“Teria sido melhor ir ver o filme do Pelé”. A clássica fala que o Chaves repete à exaustão no episódio em que a turma da vila vai ao cinema foi bastante usada à época em que o rei do futebol ganhou um documentário sobre sua vida e carreira em 2004. Mas duvido que voltará a ser usada com este Pelé: O Nascimento de uma Lenda.

Afinal, qualquer coisa é melhor do que assistir a este filme do Pelé, uma cinebiografia gringa que mistura atores estrangeiros e brasileiros para contar de maneira romanceada os primeiros anos do maior futebolista que esse mundo já viu, quando sequer tinha seu apelido consagrado, sendo ainda chamado como Dico.

O longa vai da infância pobre em Bauru, passando por sua ascensão meteórica no Santos e culminando com o título de sua primeira (e também do país) Copa do Mundo, em 1958 na Suécia, conquistada quando ele tinha apenas 17 anos de idade, para assombro mundial.

Delfos, Pelé: O Nascimento de uma Lenda, Cartaz

É sim material para uma boa cinebiografia sobre um dos esportistas mais conhecidos do mundo. Só que a coisa apresentada aqui é bem, mas bem, mas beeeeeeem tosca. Passa do ponto onde é apenas risível e vai morrer no terreno do patético.

Esse é daqueles filmes onde todos falam em inglês, porém com um sotaque bizarro que passa longe de ser o nosso quando nos expressamos na língua de Shakespeare. Para piorar, ele também é do tipo que mistura palavras em português em meio às frases em inglês. O que fica ainda mais bizarro e mata os atores importados, que não conseguem dizer coisas simples como “mãe”. Ou seja, a produção consegue a proeza de ferrar tanto o elenco brasileiro quanto o estrangeiro.

A ambientação brasileira também é a típica visão estereotipada de um estadunidense. Bauru é retratada como um favelão no meio do mato. Aí o jovem Pelé vai para Santos, que é retratada como um favelão à beira-mar. É triste.

USE THE GINGA, PELÉ

Para piorar, ele parece ter sido feito por uma dupla de diretores e roteiristas que nunca viu um jogo de futebol na vida e todo conhecimento do esporte que eles têm parece saído de um episódio de Super Campeões. Todas as coreografias dos jogos consistem basicamente em Pelé chapelando todo mundo. É muito exagerado.

https://www.youtube.com/watch?v=8ih7YJpa_ro

E por que caramba transformar o protagonista num underdog? O cara é simplesmente o maior jogador de futebol de todos os tempos, não precisa ser tratado como um coitadinho que precisa superar as adversidades, incluindo dentro de campo.

E caramba, tratar a chamada ginga do futebol brasileiro como uma espécie de qualidade sobrenatural, tipo a Força, é uma das coisas mais involuntariamente engraçadas que já vi num filme.

Você pode até não gostar da pessoa Edson Arantes do Nascimento, que vira e mexe costuma soltar declarações bastante infelizes (para dizer o mínimo) sobre assuntos importantes do nosso país e também sobre o futebol.

Mas é inegável que o atleta Pelé foi um dos maiores de todos os tempos e mereceria uma história no cinema contada com muito mais capricho. E de preferência por quem entenda minimamente do assunto. Não foi dessa vez que poderemos brincar que seria melhor ir ver o filme do Pelé. Porque, neste caso, isso seria uma baita mentira.

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Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
pele-o-nascimento-de-uma-lendaTítulo: Pelé: Birth of a Legend<br> País: EUA<br> Ano: 2016<br> Gênero: Cinebiografia<br> Duração: 107 minutos<br> Distribuidora: Europa Filmes<br> Diretor: Jeff Zimbalist e Michael Zimbalist<br> Roteiro: Jeff Zimbalist e Michael Zimbalist<br> Elenco: Kevin de Paula, Seu Jorge, Milton Gonçalves, André Mattos, Vincent D'Onofrio, Colm Meaney e Rodrigo Santoro.