Especial Lost – Reflexões sobre o fim de Lost

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Atenção: o texto abaixo pode conter SPOILERS àqueles que não são familiarizados com Lost ou não assistiram até o fim. Leia por sua própria conta e risco.

É, meus caros. Lost, um dos maiores fenômenos da televisão na última década, terminou. E, com isso, gerou uma infinidade de reações adversas entre os fãs que acompanharam acaloradamente as desventuras dos sobreviventes do voo Oceanic 815.

Basta você dar uma olhada em fóruns, blogs e comunidades do Orkut para ver que a divisão foi extrema: alguns amaram o desfecho do seriado, outros odiaram.

E quando eu digo “odiaram”. é um sentimento extremo mesmo. Em pouco mais de meia hora de pesquisas em algumas das principais comunidades dedicadas a Lost no Orkut, me deparei com inúmeros comentários rancorosos do tipo “perdi seis anos da minha vida vendo esta por*#”, ou “nunca me arrependi tanto em acompanhar uma série até o fim”.

Sinceramente, acho isso um exagero. Para mim, quem faz este tipo de comentário é fã chiliquento que se acha o dono da série. Já, já a gente fala mais sobre isso. Antes de mais nada, vamos contextualizar o assunto em questão.

DIVIDINDO LOST

Lost para mim pode ser dividido em três partes absolutamente distintas:

1ª Parte: a melhor de todas, que trata dos mistérios, da mitologia e dos segredos da Ilha, como o monstro de fumaça preta, os números e os Outros. Esta parte começou na primeira temporada e foi até a terceira.

2ª Parte: viajada ao extremo, esta parte entrou de cabeça na ficção científica, tratando de física quântica, Iniciativa Dharma, viagens no tempo e eletromagnetismo. As temporadas anteriores arranharam estes temas, mas a coisa ficou hardcore mesmo na quarta e, principalmente, na quinta temporada.

3ª Parte: deixou de lado boa parte da bem estruturada sci fi supracitada e foi para um terreno mais espiritual, focado nos personagens, suas vidas e realizações. Logicamente, durou a última temporada toda.

Dito isto, eu lhes dou um conselho: para julgar “racionalmente” o episódio The End sem ficar dando chilique, faça um doloroso, porém necessário sacrifício: esqueça praticamente tudo o que você viu nas primeiras cinco temporadas. E quando eu digo tudo, estou incluindo boa parte das coisas legais, como a Dharma, os números, as viagens no tempo, o eletromagnetismo.

Só leve em conta o que acontece do início da sexta temporada em diante.

Por quê? É como eu disse ali em cima, Lost apresenta três momentos bem definidos, e este último, mais espiritual e introspectivo, foi o foco da última temporada. O que nos leva ao series finale em si:

O FINAL DE LOST

Se você está aqui lendo este texto, eu presumo que você curta Lost e já assistiu ao último episódio. Por conta disso, não vou me dar ao trabalho de fazer um resumo dos acontecimentos.

Se você não assistiu ao último episódio, sugiro que pare de ler por aqui. Já avisei lá em cima, mas não custa relembrar: teremos SPOILERS para os não iniciados no seriado.

Tempo para os que não assistiram darem o fora.

Ainda está aqui? Ok, então vamos lá: o último episódio foi meio que subjetivo e aberto para diversas interpretações. Vou discorrer brevemente sobre a minha visão dos fatos, que é compartilhada por boa parte dos fãs. Mas lembre-se: a opinião aqui descrita não é a verdade absoluta, e se você discordar, sempre pode recorrer (educadamente) aos comentários.

A ILHA

A Ilha é uma espécie de lugar místico e iluminado para onde algumas pessoas infelizes e/ou incompletas chegavam para ter uma segunda chance, livrarem-se de seu passado e se reconciliarem consigo mesmos. A estátua dos quatro dedos dá a entender que muitas outras culturas e civilizações passaram por ali anteriormente e deixaram sua marca.

Se você parar para pensar, todos os sobreviventes do Oceanic 815 eram “problemáticos”, cada um à sua maneira.

Vejamos: Jack era um médico complexado e megalomaníaco, que achava que podia consertar tudo e todos. Teve um casamento falido e diversos problemas familiares.

Kate era uma assassina fugitiva perdida no mundo. Nem a própria mãe gostava muito dela, e boa parte da sua vida foi gasta fugindo e se escondendo.

Sun e Jin tinham um casamento infeliz, pontuado por traições, mentiras, e a eterna fuga do sogrão malvado.

Hurley era um lucky bastard azarado, que viu sua vida, sua tranquilidade e sua sanidade irem pelo ralo após ganhar na loteria.

Sawyer era um golpista amargurado, que tentava levar a cabo uma vingança pessoal pela morte de seus pais.

E por aí vai…

Na Ilha, todos puderam ter uma nova vida, um recomeço, despidos de qualquer vínculo ou ressentimento de seus erros do passado. E repare: apesar de todos os perrengues que passaram ali, todos eles conseguiram, de alguma maneira, se “encontrar”, ser felizes ali. Viveram, amaram, odiaram, lutaram (alguns até morreram) intensamente.

Por ser uma espécie de lugar sagrado e poderoso, a Ilha era alvo dos mais variados tipos de interesses. Jacob e seus eventuais antecessores e sucessores faziam o papel do Bem. O homem de preto, aka Evil Locke ou o monstro de fumaça preta, representava o Mal. Estes personagens serviram apenas para metaforizar uma história que remete à própria bíblia: a clássica batalha do bem contra o mal.

Enquanto a fonte de luz da Ilha representava a esperança e o que há de bom, a fumaça negra, metaforicamente, simbolizava o mal que há dentro de cada um de nós. Por isso, nada mais justo que a fumaça fosse “criada” da luz (episódio Across the Sea, sexta temporada). Logicamente, o objetivo do mal era reinar sobre o bem, literalmente apagar a luz.

Coube a Jacob e seus amiguinhos a difícil missão de perpetrar o bem, manter a luz acesa, impedir que o mal vencesse. Em prol desta empreitada homérica, muitos morreram.

A REALIDADE PARALELA

E é na morte que está o segredo do fim. Os flashsideways, aka realidade paralela, que acompanhamos durante toda a última temporada, rolavam em uma espécie de purgatório.

Algumas religiões acreditam que as almas no purgatório não sabem se estão vivas ou mortas. Por isso, tocam suas “vidas” normalmente.

E esta é a chave: todos os personagens que ali vimos já estavam mortos. Alguns nós vimos morrerem, outros não, mas todos já haviam de fato batido as botas.

Isto só não ficou claro antes porque tínhamos a impressão de que os acontecimentos dentro e fora da Ilha eram meio que simultâneos. Mas não eram. Tudo o que rolou na realidade paralela rolou em um futuro não determinado.

Isto fica claro quando vemos Hurley dizer ao Ben “você foi realmente um bom número dois”; ao que Ben responde: “e você foi um ótimo número um, Hugo”. O gordo e o magro de fato assumiram a missão de substituir Jack (e Jacob) como protetores da Ilha, e exerceram esta função por sabe-se lá quanto tempo. Posteriormente, eles morreram. A gente só não os viu morrer.

Isto se aplica também para os que conseguiram sair da Ilha no avião: Kate, Sawyer, Miles, Richard e Lapidus conseguiram fugir, e devem ter tocado suas vidas fora da Ilha. Mas, em algum momento, morreram. Fato este que me fez questionar muito a profundidade do amor que a sardenta nutria pelo médico.

Parafraseando Christian Shepard nos derradeiros minutos da série, “todo mundo morre um dia”.

Basicamente, todos os personagens estavam mortos, mas não sabiam disso e não tinham lembrança dos acontecimentos da Ilha. Eles precisavam se encontrar e relembrar o elo que os conectava para finalmente encontrarem a paz. “A parte mais importante de sua vida foi quando você esteve ao lado deles”, disse Christian ao seu filho.

De alguma maneira, seus destinos estiveram entrelaçados desde o início, e deveriam permanecer assim, literalmente até o The End. E estes reencontros são o principal “tempero” da última temporada, com um visionário e esclarecido Desmond ajeitando tudo de maneiras, no mínimo, questionáveis.

Repare ainda que muitos deles continuavam “incompletos” naquela purgação, e ali tiveram uma nova oportunidade de arrumar suas “vidas”. Sun e Jin enfim puderam vivenciar juntos a experiência de colocar Ji Yeon no mundo. Claire pôde enfim ser a mãe do Aaron, ao lado de Charlie. Sawyer não só reencontrou Juliet, como também mudou radicalmente seu estilo de vida, e de golpista passou a ser policial. “Acho que cheguei em um ponto em minha vida no qual eu seria um criminoso ou um policial. Então, escolhi policial”, disse ele à Charlotte (episódio Recon, sexta temporada).

Depois que tudo estava ajeitado, com todos cientes de sua situação e em paz consigo mesmos, eles puderam enfim seguir em paz rumo ao suposto paraíso.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O FIM

Particularmente, eu achei o final bonitinho demais. Todos se reencontrando felizes e sorridentes, me soou, sei lá, como um final de novela do Manoel Carlos. Valeu mesmo pela última cena, que foi cuidadosamente elaborada para ser o mais igual possível à primeira cena do episódio piloto. Nostalgia em clima de déjà vu.

Ainda assim, eu diria que o final foi coerente com a sexta temporada. Veja bem, eu não estou dizendo que foi um final bom para a série, mas para a última temporada.

Por isso eu disse lá em cima para você ignorar tudo de legal que já havia rolado nas outras cinco temporadas. Com o perdão do trocadilho, eles jogaram no Limbo tudo que haviam construído nos últimos anos, e transformaram o desfecho (leia-se sexta temporada) em uma metáfora genérica de bem contra o mal.

Mas, se você avaliar apenas os rumos da última temporada, o final até que foi bacaninha. Ou melhor, foi coerente. Nem original, nem tremendão, nem horrível, nem inaceitável. Apenas coerente.

É fácil ficar julgando e criticando os Srs. Carlton Cuse e Damon Lindelof, mas pense em quão difícil deve ser finalizar um projeto que tomou proporções tão gigantescas.

Toda grande série que é acompanhada por zilhões de pessoas está sujeita a isso. A pressão é muito grande, e cada um idealiza o seu final perfeito. Não dá para agradar a todos. Isso é fato. Provavelmente nem este texto aqui irá agradar a todos que se darão ao trabalho de lê-lo. =D

Exemplificando o fanatismo xiita: pessoalmente, eu acho o desfecho da série Harry Potter bem tosco. Mas muita gente gostou, ao passo que alguns ficaram em cima do muro.

Quem está certo?

Ninguém, oras! Só o que é certo nesta história é que a J. K. Rowling escreveu o final que para ela foi o melhor, e engordou consideravelmente sua conta no Gringotes. Se vocẽ gostou ou não, ela não está nem aí, o livro é dela, os personagens são dela, e com eles ela faz o que bem entender!

O mesmo eu digo do desfecho da série literária Nárnia. Desfecho este que, ao analisar com cuidado, me soa bem semelhante ao fim de Lost. Não é bom, mas também não é ruim. É aquele tipo de final que deixa um gostinho amargo na boca, mas compensa pelo caminho trilhado.

Com isto voltamos aos fãs chiliquentos que eu mencionei lá em cima. Eles acham que a série é deles, e só porque o final não foi o que eles queriam, foi tudo uma droga, e seis anos acompanhando o seriado foram em vão.

Eu não vejo as coisas desta maneira. Muito pelo contrário: acho que Lost foi uma série fantástica, e embora tenha escorregado algumas vezes, rendeu-me ótimos momentos. E, se o final não foi o que eu esperava (e eu nem sei ao certo qual era o final que eu esperava), certamente a jornada que percorri antes do fim foi, no geral, bem satisfatória.

O LEGADO DE LOST

Outra prova incontestável de que Lost foi um fenômeno é o seu legado. Fóruns de discussão, sites especializados, comunidades de redes sociais, discussões acaloradas numa mesa de bar. Até músicas de bandas que nem existem de verdade a série conseguirá emplacar em Rock Band!

Legado este que já está dando frutos. Ok, Flashforward não emplacou, mas foi alardeada por aí como “o novo Lost”. Talvez ela tenha se dado mal porque chegou antes da hora. Creio que se deixassem a poeira de Lost baixar, e os fãs começassem a se sentir órfãos de uma série legalzuda e instigante, Flashforward seria uma boa opção.

Independente deste fracasso, se Lost conseguiu elevar o nível de qualidade das séries de TV a um novo patamar, já é uma grande coisa!

Eu acho que a série fez pela televisão o que Matrix fez pelo cinema há mais de dez anos: tirou-o de sua zona de conforto, quebrou paradigmas, desafiou o público, e mostrou que uma obra de ficção (e de ação!) pode ser cult e inteligente, sem deixar de ser surreal e um pouquinho nonsense.

Como a empreitada de Neo e companhia, Jack e seus amiguinhos ilhados conseguiram criar uma mitologia, estabelecer seu lugar no topo da cultura pop contemporânea. Com isso, somado a uma base alucinada de fãs ardorosos, fez-se o sucesso.

O alicerce desta mitologia, que certamente ainda renderá muitas e muitas discussões verborrágicas mundo afora, está no que muitos fãs revoltadinhos fazem questão de ignorar atualmente: as perguntas.

Convenhamos, não foram as respostas que nos fizeram vidrar em Lost. Foram as perguntas! Cada novo mistério apresentado na telinha nos enchia de curiosidade, ao mesmo tempo em que nos permitia divagar em busca da melhor explicação. Quando tínhamos uma teoria apresentável, comentávamos com os amigos, e descobríamos que eles tinham ideias completamente diferentes!

E aí está o segredo: o grande mérito não só de Lost, mas de muitas outras célebres obras da humanidade não está em responder tudo de maneira satisfatória, mas em fomentar discussões e debates. Diferente de muita coisa que se vê hoje em dia, Lost não nos deu tudo mastigadinho, mas nos fez pensar, permitiu-nos imaginar diferentes maneiras de matar uma mesma charada.

CONCLUSÃO

Muita gente ficou tão bitolada por respostas e mais respostas, que esqueceu do que provavelmente as fez gostar de Lost: o mistério, aquele misto de excitação e raiva que sentíamos quando uma nova questão nos era jogada na cara.

Pô, get a life! Lost é apenas uma série de TV, e deve ser vista como tal. Um entretenimento inteligente, divertido, talvez até um pouco viciante, mas que nunca deve ser encarado com esta fixação absurda!

A gente assiste TV para relaxar, se entreter, não para se estressar. Se o tempo que você passa assistindo a um seriado lhe dá mais dor de cabeça do que a “vida real”, você definitivamente precisa de ajuda, meu camarada!

E é isso, meu caros. Tenha você gostado ou não do final, é fato que Lost acabou na TV, mas vai merecidamente permanecer no imaginário dos fãs, nos grupos de discussão e na cultura pop dos anos 2000.

Se tudo o que eu escrevi não lhe convenceu, e você ainda anseia por um final melhor para o seriado, faça como eu: simplesmente imagine que Lost acabou para valer no final da quinta temporada!

Com isso, a bomba explodiu, o plano do Faraday deu errado, e todos que estavam na Ilha morreram.

O resto é história.

Fim.

Simples assim. =]