*Esta matéria faz parte de uma série de registros que relatam as experiências vividas em The Solus Project. Você pode ler a Parte 1 aqui.

DIA 3

Consegui escapar do furacão, mas agora me vejo preso em uma catacumba escura e nada amigável. Sem qualquer opção além de continuar descendo pela garganta pedregosa e rarefeita da caverna, uso minha tocha para iluminar o caminho e afastar as sombras desta hedionda escuridão de pixels.

Falando em tocha, há algo de muito errado (ou certo) com ela, porque sua chama jamais se apaga. Será que o fogo consome menos oxigênio neste planeta? Ou seria apenas uma decisão contestável tomada pela desenvolvedora? Não sei e nem quero saber, desde que possa enxergar para onde estou indo.

Preciso atravessar um pequeno lago se quiser continuar explorando a caverna. Entro nele bem devagar, torcendo para que isso seja mesmo água, e não algum tipo de ácido extraterrestre que irá me corroer até os ossos.

The Solus Project, Delfos
Parece uma piscina de Gatorade.

A notícia boa é que sim, isso é água. A notícia ruim é que minha tocha se apaga assim que entro no lago, desta forma provando que pode até queimar infinitamente, mas não é à prova de idiotas. Vivendo e aprendendo.

Sigo nadando no escuro. Quando alcanço terra firme outra vez, Jarvis informalmente me diz que estou morrendo de hipotermia (de novo). Que fique registrado: este é o lugar mais frio em que estive depois de Curitiba.

Enquanto investigo a caverna, as paredes de pedra subitamente começam a vibrar, assim como o teto, o chão, a câmera e o DualShock 4. É um terremoto. Claro, o melhor lugar para se estar durante um terremoto é debaixo da terra. Fico esperando que tudo desmorone e o chão se abra sob meus pés invisíveis, mas o tremor eventualmente diminui e por fim desaparece.

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Jarvis se recusou a ir na frente.

Fico feliz por estar vivo. Mas, antes que possa comemorar esta pequena vitória, Jarvis informalmente me diz que estou morrendo por inanição (de novo). A coisa se torna uma aposta mental: morrerei primeiro de fome ou de frio? Antes que possa decidir onde investir meu dinheiro, capoto no chão insensível da caverna e uma mensagem na tela me lembra de que a humanidade está contando comigo para fazer acontecer a perpetuação da espécie.

“Continuar?”

Sim, continuemos.

DIA 3 (e meio)

Esta caverna é um labirinto. Pelo menos consegui acender minha tocha outra vez. Há uma porção de velas apagadas aqui embaixo, e Jarvis me informa de que não são velas quaisquer: são velas ritualísticas.

Mas seria um ritual do bem ou do mal, Jarvis? Ele não sabe dizer, nem eu sei perguntar, e na dúvida vou acendendo todas as velas que encontro pelo caminho, torcendo para que isso agrade o santo.

Depois de horas percorrendo este labiríntico terreno, percebo que estou voltando para o lugar de onde vim. Andando em círculos, basicamente. E eu que achava idiota quando os personagens faziam isso nos filmes.

Em minhas buscas para encontrar o caminho para fora daqui, fiz contato com uma forma de vida. Ou poderia dizer que são várias formas de vida. Elas vieram acompanhadas do primeiro jump scare que presenciei desde o início da campanha.

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Não parece tão assustador agora.

Essas coisinhas são como ouriços-do-mar flutuantes. Apesar de terem me assustado, são completamente inofensivas, e correm para longe quando tento me aproximar. Isso aí, formas de vida. Corram de mim se quiserem viver.

DIA 4

O dia virou e só percebi agora. Aqui embaixo é escuro, faz o sujeito perder a noção do tempo. Encontrei uma galeria de corredores subterrâneos. Há pinturas nas paredes e estátuas alienígenas (definitivamente alienígenas, do tipo que faz você dizer “Isso com certeza é alienígena”). Sinto medo pela primeira vez.

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Isso com certeza é alienígena.

DIA 5

Continuo preso dentro desta caverna. Encontrei armadilhas, dispositivos e um esqueleto humanoide. Também ouvi gritos enquanto vagava por aí em busca de comida. Parece certo dizer que não estou sozinho aqui.

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O inverso de um tapete vermelho.

Depois de dias percorrendo as artérias frias da caverna, avisto uma luz no fim do túnel e corro até ela. Enquanto avanço, o cenário ao meu redor começa a travar, assim como meus movimentos, como se cada gesto estivesse sendo picotado e sobreposto ao gesto seguinte. Que diabos está acontecendo? Parece que, além da escassez de água, alimentos e esperança, estou enfrentando agora também a escassez de frame rate.

Finalmente consegui sair da caverna. Estou novamente na praia, mas não sei se continuo na mesma ilha (parece que não). É reconfortante olhar o céu outra vez. Sem perder tempo, Jarvis me aponta um novo objetivo. Chegando lá, descubro um módulo sobre as montanhas, parecido com aquele que me trouxe até aqui.

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THE SOLUS PROJECT. Módulo nas Montanhas. Pixels sobre tela, 1920×1080. Gliese-6143-C, 2017.

Há diversas páginas de anotações espalhadas ao pé da montanha. Elas contam um pouco sobre a vida do astronauta que estava dentro do módulo, um tal de Yuri. Parece que ele se feriu na queda e não estava muito feliz com o que encontrou por aqui.

Em seus registros, ele diz estar procurando por componentes eletrônicos para consertar um satélite que, diz ele, está por aí em algum lugar. Assim, ele poderia enviar uma mensagem para casa avisando sobre suas descobertas (que não parecem nada promissoras, ainda que suas anotações sejam bastante vagas sobre isso).

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Parece que não sou o único por aqui escrevendo um diário, hein?

Opa, então existe um satélite por aqui! Quem sabe até mesmo Yuri esteja vivo. Não seria nada mal ter um pouco de companhia e alguém para dividir a louça.

Leio cada uma das anotações de Yuri em busca de maiores informações, mas 16 páginas depois descubro que estou sendo enrolado e sei tanto sobre a situação de Yuri quanto sabia na terceira página. Devia ter esperado sair o filme.

Metros adiante, encontro um homem que suponho ser Yuri recostado contra a parede de uma caverna, as pernas desleixadamente afastadas, a cabeça pendendo meio de lado e os braços frouxos caídos ao lado do corpo. Está bêbado, o desgraçado.

Vou me aproximando em silêncio, procurando desesperadamente em meu inventário por uma caneta com a qual fazer desenhos fálicos na testa deste cosmonauta embriagado, mas então percebo que este não é apenas mais um caso de bebedeira. Yuri está morto, minha gente.

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Pelo menos morreu encostado.

Junto ao corpo do astronauta, encontro também uma lanterna, cuja bateria recarrega com energia solar, e uma mochila que me permite levar mais itens no inventário (ainda que o espaço nunca seja suficiente).

Jarvis me diz que preciso continuar a missão de Yuri: encontrar as peças que faltam para ligar o satélite e fazer um interurbano para casa. Enquanto procuro pelas peças, subindo a encosta gelada da montanha, uma nevasca se forma em volta de mim. O simples toque da neve em meu traje é o bastante para umedecer minhas roupas, e Jarvis me avisa de que estou molhado. Ui.

O satélite mencionado pelas anotações de Yuri está esperando por mim no topo da montanha. Talvez eu possa ir embora daqui, afinal. Instalo as peças eletrônicas que já tenho – painéis, placas e cabos –, mas o satélite se recusa a funcionar. Parece que ainda preciso encontrar outra dúzia de peças antes de poder usá-lo para pedir uma pizza.

Uma missão ingrata, considerando que essas peças podem estar em qualquer lugar do planeta e eu simplesmente não tenho um mapa para me guiar.

DIA 7

O que houve com o dia 6?

Acho que bebi demais e me esqueci de anotar. Estou mais uma vez debaixo da terra, e constantemente perguntando a mim mesmo: por que criar um planeta com áreas abertas tão bonitas e me obrigar a passar 90% do tempo percorrendo túneis subterrâneos? Por quê, game designers, por quê?

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Arte moderna, vai entender…

Faz horas que estou tentando encontrar o caminho para a próxima área. Há diversas colunas de pedra em um salão, e sei que preciso pular sobre elas para alcançar a saída do outro lado, mas a realização desse feito parece um sonho impossível. Devo estar deixando algo passar batido.

Depois de encontrar a morte umas duas ou 15 vezes enquanto tento saltar de uma plataforma para outra (e sempre me esborrachando no chão abaixo), decido que não gosto tanto assim da humanidade afinal, e ela que encontre uma forma de salvar a si mesma. Humanidade, pff. Quem se importa com ela?

Acho que realmente bebi demais. Está na hora de dormir. Dormir de verdade, digo. Tentemos outra vez amanhã, se a ressaca não bater muito forte.

DIA 7 (no dia seguinte)

Parece que eu estava mesmo bêbado. Tentei novamente e consegui resolver o puzzle em cinco minutos. Era só empurrar as colunas até que elas ficassem alinhadas, formando um tipo de escadinha que me permitiu chegar totalmente vivo à área seguinte.

Peço desculpas pelo que disse ontem sobre você, humanidade. Continuarei seguindo firme em busca de sua salvação. Afinal, se você morrer, não haverá ninguém para me tirar deste planeta, muito menos quem leia este diário.

Entrarei em contato assim que tiver novos relatórios. Por enquanto, tentarei me manter sóbrio por você, povo da Terra. Enquanto isso, como mostra de boa-fé, fiquem com a foto deste belo gatinho que encontrei em uma de minhas expedições.

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Encontrei a foto, não o gato.

CONTINUA…

*Você pode ler as próximas partes aqui: Parte 3. Parte 4.