Dentre a rica história da música brasileira documentada em livros, o jornalista André Barcinski identificou um hiato nas publicações do gênero. Muito já se escreveu sobre a MPB cabeça e politizada do início da década de 70 e sobre a explosão do Rock nacional dos anos 80, mas o período no meio disso foi muito pouco abordado.
E para ele, este é um período extremamente criativo, onde a música feita no país ficou mais jovem e mais popular. Aproveitou então para cobrir essa lacuna com seu livro Pavões Misteriosos, cobrindo o período em questão, que vai de 1974 a 1983, e tentando descobrir o motivo de tantos bons discos e canções terem sido lançados neste momento específico.
Cada capítulo abrange um dos anos em questão. Começa quando do lançamento do primeiro disco dos Secos & Molhados, lançado em 1973, mas que em 74 passou a ser o primeiro álbum de estreia a liderar as paradas nacionais, transformando a banda de Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo em um verdadeiro fenômeno Pop.
Passa por Raul Seixas, pela carreira solo de Rita Lee, os tropicalistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil tendo de se reinventar, os chamados “falsos gringos” (artistas brasileiros que gravavam em inglês e assumiam pseudônimos importados), bandas montadas por empresários e gravadoras, a explosão da discoteca, o investimento no filão das músicas infantis, com Balão Mágico e Trem da Alegria, dentre muitos outros temas e artistas de grande relevância para nossa música e outros que ficaram esquecidos pelo tempo.
E termina em 1983, com o lançamento do disco Voo de Coração, de Ritchie, puxado pelo hit Menina Veneno, outro grande sucesso popular a sacudir o país, numa estética Pop mais européia e moderna para suas canções, coisa até então nunca vista no que era feito por aqui. E que ajudou a abrir as portas para todo o Rock nacional que começaria a dominar as paradas pouco depois.
A música brasileira nunca foi meu forte. Não sou um profundo conhecedor, embora até tenha me surpreendido ao constatar que conhecia um bom número dos artistas e músicas tratadas no livro, e tampouco sou exatamente um apreciador dela. Mas isso não influi em absolutamente nada como leitor.
É uma leitura muito bacana, cheia de “causos” interessantíssimos e sobre um período até um tanto ingênuo da indústria musical tupiniquim, onde os artistas tinham uma liberdade absurda para fazer os álbuns do jeito que bem quisessem, o que pode ser uma, se não a principal, das explicações da efervescência do período.
Depois que a indústria de discos deu um salto de lucratividade, seu inevitável lado business falou mais alto e o controle sobre os artistas e o que seria gravado (e como seria) aumentou, levando à inevitável pasteurização da música popular e à decadência criativa de muitos dos personagens retratados em anos posteriores.
Também há outros lados interessantes, como o preconceito que havia entre os representantes da música dita mais sofisticada com artistas e compositores de inspiração e intenção claramente popular, vistos como performers de segunda classe. Ou seja, não é de hoje que se torce o nariz para quem consegue fazer sucesso com muita gente…
Ao final, Barcinski ainda inclui uma lista pessoal de 50 discos do período que ele considera fundamentais do Pop brasileiro. Uma boa pedida para quem quiser conhecer mais dos sucessos do período.
Quer você seja um conhecedor e apreciador da música Pop feita por aqui ou, como eu, goste de ler livros sobre música no geral, mesmo que não necessariamente sobre estilos que agrade a seu gosto pessoal, Pavões Misteriosos, além de ótima leitura, joga luz num período fértil da produção musical nacional e, assim, cobre a lacuna de um de seus períodos mais criativos e interessantes.