Robert Morgan é um cineasta britânico que trabalha com animações em stop-motion. Mas não são quaisquer animações, não, senhor. Seus trabalhos são pautados pelo que deve haver de mais bizarro, grotesco e insólito em termos de narrativa e desenvolvimento de personagens.

Pense em um diretor hipoteticamente gerado a partir da combinação de David Lynch, Cronenberg e Jodorowsky, e você terá uma vaga noção do que esperar desse tal de Morgan. De todos os seus curta-metragens (devem existir uns oito), há um que se destaca por seu brilhantismo técnico e conceitual: Bobby Yeah, um filminho deveras mindfucker.

DEVERAS MINDFUCKER

A sinopse seria mais ou menos a seguinte: Bobby Yeah é uma criaturinha antropomórfica que se diverte roubando e provocando o caos. Até o dia em que cruza o caminho de seres perigosos e se vê cercado por acontecimentos que fogem de seu controle. Esses acontecimentos englobam desde a aparição de criaturas mutantes até uma perseguição entre realidades. E no centro de tudo está Bobby, que tenta desesperadamente fugir da responsabilidade por seus crimes.

Bobby Yeah, Delfos
Ele é mais amigável do que parece.

É muito difícil definir Bobby Yeah (o personagem, não o curta). Ele é meio humano, meio coelho. Meio criança, meio psicopata. Apesar de sua aparência ameaçadora, com os olhinhos carentes de pálpebras e o sorriso meio lunático rasgado no rosto, Bobby Yeah também protagoniza demonstrações de afeto – ou ao menos de infantil curiosidade.

Ele não é inerentemente mal. Seu desejo maior, ao que parece, é apenas se divertir naquele mundinho distorcido. O problema é que Bobby tem um toque de Midas ao contrário: tudo aquilo em que toca se transforma em um pesadelo. Mas ele nunca aprende com os próprios erros, e insiste em repetir o mesmo comportamento autodestrutivo a cada nova oportunidade.

APERTA ESSE BOTÃO, VAI

Durante os 23 minutos de duração do curta, Bobby Yeah está constantemente sendo colocado à prova pela figura do botão vermelho. Para todos os efeitos, esse botão pode ser entendido como uma metáfora para as escolhas ruins que nós – assim como Bobby – gostamos de tomar.

Cada vez que Bobby Yeah pressiona o botão, a realidade sofre alguma horrenda mudança, tornando sua vida ainda mais complicada. E, por força das circunstâncias, diversos botões vermelhos surgirão em seu caminho (cenas marcadas por uma espetacular linha de contrabaixo).

Bobby Yeah, Delfos
Poucas coisas são tão alegóricas quanto um botão vermelho.

Nessas ocasiões, Bobby Yeah pondera e gesticula, meio que medindo a situação. Valeria a pena apertar outro botão vermelho, sabendo dos riscos envolvidos? A resposta, invariavelmente, será afirmativa.

Movido por uma curiosidade mórbida e sem o menor senso de autopreservação, Bobby insiste em pressionar uma e outra vez aquele atraente botão vermelho. Mesmo sabendo que vai dar merda. Apenas pelo prazer de ver a coisa acontecendo. Nem que, para isso, acabe condenando a si mesmo e a todos ao seu redor. Vai dizer que essa não é basicamente a história da humanidade?

O enredo possibilita um sem-fim de interpretações – inclusive a interpretação cínica de que inexiste um enredo –, e cada um poderá tirar dali sua própria mensagem, se é que existe alguma. Para mim, Bobby Yeah (o curta, não o personagem) é sobre a incapacidade de controlarmos a nós mesmos, e sobre as insanas batalhas que nos obrigamos a travar em função disso.

TÃO HORRÍVEL QUE CHEGA A SER BONITO

Para além de seu doentio e formidável conteúdo, Bobby Yeah é um deleite para os olhos. Apesar do espírito nonsense do curta, existe muito de realismo na textura dos personagens e ambientes, especialmente nas cenas mais gore.

A pele das criaturas é meio brilhante, com um aspecto mais orgânico que o necessário. Quando rola uma nojeira (e rola bastante), dá quase para sentir a viscosidade das substâncias.

Já o design das aberrações que povoam esse universo é tanto criativo quanto inquietante, capaz de causar inveja a muitos mestres de horror japoneses por aí. É tudo muitíssimo benfeito, e não à toa Bobby Yeah foi indicado para o BAFTA (o “Oscar britânico”) em 2012.

Bobby Yeah, Delfos
Sim, é uma cabeçona com patinhas de cavalo e tumores diversos.

Bobby Yeah não é apenas um curioso curta-metragem gerador de pesadelos, mas uma experiência sensorial. Por isso, sugiro assistir na íntegra aí embaixo em uma tela de verdade (celular não conta), com as luzes apagadas e, se possível, sem ninguém por perto – só para evitar que tenham impressões erradas sobre você, caso te peguem assistindo.