Obduction é o novo jogo da Cyan Worlds, os criadores de Myst. Se você tem algum interesse na história dos games, com certeza já ouviu falar de Myst. Ele foi lançado em 1993, no início da era dos CD-ROMs e se tornou o jogo mais vendido da época, sendo ultrapassado quase uma década depois por The Sims.

Mais importante do que a quantidade de vendas é o fato de que eu era obcecado por ele. No entanto, ele mais me intrigava do que me agradava.

MINHA HISTÓRIA COM MYST

Eu era fascinado pela sua beleza, seu mistério e sua natureza tranquila e não violenta. No entanto, simplesmente me faltava saco para terminá-lo. Apesar de ele parecer ser o primeiro dos walking simulators, na prática ele era um jogo de quebra-cabeças que exigiam muita paciência do jogador.

Desde que eu tive meu primeiro computador, eu tentei jogá-lo várias vezes. A mais recente foi no início dos anos 2000, quando ele foi relançado em uma caixa bonitona que incluía, acredito, os três primeiros jogos.

Obduction, Delfos
Esta é uma imagem de Obduction, mas vai dizer que não parece Myst?

Eu não sei dizer com certeza se, nesta última tentativa, eu consegui terminar o primeiro. Lembro de ter jogado pelo menos um pouco de cada, mas não acho que terminei nenhum deles. O jovem Corrales gostava muito de explosões, heavy metal e violência explícita para conseguir dedicar a atenção que estes jogos exigiam.

OBDUCTION, O SUCESSOR ESPIRITUAL

Após uma campanha bem-sucedida no Kickstarter, a Cyan, agora operando como uma desenvolvedora independente, lançou Obduction. Oficialmente, ele não é uma sequência, mas tem claramente o DNA dos jogos que colocaram a empresa no mapa.

Trata-se de uma aventura por mundos belíssimos e intrigantes e com uma história não intrusiva contada em alguns poucos encontros com atores de carne e osso.

Obduction, Delfos
Tipo assim.

Apesar de sutil, a história é bem interessante, e envolve abdução alienígena em um universo no qual seres humanos e outras espécies convivem de forma mais ou menos pacífica.

Mais interessante do que a história, no entanto, é o absurdo cuidado que foi investido em todos os aspectos. Há quatro mundos totalmente diferentes e igualmente belíssimos e intrigantes. Há algumas raças alienígenas e todas têm sua cultura, arquitetura e visual distinto. O negócio é tão completo que elas têm até sistemas numéricos próprios.

QUEBRA MINHA CABEÇA

E aí entra o principal problema: Obduction é obtuso demais. Seu objetivo em cada um deles é fazer a água chegar na árvore que dá vida ao local. Para conseguir isso, no entanto, você deve “resolver” cada um dos mundos e os quebra-cabeças são de, literalmente, quebrar a cabeça. Lembra que eu falei que os ETs têm sistema numérico? Pois então, você não só vai ter que adivinhar códigos, como vai ter que aprender o sistema numérico ficcional para implantar os códigos nele.

Obduction, Delfos
Este desenho aparentemente aleatório representa um número e você tem que saber lê-lo.

Boa parte dos desafios envolve deduzir códigos baseado nas parcas informações que você encontra em diários ou em detalhes do cenário. E a Cyan não tem dó não. Quando você não precisa colocar os códigos em um sistema alienígena, ela não se limita na quantidade de caracteres. Saca só.

Obduction, Delfos
Este é um código que você tem que adivinhar. O código que eu usei para baixar o jogo no meu PS4 tinha metade desse tamanho.

O negócio é tão ridiculamente complexo que não se trata de um jogo de puzzles a serem solucionados. Parece-me simplesmente impossível terminar o jogo sem um guia. No terceiro mundo, por exemplo, tem um labirinto que você deve girar partes dele, teleportá-las de um mundo para o outro, girá-las neste outro mundo e colocá-las de volta em outro lugar no labirinto original. Fala sério, o negócio é tão complexo que você não acha um guia passo a passo na internet, você acha um programa para te ajudar a solucionar. Sério mesmo. E ainda usando este programa, eu demorei quarenta minutos para conseguir passar.

Obduction, Delfos
Vendo o labirinto solucionado você não imagina o suor que foi resolver isso.

Assim, Obduction é um jogo lindo, profundo, vitaminado. Mas ele é tão anti-jogador que acaba se sabotando. Sabe o que ele me lembrou?

DARK SOULS

Já falamos bastante aqui de Dark Souls. Eu gosto de comparar o jogo da From Software a um relacionamento abusivo. O jogo é lindo e há um cuidado com o design de cada mundo e de cada inimigo que o torna uma verdadeira conquista dos games. Porém, para você ver tudo isso, tem que jogar muitas vezes as mesmas coisas, uma vez que os checkpoints são distantes e é difícil avançar.

Dark Souls é um jogo de ação. Progredir nele exige destreza nos dedos, que é algo que guia nenhum pode te dar. Obduction é um jogo de estratégia. Desta forma, mesmo que você não tenha paciência para resolvê-lo sozinho, sempre pode apelar para o pai dos burros internético. E isso é fato, porque mesmo eu não tendo tido paciência para os puzzles mais exigentes, meu perfil na PSN ostenta a platina deste jogo.

Obduction, Delfos
Doce platina.

No entanto, eu fiquei em dúvida se ia simplesmente chegar ao fim. E digo mais, se não estivesse jogando para resenhar, provavelmente eu teria desistido no primeiro mundo, o que seria uma pena.

Acontece que, assim como em Dark Souls, a exploração é fantástica. Já falei bastante do design belíssimo do jogo, e seus complexos mundos trazem atalhos e portas fechadas que só podem ser abertas de um dos lados (e você só chega lá solucionando desafios). Eu simplesmente queria ver tudo que o jogo oferece, mesmo me sentindo constantemente impedido de avançar.

Obduction, Delfos
Coisa linda demais esse Obduction!

PROBLEMAS TÉCNICOS

Além disso, o jogo traz consigo uma miríade de problemas técnicos que atrapalham bastante. Constantemente, mesmo quando você está simplesmente andando para lá e para cá, o jogo dá pequenas travadinhas. Coisa de um ou dois segundos, mas incomoda e prejudica a imersão.

Ele também tem loads enormes, que chegam a durar dois minutos, cada vez que você muda de mundo. Isso se torna agravante em puzzles que exigem que você se teleporte várias vezes de um mundo para o outro, como o caso do labirinto supracitado. Basicamente, você vai apertar um botão, esperar dois minutos, mexer numa alavanca, esperar mais dois minutos e assim por diante, o que torna ainda mais inviável solucionar um puzzle como o do labirinto por vontade própria. E detalhe, eu estava jogando num PS4 Pro, imagino que a performance seja ainda pior em um PS4 padrão.

Obduction, Delfos
Uma porta para o infinito. Ou só para um outro mundo.

Para completar, embora a trilha sonora seja belíssima, tem algum problema na qualidade do áudio, que costuma chiar com frequência, especialmente nas vozes. Tem até uma opção nas configurações que afeta a qualidade do som. Para que isso? Estou jogando no PS4, não em um PC, ele já deveria vir otimizado. Além disso, há um bug no qual eu colocava a qualidade em alta e ele sempre voltava para a opção padrão.

Ele também deveria ser compatível com PS VR, mas esta opção, prometida em um update gratuito, ainda não está disponível. Se ele mantiver os gráficos em VR, provavelmente teríamos aqui uma das experiências mais fortes da tecnologia, mas por outro lado é um saco ficar tirando o óculos a toda hora para checar guias.

UMA RECOMENDAÇÃO CAPCIOSA

Dito tudo isso, eu fico em cima do muro para indicar Obduction para alguém. Seu mundo, sua cultura, sua história… enfim, absolutamente toda a construção do que temos aqui é primorosa.

Obduction, Delfos
Sai pra lá, insetos!

Por outro lado, é um jogo que exige uma paciência absurda para ser completado sem um guia do lado. Isso para não dizer que o bagulho é impossível. Sinceramente, terminar isso sozinho dá poderosos bragging rights para quem conseguir.

E daí, se você, como eu, não tem paciência para jogos não intuitivos e vai de fato colar de um guia, será mesmo que este é o melhor investimento do seu tempo e do seu dinheiro? Ele tem muitas qualidades, assim como Myst, mas simplesmente exige do jogador um comprometimento que a maioria das pessoas não está disposta a dar. Mas puxa vida, olha como ele é lindo!

Obduction, Delfos