se tratava. Mas caso você seja um neófito, vale uma recapitulação: filmes nada são aqueles que ficam no meio do caminho. Não são bons, mas não são nenhuma porcaria. Bem realizados tecnicamente, mas com uma história apenas razoável, divertem quem assiste na hora, mas logo após seu término está fadado a cair no profundo poço do esquecimento cinéfilo.

Mas por que estou dizendo tudo isso? Bem, você deve se lembrar que tempos atrás o Corrales escreveu um manual de como fazer um Testosterona Total. Então, por que não dar a receita para se criar um legítimo filme nada? Dito e feito, abaixo você confere dicas preciosas para criar um filme que não fede nem cheira, destinado a ser só mais um na multidão. E viva a mediocridade!

OBS: Tenha em mente que esta é uma matéria de cunho humorístico. Pois se, por um lado, fazer um Testosterona Total deve ser realmente tremendão, não consigo imaginar como alguém em sã consciência queira fazer um filme nada. Então, fica o aviso, se você realmente utilizar esse guia e produzir um filme, você não vai ficar famoso e nem conseguir o respeito de seus pares. Talvez nem mesmo o de sua família e de sua namorada.

ETAPA 1: A ESCOLHA DO GÊNERO

Antes de começar a produção, você tem de definir que tipo de filme vai fazer. Sim, filmes nada são extremamente democráticos e se encaixam dentro de qualquer gênero existente. Drama, ficção científica, terror, suspense, comédia e até Testosteronas Totais podem ser filmes nada. Portanto, você tem que definir qual gênero quer fazer. Escolha o que mais lhe agrade, mas não é boa ideia selecionar um pelo qual seja aficionado e conheça todos os meandros, pois aí você corre o risco de caprichar e fazer um bom filme, e não é isso que queremos aqui, correto?

Por outro lado, também não é sábio escolher um gênero que você desconhece totalmente ou odeia. Enfim, com o qual não tem a menor afinidade. Pois aí há grandes chances de você realizar uma obra ruim, e esse não é o seu objetivo. Então, selecione um gênero pelo qual você tem simpatia e um certo conhecimento, mas também o distanciamento necessário para não deixar sua paixão entrar no caminho de um filme que tem de ser minimamente satisfatório e potencialmente esquecível.

ETAPA 2: BUSCANDO REFERÊNCIAS

Uma vez escolhido o gênero no qual você irá se aventurar é sempre bom fazer uma espécie de laboratório, uma rápida imersão, para dar uma ideia do que irá enfrentar. Digamos que você optou por fazer um longa de terror. Antes de começar a bolar a história, é bom dar uma assistida em exemplares do gênero, principalmente para evitar certas armadilhas.

É necessário assistir tanto aqueles considerados por crítica e fãs como os melhores do gênero quanto àqueles que envergam o título de piores já produzidos. Para isso, é só dar uma consultada na internet e em revistas especializadas. Ambas as mídias pululam com essas listas de melhores e piores seja lá do que for. Infelizmente, listas de filmes meia-boca são raras ou inexistentes, por isso você precisa dos extremos.

Assista aos melhores e piores. Dois ou três exemplares de cada devem bastar. Veja o que há de maravilhoso e péssimo em cada um deles. E pense em como evitar essas armadilhas em sua história, para que o seu trabalho não tenha esses picos, sendo apenas uma grande massa de encheção de linguiça satisfatória, mas nada espetacular.

ETAPA 3: A SELEÇÃO DOS PERSONAGENS

Agora que você tem referências para começar o trabalho, um bom ponto de início é com a elaboração dos personagens. Você precisa definir quais serão os protagonistas, antagonistas e personagens secundários. Quais os conflitos, causas, motivos, razões e circunstâncias que os movem. E as mudanças pelas quais passarão ao longo do filme.

Mas muito cuidado. Esses conflitos, motivações e etcetera não podem ser muito interessantes. Então evite coisas exarcebadamente fantásticas que possam atiçar o interesse do espectador além da conta. Mas não podem ser banais a ponto de matar o público de tédio. O ideal seria usar elementos do dia-a-dia, com o qual o espectador está tão acostumado que não acha nada de mais, mas ainda assim possui um nível de identificação com o qual se relacionar.

Em suma, esses personagens não podem causar grandes reações de amor e ódio, comedimento é a palavra de ordem nesse departamento. Quanto aos atores que os interpretarão, a coisa é simples. Escolha bons atores, porém desconhecidos. Nada de grandes astros. Prefira aqueles atores que sempre fazem papéis coadjuvantes na tevê ou que estejam restritos ao circuito do teatro. Certifique-se de que são competentes, mas não a ponto de entregar a atuação de sua vida no seu filme. Eles que vão fazer isso em outro lugar. O objetivo é ficar na moita. Atores em filmes nada devem fazer com que seu trabalho em tais filmes seja invisível.

ETAPA 4: A CONSTRUÇÃO DO ROTEIRO

Definidos os personagens, é hora de trabalhar no roteiro. Como vai ser a história? O que vai acontecer? Muito pouco, na verdade. Essa é a sua meta.

Seja comedido. Não entupa o roteiro de grandes conflitos. Dois ou três dão para o gasto sem deixar o público entediado. Coloque clichês comuns ao gênero que você está produzindo. A originalidade é sua inimiga. Portanto, não tenha nada de inovador no seu roteiro. Nessa fase é importante a opinião alheia. Entregue seu texto para pessoas de confiança lerem. Se elas apontarem algo que consideram uma grande sacada, corte ou altere imediatamente. Se em uma nova leitura elas disserem que não ficou tão bom quanto antes, parabéns, você atingiu o resultado desejado. Mas, voltando aos clichês, tome cuidado com a quantidade deles. Saiba quando parar. Se você exagerar, vai acabar com uma bomba nas mãos.

Para completar, já nessa fase tenha em mente uma estimativa da duração do seu filme. O ideal é que ele tenha cerca de uma hora e quarenta minutos. É o tempo perfeito para entreter o público sem dar a sensação de que foi muito curto ou de que se arrastou além da conta. E já que estamos falando em tempo, não faça épicos de duas horas e meia de duração para mais. O filme não vai se sustentar, você vai irritar a audiência e sua obra vai cair na vala da ruindade.

ETAPA 5: A PARTE TÉCNICA

Aqui, e somente aqui, é onde você tem total permissão para caprichar. Afinal, ninguém vai ao cinema para julgar tecnicalidades, mas se você tem uma história meia boca, capriche na técnica para dar a contrabalançada necessária e fazer o caboclo sair do cinema dizendo: “bem, ao menos a fotografia era bonita”.

Cenários, figurinos, fotografia, efeitos especiais, montagem. Cerque-se dos melhores profissionais de cada área e faça um trabalho belíssimo plasticamente para encher os olhos do público, já que sua história é qualquer nota e o cérebro do espectador não vai ter tanto serviço. Se for um filme de época, então, é obrigatório que a reconstituição minuciosa e perfeccionista de cenários, figurinos e objetos de cena sejam nada menos que um espetáculo, como se você voltasse numa máquina do tempo.

No saldo final, é aqui que entra o grande truque dos filmes nada, pois como a história geralmente é sem sal, mas a técnica claramente consumiu o grosso do orçamento, deixando o fato visível na tela grande, a plateia estará menos inclinada a considerar seu filme ruim, já que ficou claro que não se trata de uma produção chinfrim. E de fato não é, é apenas mediana.

ETAPA 6: VENDENDO O PEIXE

Pronto, você rodou seu filme e está com ele na lata, prontinho para ser exibido. Mas como vou fazer? É preciso ter publicidade. E como vou fazer para vender um filme mais ou menos?

O segredo é não propagandeá-lo como tal. Minta na cara dura. Nas campanhas publicitárias, diga que é uma obra excelente, de muito bom gosto e arrojada. Coloque nos cartazes aquelas citações falsas de críticos de cinema, do tipo “esse filme é um dos melhores das últimas duas semanas, eu dou quatro estrelas”. Em suma, contrate um bom marketeiro.

Mas não exagere. Nada de elogios muito espetaculares, do tipo “é um neoclássico da era pós-moderna”, pois aí você acaba elevando a expectativa do consumidor e não irá satisfazê-la. Sua intenção nunca foi essa. E quanto maior a expectativa, maior a decepção. Você quer lançar um trabalho esquecível, não um do qual será falado por anos negativamente por conta de uma campanha de marketing bem sucedida até demais.

Outra boa estratégia é pegar carona em algum outro filme já conhecido. Fez um filme de terror? Diga que é do mesmo naipe de um Jogos Mortais, mesmo que não tenha nada a ver. É de ação? Diga que tem o feeling da série Duro de Matar. Mas nunca diga que é o novo filme tal, sobretudo se o tal for considerado um ótimo filme, um marco. Exemplo: fez um drama? Não diga que é o novo Cidadão Kane. Nunca se compare com os melhores dos melhores, pois você corre o risco de novamente decepcionar a plateia da mesma forma como acontece no método do parágrafo anterior. O máximo que você pode dizer é que ele vai na linha do mesmo filme, o que é uma declaração mais genérica e inofensiva, assim como o seu trabalho.

Pronto, com isso concluímos nosso pequeno guia com dicas inestimáveis para ensiná-lo a fazer um filme nada. Agora você sabe como a maioria dos engravatados trabalha em Hollywood! E mais uma vez peço encarecidamente: não ponha esses ensinamentos em prática. Afinal, todos sabemos que já há filmes demais dessa espécie rodando por aí. Mas se for fazer, bom, vá lá, mais um também não vai fazer a menor diferença. Só lembre-se: mire à meia-altura. Mediocridade é a chave. Nos vemos pegando poeira na locadora!

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