O Quarteto Fantástico – O filme nunca lançado

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O delfonauta fã de quadrinhos já deve ter visto o Quarteto Fantástico de Tim Story e com certeza sabe da existência do filme de 1994 que nunca foi lançado comercialmente produzido por Roger Corman e renegado pela Marvel.

Aproveitando a nova versão que acaba de chegar aos cinemas, todos os veículos nerds aproveitaram para falar da malfadada produção dos anos 90. Conosco não seria diferente, afinal também somos filhos de Deus (se é que Ele existe) e também queremos nossa fatia do bolo (hum, bolo…). Portanto, prepare-se para ler sobre um dos piores filmes que este que lhe escreve já teve o desprazer de assistir.

Existem muitas histórias sobre a malfadada produção do filme. A que parece ser mais correta é a seguinte: uma produtora havia comprado os direitos do filme, mas demorou a produzi-lo. Se o prazo expirasse, eles teriam de pagar uma multa contratual para a Marvel. Para escapar dessa, decidiram fazer o filme a toque de caixa e chamaram para a empreitada Roger Corman, mestre em produzir filmes de orçamento irrisório (o cara tem mais de uma centena deles no currículo). O filme foi feito e a Marvel teve o bom-senso de vetar o lançamento. Não satisfeita, ainda destruiu quase todas as cópias. Todas? Não, pois uma pequena cópia ainda resistia bravamente ao invasor. Essa cópia foi… bem… copiada e era comumente vendida em convenções de quadrinhos. Agora, com o advento da Internet, rapidamente se espalhou pelo mundo.

Outra versão da história que parece ser bem possível diz que o tal estúdio sabia que a Marvel queria fazer um filme de grande orçamento com Chris Columbus (isto é verdade, Columbus esteve ligado ao projeto por um bom tempo, mas teve que largar mão, pois se comprometeu com a franquia de Harry Potter) assim que os direitos do filme voltassem para ela, mas não iria querer uma versão capenga do Quarteto lançada antes. Assim, o filme foi feito e a Marvel torrou uma nota para comprar as cópias da película e evitar seu lançamento. Ou seja, a produtora picareta ainda saiu no lucro.

Enfim, seja lá qual história for a verdadeira, o fato é que a Marvel acertou em não lançar o filme. Ele de fato é muito, mas muito ruim. Claro que nós, fãs de quadrinhos, temos uma curiosidade mórbida, mas devo dizer que eu me arrependi de ter assistido a essa tranqueira. Entrou sem cerimônia na minha lista dos piores de todos os tempos. Acompanhe comigo a trama dessa desgraça e saiba o porquê. Mas fique avisado, vou comentar o filme inteiro nessa resenha, então se você não quiser saber, pare de ler agora.

Ainda aqui? Curioso, hein? Vamos lá, então. O filme começa com Reed Richards ainda na faculdade. Jovem brilhante, ele desenvolve junto com o colega de classe Victor Von Doom uma máquina para capturar raios cósmicos e transformá-los em fonte de energia. Porém, Victor erra os cálculos, a máquina se sobrecarrega e acaba fritando Von Doom com um raio. Ben Grimm, também colega de classe dos dois, ainda tenta salvá-lo, mas Doom é dado como morto.

Dez anos depois, Richards, já com as têmporas tingidas de branco, planeja conduzir o experimento novamente, dessa vez no espaço. Para isso conta com a ajuda de Ben, seu piloto, e dos irmãos Susan e Johnny Storm, que ele conhece desde que estes eram apenas crianças (!!). Aliás, os dois só embarcam na jornada porque foi assim que aconteceu nos quadrinhos. Eles não têm função nenhuma no projeto de Reed! (Nota do Carlos: segundo a paródia dos quadrinhos chamada Sérgio Aragonés Destrói a Marvel, Susan existe para enfeitar a história).

Bem, para a nave agüentar o tranco dos raios cósmicos, Reed usa um diamante gigante (vai entender…), mas ele é trocado por um falso pelo Joalheiro, um tipinho que é o rei dos mendigos de Nova Iorque. O tal Joalheiro (um anãozinho feioso) roubou a peça para dar de presente para Alicia Masters, uma escultora cega, pela qual ele se apaixonou e quer que seja sua rainha.

Sem a proteção da jóia, a nave é banhada pelos raios cósmicos e cai na Terra (a queda não é mostrada por razões orçamentárias). Os quatro escapam sem um arranhão, mas logo descobrem que ganharam poderes fora do comum.

Reed consegue esticar seus braços e pernas (o resto do corpo os defeitos especiais não permitem. E deixa de ser safada!). Sue fica invisível, e lá no final do filme vai gerar apenas um campo de força (espera aí, ela já sabia que podia fazer isso? Se sabia, por que não falou nada?). Johnny consegue incendiar qualquer parte do corpo e disparar rajadas de fogo, mas ele só pega fogo por inteiro e voa no final do filme, quando é substituído por um desenho animado! E claro, Ben se transforma num monstro rochoso e de enorme força. Inacreditavelmente, a maquiagem do Coisa é um dos aspectos mais bem feitos do filme, o que também não quer dizer muita coisa. O ator que o interpreta é baixinho, então, quando está com a roupa de pedras, em vez de parecer forte, o Coisa parece mais um gordo. O rosto também tem seus problemas. Ele tem aquela monocelha protuberante como nos quadrinhos, mas ela torna quase impossível enxergar os olhos do infeliz. Além disso, sua boca animatrônica (no estilo Família Dinossauros) tem movimentos bem limitados.

Voltando à trama, os quatro são resgatados do lugar da queda e levados para um laboratório onde ficam de quarentena. Acontece que eles estão no laboratório do temível Doutor Destino. Isso mesmo, Victor não morreu no acidente de dez anos atrás. Agora ele é o governante da Latvéria (que se resume ao seu castelo, que é uma pintura, e dois capangas trapalhões) e deseja vingança. Sua armadura é igual à dos quadrinhos e o diretor acertou em mostrá-la apenas em cenas escuras para não dar bandeira de que ela é de plástico. Porém, Destino apresenta alguns problemas: ele não pára de ficar abrindo e fechando as mãos para fazer um barulhinho maquiavélico de metal se chocando contra metal e simplesmente não dá pra entender quase nada do que ele fala. Parece até que o sujeito está com um ovo na boca!

Enfim, o quarteto nada fantástico consegue escapar e retornar a Nova Iorque. O Coisa passa pela tradicional crise de “eu sou um monstro” e se junta aos mendigos do Joalheiro. Destino tenta roubar o diamante do Joalheiro. Sue faz os pijamas, isto é, os uniformes do Quarteto e Destino ameaça destruir Nova Iorque com um raio laser.

Pausa para comentar os piores momentos do filme:

– Quando ainda estão de quarentena no laboratório de Destino, eles traçam um plano de fuga. Quando três manés (não que tenha algo de errado em se chamar Manuel) entram com roupas de proteção contra radiação no laboratório, o Coisa nocauteia os três para roubar os tais trajes. Bem, até aí nada de errado. Só que não vemos as porradas. No momento em que Grimm avança pra cima dos três, a imagem gira 360 graus três vezes e ouvimos aqueles barulhos clássicos de socos. Quando a tela pára de girar os três já estão nocauteados e sem as roupas. Simplesmente ridículo. (Nota do Carlos: o mais irônico é que o Cyrino é um grande fã de Kevin Smith, que faz quase a mesma coisa nas cenas de ação, como nós vimos em Dogma).

– Reed descobre que seus poderes são reflexos de suas personalidades. Susan é muito tímida e por isso fica invisível. Johnny é esquentadinho e logo, pega fogo. Reed quer fazer tudo ao mesmo tempo e por isso se torna elástico e Ben sempre preferiu a força bruta ao intelecto, daí se transformar num monstro de pedra. Ah tá…

– Em determinado momento, Alicia diz a Ben que o ama e ele volta instantaneamente à sua forma humana (com novo giro de tela). Quer dizer então que ele só precisava de amor? Que meigo!

– Em dois planos, a câmera mostra o ponto de vista de Alicia. No primeiro, quando ela é seqüestrada, um dos capangas do Joalheiro espirra clorofórmio em seu rosto. No segundo, o tal capanga fica fazendo caretas pra ela. Espera aí, ela não é cega? Seu ponto de vista não deveria ser uma tela preta? Meus cumprimentos ao diretor Oley Sassone. Se houver justiça nesse mundo, esse cara nunca mais deve ter pisado num set de filmagens.

– O Quarteto Fantástico é batizado pela mãe dos irmãos Storm. Que diabos a futura sogra de Richards está fazendo aqui?

Voltando ao emocionante (modo de dizer) clímax do filme, nossos heróis, já devidamente trajados com suas fantasias mal feitas, rumam para o castelo de Destino, onde dão um pau nos capangas do ditador. Destino dispara seu raio mortal, mas o Tocha Humana (em toda sua glória de desenho animado) consegue impedir a destruição de Nova Iorque. Richards e Destino travam o duelo final, que termina com Reed acertando um soco elástico em Doom, que fica pendurado num precipício. O Sr. Fantástico tenta salvá-lo, mas o orgulhoso vilão prefere cair para a morte a ser salvo por seu rival. Afinal, todo vilão que se preze tem que morrer caindo, como o Destruidor no primeiro filme das Tartarugas Ninja (leia a resenha dos dois games mais recentes dos bichos verdes AQUI e AQUI) ou o Imperador em Star Wars – Episódio VI (na falta desse, leia a resenha do Episódio V e do Episódio III).

O filme termina com chave de ouro no casamento de Reed e Sue. Ela de vestido de noiva e ele com seu uniforme. Por que não ele de terno e ela de uniforme? Por que não todos em trajes cerimoniais? Ou principalmente, por que não avacalharam de vez e colocaram um 4 no vestido de noiva dela? Vai saber…

Ei, e o Joalheiro? O que aconteceu com ele? Mistério… Afinal, o sujeito simplesmente some de uma hora pra outra!

É inacreditável como tudo nesse filme grita “sou um filme de quinta categoria”. Desde a cenografia pobre, passando pelos defeitos especiais, a trilha sonora de novela mexicana (que incomoda muito) até o nível risível de interpretação dos infelizes do elenco (chamá-los de atores é uma ofensa aos verdadeiros profissionais da sétima arte).

Moral da história: não há nem como comparar esta realização fuleira com a nova produção capitaneada por Tim Story. O novo filme pode não chegar ao nível das franquias do Homem-Aranha (Leia a resenha de Homem-Aranha 2), dos X-Men (na falta do filme, você encontra a resenha do game X2 – Wolverine’s Revenge) e de Batman Begins, mas o orçamento bem mais generoso permitiu a realização de um filme bem divertido e que respeita os personagens.

Tudo o que o Quarteto Fantástico versão 1994 consegue é ser uma aula de como não se fazer um filme. Demorou um pouco, mas a Marvel finalmente aprendeu a zelar pelas adaptações de seus personagens para a telona. Nem que para isso essa porcaria tenha que ter nascido.

Bom, sei que com todos estes argumentos contra, você, fã de quadrinhos, ainda vai querer saciar sua curiosidade mórbida se tiver a oportunidade de assistir ao filme. Espero que esta resenha ao menos o deixe preparado para o que irá encontrar pela frente. Depois não diga que eu não avisei. Hah Hah Hah Hah Hah!!!! (Esta é a risada maquiavélica que o Dr. Destino solta durante todo o filme).

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