Jessica Jones – 1ª Temporada

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A parceria entre a Netflix e a Marvel segue por um caminho interessante. O planejamento inclui as séries do Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro. Além de uma série dos Defensores para unir estes personagens. Estamos na segunda fase do plano: a primeira temporada de Jessica Jones foi disponibilizada na plataforma de streaming no último dia 20 de novembro, sendo uma nova etapa para estabelecer o universo urbano da Marvel na Netflix.

Se a primeira temporada da série do homem sem medo foi um sucesso de público e crítica, Jessica Jones mantém o alto nível das produções televisivas da Casa das Ideias. Meu único conselho é não criar expectativas de ver algo semelhante a Demolidor, Agents of SHIELD e Agent Carter.

É uma história contada em um ritmo completamente diferente e com premissas igualmente diferenciadas. Em primeiro lugar, Jessica não é uma heroína, é uma detetive particular, e o ponto de partida da sua atuação está longe de ser a busca pelo bem comum. A personagem busca alguma forma de reconciliação com os traumas do seu passado. Os poderes de Jessica ficam em segundo plano como estratégia para manter o tom realista da produção.

Não podemos deixar de notar que esta é apenas a segunda produção do MCU protagonizada por uma mulher. Jessica Jones dá efetivamente visibilidade a personagens femininas fortes apesar de todo o esforço de Agent Carter e Agents of SHIELD neste sentido. Na produção da Netflix, tanto a protagonista quanto sua melhor amiga Trish “Patsy” Walker e a advogada Jeri Hogarth são mulheres, assumindo o controle diante de vulnerabilidades que lhe foram impostas. Nas HQs, Jeryn Hogarth é um homem e ligado ao Punho de Ferro. O gender swap se adequou bem à proposta de Jessica Jones e a personagem interpretada por Carrie- Anne Moss deve ser aproveitada nas demais produções Marvel-Netflix.

IT’S ALL CONNECTED

O mantra It’s all connected é cumprido de forma sutil. Há referências à batalha de Nova Iorque do primeiro Vingadores assim como em Demolidor. Se naquela ocasião, a batalha de Nova Iorque contribuiu para o surgimento do crime organizado ligado à especulação imobiliária, aqui o mesmo evento é utilizado para desenvolver a crença no fantástico/sobrenatural. Porque se uma invasão alienígena foi impedida por um monstro verde e “o cara vestido de bandeira” nada mais plausível que a existência de um homem que consegue controlar a mente das pessoas.

O seriado faz parte daquilo que a Marvel tem feito de melhor nos últimos tempos. Transformar ilustres desconhecidos do grande público – como Guardiões da Galáxia e Homem-Formiga – em blockbusters. A série também introduz Luke Cage neste universo e na medida certa. Afinal de contas, o personagem vai ganhar a sua própria série em breve. Da mesma forma que as HQs da série Alias eram voltadas para o público adulto, Jessica Jones trilha o mesmo caminho e foge totalmente dos estereótipos das demais adaptações de HQs. É um verdadeiro thriller psicológico envolvendo a protagonista e Killgrave (o Homem Púrpura).

SENHORES, TEMOS UM VILÃO

George R.R. Martin, notório matador, escritor, criador das Crônicas de Gelo e Fogo e fã da Marvel nas horas vagas já havia reclamado (e com razão) da escassez de bons vilões nos filmes recentes da Casa das Ideias. George agora pode parar de matar e reclamar porque Killgrave é o melhor vilão do MCU desde Loki, e isto vai além da grande atuação do David Tennant. Finalmente temos um antagonista que representa um obstáculo real na vida da protagonista.

Killgrave não possui pretensões megalomaníacas de dominação global, mas utiliza suas habilidades de todas as formas possíveis com o propósito de exercitar sua obsessão por Jessica. A protagonista é encurralada de forma nunca antes vista nas adaptações de HQs. Chega a ser perturbador. É o vilão que respeita a máxima de Ozymandias em Watchmen: não ser um vilão de história em quadrinhos. Apenas executa seus planos em vez de explicar o que pretende fazer.

Apesar da força sobre-humana capaz de levantar um carro e sobreviver às piores ressacas de uísque, a Jessica de Krysten Ritter conta mais com sua esperteza do que seus superpoderes para enfrentar o Homem Púrpura. O desenvolvimento da dualidade Jessica/Killgrave e como ela repercute na vida de outros personagens é o que torna a produção diferente de tudo que a Marvel fez antes. E é a maior motivação para ver os 13 episódios da temporada. Se nos quadrinhos, a personagem é lembrada pelo relacionamento amoroso com Luke Cage e a amizade com Carol Danvers (Miss Marvel/Capitã Marvel), a detetive de humor ácido persegue certo protagonismo na televisão.

A comparação com Demolidor é natural considerando a ambientação no mesmo universo e o futuro encontro dos personagens. Ambas as produções prezaram pelo tom voltado para o público adulto e sem frescuras no sexo, drogas e violência urbana. Se Demolidor abordou a violência de forma estrutural e dentro de um projeto de cidade para o crime organizado, Jessica Jones foca na violência contra o individuo independente da forma (física, verbal ou psicológica), sendo esta a sua maior qualidade e servindo como uma espécie de complemento ao abordado na série do Matt Murdock e comprovando que a face obscura do MCU está mesmo no Netflix.

Entretanto, aquela que pode ser considerada a sua maior qualidade também é a fonte do seu principal problema. A necessidade de acomodar tantos traumas de tanta gente gera o inconveniente de um núcleo periférico chato pra caramba, como os vizinhos de Jessica e o grupo de apoio para vítimas do Killgrave. A conclusão de todo o arco – apesar das boas reviravoltas – ficou capenga e a súbita mudança nas motivações da protagonista não convence.

Apesar disto, Jessica Jones soa como um questionamento e desconstrução da infinidade de histórias de super-heróis que domina o cinema e a televisão. Caso você seja uma daquelas pessoas completamente avessas a adaptações deste universo, aqui está uma produção que pode te surpreender. Os fãs habituais podem não gostar tanto quanto gostaram de Demolidor, mas não podemos negar a qualidade do produto final.

CURIOSIDADES:

Killgrave não é o único vilão da Marvel a aparecer na série. O que pode ser um indicativo dos rumos da próxima temporada de Demolidor e da trama de Defensores.

– Um personagem da primeira temporada de Demolidor aparece e já dá indícios que poderá ser o elo com Murdock e cia.

– Não podia faltar a aparição do Stan Lee.