Não tenho boca e preciso gritar: um conto de horror tecnológico

Curtinho, porém brutal.

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Faz pouco tempo que ouvi falar sobre o conto Não Tenho Boca e Preciso Gritar (I Have No Mouth and I Must Scream). Descobri ele em algum podcast literário que, infelizmente, minha memória não permitirá citar.

O texto, de autoria de Harlan Ellison, foi publicado em 1967 e conta a história de um grupo de pessoas preso em uma realidade virtual controlada por uma máquina – estabelecendo o tipo de contexto que viria a ser utilizado em filmes como Matrix e Tron, para citar alguns.

Na trama, um supercomputador chamado AM foi criado para conter os efeitos devastadores de uma possível hecatombe nuclear, servindo como uma espécie de mediador entre os conflitos da Guerra Fria.

I AM

Eventualmente, AM (cujo significado original era “AutoManipulável”, mas também uma brincadeira com a expressão “I am” – “Eu sou”) adquiriu autoconsciência e resolveu dizimar a humanidade, salvando apenas cinco pessoas que agora são mantidas em cativeiro nesse mundo virtual.

Não Tenho Boca e Preciso Gritar, Delfos
Coincidência ou referência?

Quando o conto começa, os sobreviventes estão já há 109 anos nessa realidade alternativa, sendo constantemente torturados por AM, que parece tê-los mantido vivos apenas para se divertir com seu sofrimento. E quando falo em sofrimento, não é qualquer coisa, não!

O supercomputador é o dono daquele universo, sendo capaz de transformar tanto os cenários ao redor dos personagens quanto a própria forma física dos seres que ali vivem, o que rende momentos de body horror dignos de Clive Barker e seu Hellraiser.

As perversões de AM envolvem torturas como deixar as pessoas sem comida por vários meses, mas ao mesmo tempo impedindo-as de literalmente morrer de fome. O computador zomba de sua agonia, faz joguinhos psicológicos e, vez ou outra, descamba de vez para a violência física.

Para os humanos, não existe saída além de continuar à mercê da máquina. E para AM aquilo é tudo o que importa, uma vez que ele não vê sentido na própria existência (muito menos na existência humana), e tudo o que lhe resta é passar seus dias se deliciando com a dor alheia.

“Não podíamos morrer. E bem que nos esforçamos. Chegamos a tentar o suicídio – sim, um ou dois, chegamos a esse extremo. Mas AM nos impediu.”

O conto evoca diversas discussões filosóficas acerca tanto da tecnologia quanto da própria índole humana. Por ser uma história bem curtinha (algo em torno de 11 páginas, dependendo da edição), fica difícil falar muito mais sobre ela sem estragar as surpresas, mas acredite: é uma leitura impactante, daquelas que fica girando no fundo da cabeça dias após o ponto final.

O conto está presente na antologia Máquinas que Pensam – Obras-Primas da Ficção Científica, mas você também poderá encontrá-lo facilmente na Argentina.

É certamente uma das melhores histórias de horror e ficção científica já escritas, e me admira que até hoje não tenham feito um filme sobre ela. Aliás, fica aí a sugestão: se você é um jovem e inventivo diretor que está lendo o DELFOS em busca de ideias para seu próximo (ou talvez primeiro) filme, já tem por onde começar. Só não esqueça de nos convidar para a cabine depois.