Uncharted 4: A Thief’s End

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Após o lançamento de Uncharted 3, a Naughty Dog divulgou que seu próximo jogo não seria um novo Uncharted, mas o que viria a ser o excelentudo The Last of Us. Admito que eu fiquei decepcionado, pois gosto tanto da série Uncharted que estava feliz recebendo um novo capítudo dela a cada dois anos.

Daí veio o The Last of Us e, como Deus após criar o universo, nós vimos que ele era bom. Criou uma nova expectativa para o que a Naughty Dog – agora um dos estúdios top dos games – faria a seguir. E veja só, quando todo mundo pensava que eles nos trariam um novo jogo que viria com o impacto da aventura de Joel e Ellie, eles avisam que vão voltar a caçar tesouros com Nathan Drake.

Não diria que isso chegou a me decepcionar, uma vez que considero Uncharted uma das melhores séries da história dos games, mas diria que esperava receber uma experiência totalmente nova da Naughty Dog. Uncharted 4 traz boas novidades, é divertido e é lindo de morrer, mas é também familiar e em alguns aspectos mostra um certo sinal de cansaço. Até a história brinca com isso em vários momentos.

UM IRMÃO QUE SAI DO NADA

O começo de Uncharted 4 é lento. Muito lento. Após uma cena de ação introdutória que se encontra cronologicamente no meio da história (ferramenta narrativa que não me agrada nem um pouco e que inclusive já critiquei muitas vezes aqui na nossa seção de cinema), acompanhamos Nathan e Sam, um irmão que nem sabíamos que existia, muito mais jovens, em busca de um tesouro lendário.

Isso é só uma introdução e só depois dela o jogo nos coloca na linha do tempo principal, muitos anos depois do terceiro jogo, com Nathan e Elena já casados e vivendo uma vida normal, em um capítulo que mostra porque a Naughty Dog é considerada uma mestre da narrativa nos games. A relação entre os dois é totalmente crível e bem parecida com a de um casal de verdade, inclusive com um pouco de atrito que acaba sendo superado por muito carinho.

Até aí, na real, não aconteceu nada. Nada, além de desenvolvimento de personagens, claro. A essa altura você já estará investido nos personagens, mas apesar de estar jogando há três horas ou mais, ainda não será capaz de dizer qual será a história de Uncharted 4.

Justamente por ela demorar tanto para dar as caras, não vou dar muitos detalhes aqui. Basta dizer que, após o ressurgimento de seu irmão, Nathan é levado a, é claro, buscar por um tesouro lendário.

O aparecimento de um irmão que nunca foi citado antes foi uma das coisas que me incomodou na história. Até onde sabíamos, Nathan tinha crescido em um orfanato e tinha vivido uma vida solitária até conhecer Sully. Agora vemos que não foi bem assim. Até é dada uma explicação para o desaparecimento de Sam e porque Nathan nunca falou dele, mas dá a sensação de ter sido algo pensado posteriormente mesmo.

Outros sinais de cansaço da história envolvem clichês como gente sendo salva por um tiro que vem de fora da tela ou personagens morrendo do nada sem absolutamente nenhum motivo, a não ser causar um conflito a ser resolvido.

Apesar de uma história sem novidades e apoiada em alguns clichês, é também nesse aspecto que vemos a maestria da Naughty Dog. Eles podem não ser exatamente criativos na hora de criar uma história, mas sabem contá-la como poucos.

Uncharted 4 desenvolve de forma crível a relação de Nathan com seus coadjuvantes. Embora Sully e Elena não apareçam tanto como nos jogos anteriores (aqui o foco da história é na relação de Nate com Sam mesmo), eles continuam sendo personagens fortes e bem desenvolvidos, e o mesmo pode ser dito do seu irmão, que lembra bastante o Nathan do primeiro jogo.

Aliás, este parece ser justamente o objetivo. Agora casado e levando uma vidinha normal, Nataniel reluta em assumir uma nova aventura, e por muitas vezes tenta desistir e acaba sendo convencido por Samuel. Basicamente uma inversão de papéis do que vimos em jogos anteriores, quando Nathan era sempre quem forçava o seguimento da aventura quando seus sidekicks estavam prontos para desistir.

A história de A Thief’s End desenvolve exatamente aquilo que faltava ser desenvolvido: por que Nathan diz ser um descendente de Francis Drake e de onde saiu sua obsessão por história. E faz isso muito bem. Ao concluir a aventura, após mais de 22 horas de jogo (sim, este Uncharted tem a duração de mais de dois dos jogos anteriores somados), eu estava perfeitamente satisfeito. Se este é realmente o último Uncharted, sua história colocou um ponto final bem apropriado na vida desses personagens, deixando tudo amarradinho e sem pontas soltas.

É UM FILME OU UM JOGO?

Esta é uma pergunta que podia ser feita para os jogos anteriores, uma vez que eles eram totalmente roteirizados, colocando o jogador em cenas pré-definidas como prédios desmoronando, navios afundando ou perseguições entre veículos e cavalos. Este era exatamente um dos principais charmes da série, a sensação de estar no controle de um filme, em uma aventura que transborda intensidade.

Uncharted 4, por outro lado, é definitivamente um jogo. Embora os personagens estejam sempre conversando a avançando a história de alguma forma, seus momentos roteirizados e explosivos são bem poucos. Na verdade, só me lembro mesmo de um momento marcante do tipo, aquele envolvendo veículos e uma corda, que dá essa sensação de se estar jogando um filme de ação.

Claro, há muitas cutscenes e elas são relativamente longas e muito bem-feitas. O mais legal é como elas são conectadas ao gameplay e vice-versa de forma totalmente chuchu beleza.

Apesar das cutscenes, aqui a coisa é bem mais calma. Bem mais silenciosa. Os tiroteios são poucos e bastante espaçados. Em uma estimativa feita pela DataDelfos, a cada duas horas de jogo, você passa uns 15 minutos atirando. O foco do jogo é mesmo em escalada, exploração e solução de quebra-cabeças.

Inclusive, o combate foi bastante simplificado. A luta corpo a corpo, que era bem divertida no terceiro jogo, e incluía a possibilidade de ataque e contra-ataque agora se resume a basicamente apertar o quadrado para atacar e o triângulo para se soltar caso um inimigo te segure. A possibilidade de devolver granadas jogadas pelos inimigos, sempre presente na série, também não existe mais.

Isso tudo é reflexo do foco narrativo deste novo Uncharted. Não mais temos uma campanha absurdamente intensa, onde cada minuto parece ser o clímax de um filme de ação de alto orçamento. A maior parte do seu tempo vai envolver um silêncio contemplativo, enquanto você admira os cenários belissimamente construídos e se diverte com as piadas e diálogos dos personagens.

Quando a ação realmente rola, em geral você vai preferir apelar para furtividade, pois quase sempre você vê os inimigos antes de eles verem você. Nesse aspecto, Uncharted 4 tem uma interpretação de stealth mais próxima de um Far Cry do que de um Metal Gear.

Em outras palavras, você não é indefeso. Caso seja avistado, você é perfeitamente capaz de se defender, mas acaba preferindo caçar os inimigos um a um só porque é mais divertido mesmo. E a jogabilidade foi bastante evoluída nesse aspecto. Agora, por exemplo, Nathan é capaz de se esconder na grama e dominar na surdina os desafetos que se aproximarem. Inclusive há sinais visuais e sonoros de quando você está sendo visto, assim como em jogos totalmente focados no stealth. Faz falta a opção de assobiar ou atrair os inimigos para suas armadilhas de alguma forma, mas ainda assim é bem mais avançado do que anteriormente.

MUNDO ABERTO? OH, NÃO!

Em alguns capítulos, você terá o controle de um veículo e liberdade para explorar um cenário enorme. Em jogos anteriores, em fases que envolviam carros, cavalos e afins, tínhamos sempre cenas de ação explosivas e adrenalísticas. Aqui é totalmente o oposto. Em Madagascar, por exemplo, você está em um deserto aberto com um jipe e pode ir para qualquer direção.

Isso vem sendo muito elogiado pela imprensa especializada, que gosta da tendência atual dos games de ser mais aberta e dar mais liberdade para o jogador. Se você acompanha meus textos, já sabe que eu penso diferente. Eu me divirto mais em jogos como Quantum Break que, ao chegar ao final eu sei que vi tudo que ele tem a oferecer e peguei todos os colecionáveis.

Estes capítulos mais abertos de Uncharted vão pelo lado oposto. Não basta dirigir o carro até seu objetivo. A Naughty Dog quer que você desça do veículo e cace colecionáveis espalhados pelo cenário como nos jogos da Ubisoft. Inclusive, em um capítulo no qual você está num barco em alto mar explorando ilhas é impossível não se lembrar de Assassin’s Creed IV: Black Flag.

Esta flertada com mundo aberto, em minha opinião, não torna Uncharted mais especial. Pelo contrário, o torna mais comum, uma vez que 90% dos jogos de grande orçamento dos últimos três anos são de mundo aberto. Assim, sempre que o jogo me dava um veículo e um cenário grande para explorar, o que eu mais queria saber é quando eu ia poder voltar a escalar e explorar a pé, que são as coisas que fizeram com que eu me apaixonasse pela série desde o início.

ESCALANDO

Uma coisa que foi bastante melhorada é justamente a mecânica de exploração. Agora você pode usar cordas e se pendurar no cenário como o Tarzan. Em vários momentos sua única opção de movimento será deslizar por uma ladeira íngreme que invariavelmente termina em um barranco com um lugar para jogar sua corda.

Chega a ser engraçado imaginar isso na vida real. “Hum… o único caminho é escorregar nessa ladeira que eu não consigo ver onde dá e muito provavelmente será um precipício. Ah, tudo bem, isso é um problema para o meu eu futuro resolver”. Num videogame, claro, você sabe que sempre haverá uma saída, então pode pular nessas ladeiras sem medo de uma morte inevitável.

O ato de escalar também está mais envolvente. Agora você pode controlar uma de suas mãos com a alavanca para agarrar saliências, o que é mais sutil do que simplesmente sair pulando de uma pedra para outra. Uma nova ferramenta também é liberada depois de um bom tempo de jogo que possibilita se agarrar em lugares que não têm saliências óbvias.

Se locomover em Uncharted foi o principal upgrade nesta quarta iteração, o que é algo que faz sentido uma vez que o foco agora não é mais nas cenas de ação cinematográficas, mas sim na exploração.

Quando chega a hora de dar uns pipocos, você vai encontrar um monte de armas com nomes novos, mas na prática elas são as mesmas que já apareceram antes. Revólveres, metralhadoras, rifles e escopetas, basicamente.

PEQUENAS COISAS

Tem algumas coisinhas menores que eu também quero comentar, como a existência de uma dificuldade “explorador”, destinada a aquelas que, nas palavras do jogo, “querem apenas explorar e curtir a história, sem a dificuldade do combate”. Embora isso não seja para mim (normalmente eu jogo pela primeira vez na dificuldade padrão), acho muito legal que a Naughty Dog tenha feito um esforço em acomodar pessoas que não são tão acostumadas com videogames. Isso é excelente para a indústria e não afeta a diversão de pessoas como eu e você que preferem jogar nos modos mais avançados.

Um ponto de acessibilidade que usei bastante é a possibilidade de reiniciar cutscenes. Isso ajuda bastante, pois elas são longas e é comum eu ter que pausar no meio delas para resolver outras coisas. Não é ainda o controle total de rewind e fast forward que eu acho que os jogos deveriam ter implementado anos atrás, mas é um passo na direção certa, especialmente quando lembramos que tem jogos que sequer deixam a gente pausar nas cutscenes.

Algumas coisas, no entanto, foram simplificadas de forma negativa. Em Uncharted 3, por exemplo, você conseguia ver os tesouros antes de pegá-los. Se era um copo, você via um copo no cenário. Agora voltaram a deixar como nos dois primeiros jogos, em que o tesouro é invisível a não ser por um breve brilho, que rola em intervalos pré-definidos. Isso é algo que já tinha criticado na minha resenha de Uncharted 2 e elogiei a mudança na de Uncharted 3, deixando este retrocesso decepcionante.

Uma outra coisa que já critiquei várias vezes nos jogos da Naughty Dog é que eles não te avisam quando você chega em um checkpoint. Em todos os jogos anteriores, você pelo menos podia ver pelo menu quantos minutos atrás foi o último checkpoint. Agora nem isso o jogo fornece mais. O único momento seguro para se parar de jogar é após uma cutscene, e isso vai contra a acessibilidade que a desenvolvedora parece estar comprometida em criar.

Já escrevi pra caramba, e ainda nem falei sobre o outro grande pilar do jogo.

MULTIPLAYER

O delfonauta sabe que eu não sou um jogador ávido de PVP, especialmente porque eu apanho muito. O de Uncharted 4, no entanto, me pareceu bem acessível. Eu conseguia manter uma proporção bacana de vitórias e derrotas, o que me dava vontade de continuar jogando.

Verdade que ele não tem nenhum modo realmente único. Neste momento, são apenas três. O popular team deathmatch, o tradicional capture the flag e um outro de captura de zonas.

Claro que a Naughty Dog deu uma repaginada nas fórmulas para se adequar a Uncharted. O foco na movimentação é especialmente divertido. É muito legal se pendurar numa corda e cair em cima de um jogador do time adversário ou então atirar em um que está usando uma corda e vindo na sua direção.

Como novidades, o gameplay traz duas adições: sidekicks e mysticals. Sidekicks são exatamente o que você imagina: personagens extras que vão te acompanhar matando inimigos ou salvando você e seus companheiros quando estiverem caídos.

Mysticals são superpoderes sobrenaturais baseados nos tesouros dos jogos anteriores que podem servir para ataque ou para a defesa. Você pode usar tanto Mysticals quanto sidekicks com dinheirinho que você ganha durante a partida por vencer adversários ou quase qualquer outra ação.

Uma coisa que eu achei legal no multiplayer de Uncharted 4 é que ele tem um clima de jogo mesmo. Os personagens falam bastante durante as partidas, mas o trash talk e referências que eles fazem não dá a sensação de que as partidas são combates de vida ou morte, mas algo como se os heróis e vilões da série estivessem se encontrando para uma amigável partida de paintball ou algo assim. Grande sacada da Naughty Dog.

MAPEADO

Uncharted 4: A Thief’s End é um jogaço. Se você tem um PS4, não tem porque pensar duas vezes antes de jogá-lo. O que temos aqui é, ao lado de Bloodborne, o melhor exclusivo do console da Sony. Ao contrário de Bloodborne, no entanto, aqui temos algo mais acessível e que mais gente vai conseguir jogar, tornando-o talvez o primeiro grande system seller do PS4.

Colocando-o no contexto da série Uncharted, eu não diria que ele é o melhor de todos, posto que dou para Uncharted 2: Among Thieves, que considero que tem um timing e um equilíbrio melhor entre ação e exploração.

Ainda assim, A Thief’s End é uma conquista técnica e artística, um dos jogos mais bonitos da atualidade (muitos diriam que é o campeão) e um ponto final digno para esta que, se realmente encerrar neste jogo, é uma das melhores séries da história dos games.

NÃO ACABOU AINDA

Nossa cobertura deste grande lançamento não acaba com este texto. Abaixo você confere algumas imagens focadas no gameplay do jogo, mas semana que vem publicaremos um artigo com dezenas de imagens belíssimas e exclusivas, tiradas usando o photo mode do jogo.

Além disso, amanhã publicaremos o relato da nossa visita à sala de Uncharted no Escape 60. Mantenha-se delfonado.

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