Especial Lost – O Declínio de Lost

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AVISO GENTIL: Se você não quer spoilers, get the fuck outta here!

Eu ainda me lembro da primeira vez que vi Lost. Foi bastante atrasado, a série já estava terminando sua terceira temporada na TV e eu peguei os DVDs das duas primeiras com o Cyrino. Quando criei coragem de colocar o primeiro, por Satã, eu fui logo fisgado pela imensa qualidade do bagulho e devo ter assistido uns dois discos só nesse primeiro dia. Gostei tanto que antes mesmo de terminar a segunda temporada, já tinha comprado tudo para ter o prazer de terminar de assistir em algo de minha própria propriedade.

Na verdade, antes desse dia, eu só assistia sitcoms na TV e o Lost abriu minha mente para a possibilidade de as séries sérias também serem boas. Na verdade, não apenas boas, mas melhores do que suas contrapartes cômicas, e até do que o próprio cinema.

OS PERSONAGENS

Aliás, mais do que qualquer coisa, tinha três personagens dos quais eu realmente gostava: Sawyer, Locke e, um pouco mais para frente, o Ben. O Sawyer era aquele cara que não era mau, mas tinha claros problemas para se enturmar com os outros, e por isso era constantemente hostilizado pela turminha mais sociável. Eu me identificava com isso e, devo dizer que naquele episódio em que o Sawyer assume o controle das armas (The Long Con), devo ter soltado um dos hell, yeahs mais altos da minha vida.

Outro arco que considero entre os melhores da série foi a primeira aparição do Ben, quando você não sabia se ele era um “outro” ou não. Na verdade, o Ben foi protagonista dos melhores momentos da série para mim, especialmente depois que o Sawyer foi amansado (mais sobre isso à frente).

Claro, tinha outros personagens que eu gostava, como o Hurley, o Charlie, a Juliet, o Mr. Friendly, o Richard, o Desmond, etc, mas convenhamos que, perto dos três supracitados, não tinha para ninguém.

E a série foi ficando cada vez melhor, especialmente até a quarta temporada. Infelizmente, na quinta e na sexta, eles perderam a mão feio. Não sei se tem a ver com o JJ Abrams ter se concentrado mais no Star Trek, mas é fato que, a partir da quinta, o nível só decaiu. A série parecia até abandonada pelos criadores.

E nem estou julgando os rumos da história, mas um emaranhado de artifícios amadores de roteiro que davam constantemente a sensação de enganação ou de que eles estavam construindo a história conforme seguiam com ela. Mas estou me adiantando. Comecemos falando sobre os defeitos já sentidos desde o início.

FLASHBACKS, FLASH-FORWARDS E REALIDADE PARALELA

Eu gostei dos flashbacks nos primeiros episódios. Achei uma forma muito bem sacada de mostrar um pouco qual é a desses personagens e o porquê de eles estarem em Sydney. Porém, uma vez que tudo já tinha sido devidamente estabelecido e a história na ilha começou a pegar fogo, os flashbacks se tornaram apenas mais uma forma de enrolar. E cada vez que rolava aquele tradicional barulhinho da transição entre as narrativas, a sensação que dava era digna de um coito interrompido, já que ninguém queria saber como foi quando o Jack fez a tatuagem, mas sim o que ia rolar na ilha, caramba!

O pior é que, enquanto alguns personagens realmente interessantes, como o Ben ou o Richard, dificilmente ou nunca ganhavam seus flashbacks, o insosso Jack ganhava uns cinco por temporada, e invariavelmente eram todos iguais, mostrando a obsessão dele em curar alguém. Como se o próprio sobrenome dele (Shepard, pastor) já não fosse indicação suficientemente óbvia da sua personalidade.

Quando inventaram os flash-forwards, o negócio melhorou um pouco. Embora boa parte deles ainda fosse pura enrolação, os melhores ainda avançavam a história principal.

E aí, na última temporada, me inventam essa realidade paralela que foi, sem dúvida, a maior enrolação já vista na história do entretenimento. Sim, eu entendi o final, não achei nem um pouco confuso e nem vejo o motivo para tanta confusão dos fanboys ao redor do mundo. Aliás, ele foi até bem mastigadinho. Mas convenhamos que toda aquela historinha de vida depois da morte era completamente desnecessária para a história principal. Aliás, não só desnecessária, mas mais clichê do que as letras do Judas Priest.

O FINAL

Você já assistiu ao último episódio de Seinfeld? Ou de Scrubs? Ou de quase qualquer outra série ou novela? É sempre a mesma coisa, com a reunião de vários personagens importantes no passado, com musiquinhas emotivas e a intenção de fazer chorar. Achei que Lost, por ser muito mais story-oriented do que essas sitcoms, não fosse seguir por esse caminho. Ledo engano.

Além de ser óbvio colocar todo mundo junto, o final foi a coisa mais masturbatória desde que o Malmsteen pegou em uma guitarra pela primeira vez. Afinal, ele acredita que você tem uma ligação emocional com aqueles personagens e que vai se emocionar com reencontros como o da Claire com o Charlie, por exemplo.

E não me entenda mal, funciona. Eu também fui comovido por alguns dos reencontros e, se não tivesse sido, a música com certeza cuidaria disso para mim. Mas convenhamos que o tempo teria sido muito melhor aproveitado de fato encerrando a história na ilha e levando todas as coisas mostradas anteriormente ao seu potencial máximo.

E outra coisa: durante os seis anos, ficou claro que o amor da vida do Sayid era a Nadia e a Shannon foi só um flerte passageiro. Então alguém me explica por que diabos é a Shannon que ele reencontra no purgatório?

Mas voltemos a falar dos momentos out-of-character e falhas de roteiro.

DADDY ISSUES

Segundo o DataDelfos, 84% de todos os personagens que apareceram em algum momento durante a série têm daddy issues. É o Jack que não se sente valorizado pelo papai, é a Kate que matou o papai, é o Sawyer que viu os pais morrerem, é o Locke tentando fazer o pai demonstrar algum tipo de afeto (aliás, como o pai do Locke foi parar na ilha? Ele fala que quem está lá morreu, mas o final da sexta temporada deixa claro que eles não estavam mortos). Caramba, até o fuckin’ Jacob tem daddy issues, ou melhor, no caso dele, mommy issues, já que ele acha que a mãe dele gosta mais do irmão, o Vento Preto.

Isso poderia ser algo intencional, que ligasse esses personagens. Sei lá, a ilha poderia ser uma espécie de útero gigante que visa resolver os problemas familiares das pessoas. Porém, nada disso foi devidamente desenvolvido. É um fato que está lá para quem conseguir ver, mas que, como tantos outros pontos da série, não foi suficientemente aproveitado. E, da forma que deixaram, parece até que nem foi intencional. É como se o criador dos personagens, por razões que Freud explica, só fosse capaz de dar algum tipo de profundidade e motivação a um sujeito com problemas familiares. E não é através da uniformidade que se cria um bom elenco.

Porém, tudo que eu falei até aqui não me incomodava tanto. O bicho começou a pegar é quando os roteiristas pareciam não conhecer mais os personagens. Por exemplo:

A MORTE DO CHARLIE

Talvez o primeiro momento “amadorismo de roteirista”, que curiosamente veio logo depois do episódio Greatest Hits, um dos melhores da série e uma aula de como extrair emoção do público se mantendo fiel ao personagem e sem apelar para clichês e musiquinhas melosas (sem falar que, tirando os episódios do Desmond, esse deve ser o que melhor usa os flashbacks).

Infelizmente, a morte do Charlie é tão ridícula que chega até a ofuscar sua excelente despedida no episódio anterior. Recapitulemos: ele está na estação, na frente do computador, o caolho aparece na janela com uma granada que, ao explodir, faz a água começar a entrar pela janela. Até aí, beleza.

Nesse momento, qualquer pessoa com um mínimo de cérebro sairia correndo da sala e fecharia a porta do lado de fora, já a salvo. Charlie, por culpa do amadorismo dos roteiristas, decide agir como um retardado e, como tal, fecha a porta ANTES de sair da sala, se trancando ali e praticamente se matando quando, 197 minutos depois (sério, demorou pra caramba!), a salinha finalmente é preenchida com água.

Convenhamos, não é difícil matar um personagem. E tudo poderia ter acontecido quase da mesma forma, mantendo até o momento emotivo do “Not Penny’s Boat”. Era só a estação ter um mecanismo de segurança que, quando a água começasse a invadir a salinha em que o Charlie estava, fizesse a porta fechar automaticamente. Além de não transformar Charlie em um suicida imbecil, faria todo o sentido com a tecnologia dessas estações – especialmente considerando que era uma estação submarina.

A BURRICE DO HURLEY

Ok, o Hurley nunca foi tão inteligente quanto o Sawyer ou o Ben, mas também nunca foi mostrado como sendo um Homer Simpson. Pelo menos não até a quarta temporada.

No episódio a que me refiro, Miles está tentando explicar para Hurley a viagem no tempo, dizendo que eles podem morrer porque, embora aquilo já tenha acontecido no mundo, não aconteceu ainda para eles. Em outras palavras, o passado deles está no futuro do mundo, enquanto o presente deles está no passado do mundo.

Convenhamos, não é tão difícil assim de entender, mas Hurley insistia e dava os argumentos mais esdrúxulos possíveis até Miles deixar tudo completamente mastigado. O problema é que isso nunca precisou ser explicado tintin por tintin. Era óbvio. Todo mundo já assistiu coisas que envolviam um personagem viajando ao passado, todos sabiam que o Marty McFly podia ferrar tudo, inclusive a própria existência, apesar de estar no passado. Por que seria diferente em Lost?

Obviamente, a cena em questão foi feita para o estadunidense padrão não ficar confuso e garantir que o que aconteceria em breve seria emocionante. Mas além de desnecessário, a forma como foi feita, transformando um personagem de inteligência normal em um completo retardado, foi um dos primeiros momentos em que Lost realmente me decepcionou.

SAWYER SE TORNANDO CASÁVEL

Todo mundo gostava do Sawyer. Ele era cafajeste, inteligente pra caramba, individualista e anti-social. Mas ele também era bonitão e, como todos sabemos, a junção de todas essas características torna o dono delas um objeto de desejo para a mulherada. E o que os roteiristas me fazem? Transformam o maledeto Sawyer, um dos melhores personagens da história da TV, em um sujeito casável de bochechas rosadas? Faça-me o favor.

Ele mudou do vinho para a água, de uma hora para a outra. Veja só, no início da série, ele não conseguia se enturmar com os demais perdidos, mesmo estando todos desesperados e precisando de união. Alguns anos depois (ou antes, dependendo do ponto de vista), ele magicamente se torna um pintudão da Dharma, um grupo bem mais fechado e onde claramente ele não era bem vindo? Faça-me o favor mais uma vez.

Sem falar nos momentos meigos, tipo ele levando florzinha para a Juliet ou mesmo se jogando do helicóptero para proteger a Kate. Não interessa o amor, a raiz do personagem era seu individualismo e ele nunca se sacrificaria por outra pessoa. Pelo menos não o Sawyer que conhecemos no início da série. “Estou fazendo o que sempre fiz, Kate. Sobrevivendo”, já dizia nosso ex-tremendão.

Isso porque, nas três últimas temporadas, ele não é mais o cafajeste individualista que todo mundo gostava, mas se torna um verdadeiro herói, o líder que o Jack nunca conseguiu ser. E sabe por que fizeram isso com ele? Para agradar as mulheres. Ora, mas ele só agradou as mulheres no início por ser o oposto disso. Se ele já tivesse começado a série como um bochechas rosadas mariquinha, pode ter certeza que seriam poucas as garotas que gostariam de ficar perdidas com ele. Essa mudança foi claramente um artifício para alimentar as fantasias femininas. Todo mundo sabe que a única coisa que uma mulher gosta mais do que um cafajeste bad boy é a possibilidade de transformar um deles em um good guy.

A mudança radical do Sawyer foi minha maior decepção com a série. Com a morte do Locke e a mariquice do Sawyer, sobrou apenas o Ben como o grande personagem de Lost. Mas mesmo ele perdeu boa parte da sua tremendice quando não tinha mais o controle da situação. Mas pelo menos nesse caso fazia sentido na história e estava dentro da raiz do personagem, então sem reclamações.

Veja bem, eu não digo que os personagens não podem mudar. Apenas que isso deve ser feito de acordo com a história. O Jack, por exemplo, mudou pra caramba. Ele foi de um projeto de macho alfa racional, impulsivo e metido a líder a alguém muito mais aberto a explicações não racionais e mais propenso a deixar as decisões nas mãos de outras pessoas mais calmas (AKA nosso novo herói Sawyer). Mas ele manteve a raiz do personagem, no caso, a necessidade de proteger os outros, tanto que logo se oferece para proteger a ilha quando a oportunidade surge.

Mas por que a ilha precisava ser protegida, afinal de contas? Jacob diz que a ilha é como uma rolha que mantém o mal lá dentro, mas o mal é o Vento Preto? Ele sinceramente não me parece alguém tão mal assim, já que quer apenas sair da ilha. E uma vez que ele esteja morto, por que a ilha precisa continuar sendo protegida?

Aliás, a inversão de papéis entre o Jack e o Locke (que, no caso, não era o Locke, mas o Vento Preto) foi uma das coisas legais da última temporada. No início, Jack era o mais desesperado para sair da ilha e Locke era o que menos queria sair. No final, isso foi completamente invertido, mas dessa vez de uma forma legal e bem construída, ao contrário da transformação do Sawyer. E já que falamos nele:

O VENTO PRETO

Essa foi outra das minhas primeiras decepções. O monstro que ouvíamos nas primeiras temporadas fazia barulhos de passos e rugia. Tudo indicava que era um dinossauro ou algo do tipo. Porém, quando ele apareceu on camera pela primeira vez e revelou ser nada além de uma fumacinha preta, o troço foi tão sem sentido que admito que só fui me tocar que aquela fumacinha e o monstro eram a mesma coisa algumas temporadas depois. Simplesmente não se encaixava.

E o destino final do Vento Preto? Ora bolas! De uma hora para a outra, só porque o Desmond tirou a Amandita gigante da água, toda a pintudice do Vento Preto foi embora e ele se tornou frágil daquele jeito, a ponto de ser morto em 15 segundos pelo Jack? Faça-me o fuckin’ favor! Pelo menos dêem um final apropriado ao grande vilão da série, que aterrorizou todo mundo por seis anos!

Ainda sobre o Vento Preto, no episódio Across the Sea, a mãe dele e do Jacob fala que eles não podem se machucar. Não explica o porquê, nem nada do tipo. É simplesmente assim. Como se isso já não fosse ruim o suficiente, algumas cenas depois, Jacob esbofeteia seu irmão até tirar sangue. Ora, mas eles não podiam se machucar, caramba! Como isso foi possível, então? Não seria melhor que a mãe tivesse dito “vocês não podem se matar?”.

E convenhamos, qual é a dessas regras? Por que o Vento Preto não pode matar os candidatos? Só porque o Jacob escreveu o nome deles numa caverna ou por que encostou neles no passado? Alô, explicação?

O FILHO QUE SÓ EXISTE PARA SALVAR SUA VIDA

Uma coisa que realmente me irrita em termos de roteiro, como o delfonauta já sabe, é colocar uma criança na história com o único objetivo de usá-la como um artifício para causar algo na história sem a devida explicação. É o caso do filho do Desmond, que existe única e exclusivamente para impedir que Ben mate a Penny.

Agora pense comigo: Ben é um genocida frio e calculista. Ele matou toda a turminha da Dharmaville, incluindo o próprio pai (e é racional pensar que lá existiam outras crianças além dele) de uma vez, sem sentir nada. E ele realmente odeia o Widmore e quer fazê-lo sofrer. Para isso, decide matar a filha dele, Penny. Chegando lá, com o objetivo na mira da sua arma, o filho popa do nada e ele muda de ideia? Este é o Chewbacca e isso não faz sentido, caramba! O certo seria o personagem ter matado os dois. Ele nunca mudaria de ideia só porque uma criança apareceu do nada. E o moleque só tinha aparecido uma vez antes e nunca mais apareceu depois. Ou seja, só existia para isso MESMO.

Se não era para a Penny morrer, por que simplesmente não fazer o Desmond impedir o assassinato? Ele faz isso alguns segundos depois do Ben desistir e, se fizesse antes, melhoraria consideravelmente o roteiro.

E outra, no penúltimo episódio, quando o Ben mata Charles Widmore, ele exclama “ele não vai salvar a filha”. Ou seja, ele ainda queria a Penny morta, mesmo depois de ter desistido quando teve a vida dela nas suas mãos. Qual é? Ele é bipolar?

Aliás, a relação de Ben com o Widmore é algo cujo desenvolvimento é prometido desde o início, mas nunca é entregue. E é uma pena, pois é uma das dinâmicas mais interessantes da série.

Ainda sobre crianças e seus efeitos mágicos sobre os roteiristas hollywoodianos, lembra quando o Sayid atirou na versão criança do Ben? Aquilo foi uma das poucas coisas racionais que o iraquiano fez nos seis anos da série. É inegável, era a coisa mais sensata a fazer. Só que depois não faz sentido nenhum a Kate e companhia se esforçando tanto para salvá-lo. Lembro da frase da Kate, “não interessa o que ele vai ser no futuro, não é certo deixar uma criança morrer”. Pô, como assim? Dependendo do que a criança vai ser, não só é certo, como é a sua obrigação deixá-la morrer! O Chewbacca é um wookie do planeta Kashyyk e essa explicação da Kate não tem lógica nenhuma!

WALT

E qual é a do Walt? Depois de várias temporadas quase completamente focadas nele (“They took my son”) e repetindo constantemente que ele é especial, ele simplesmente some? Sabemos que ele saiu da ilha, mas ele apareceu em várias oportunidades depois disso DENTRO da ilha e mais velho. Mas os roteiristas parecem ter simplesmente esquecido do personagem e do interesse do Ben e dos “outros” nele.

FORMULINHAS BATIDAS E SEM GRAÇA

Mas o que fez Lost REALMENTE cair no meu conceito foi o exagero na utilização de formulinhas batidas e sem graça à Steve Screenwriter, especialmente nas duas últimas temporadas. Por exemplo, toda muthafuckin’ vez que um personagem aparecia onde ele não deveria estar, ele aparece de costas, de chapéu, com o rosto escondido nas sombras e outras formas baratas de esconder sua identidade. Tudo isso para, menos de dez segundos depois, vermos quem era. Isso se você já não matasse quem era pela própria silhueta. Afinal, a Kate, o Hurley e o Sawyer têm formatos de corpo um bocado diferentes, né?

E tem mais. Pense na morte do Daniel Faraday, por exemplo. Ele está apontando uma arma para o Richard e de repente você ouve um tiro, sendo levado a pensar que foi Daniel quem atirou. Mas não, quem atirou foi a mãe dele, Eloise, que nem sabíamos que estava na cena e a vítima foi o próprio Daniel, que a princípio era quem tinha o poder na situação. E essa formulinha de inversão de poder, de tiro que vem pelas costas, disparado por um personagem que você não sabia que estava na cena, já era batida nos anos 70, quando o Allan ainda nem era casado. É decepcionante que uma formulinha tão velha e sem graça seja utilizada tantas vezes em algo que um dia se diferenciou pelos roteiros bem escritos e cheios de criatividade.

Por falar no Daniel Faraday e em formulinhas batidas, convenhamos que esconder a identidade dele no sobrenome foi uma decisão ridícula. Ok, ele não sabia que era filho do Charles Widmore, mas sabia que era filho da Eloise Hawking, então porque ele não chamava Daniel Hawking? Ambos são nomes de cientistas da vida real, caramba! Qual é a diferença então? =P

Se lembrarmos que a Eloise só foi aparecer na série bem depois, e a revelação do Daniel ser filho dela nem foi tão surpreendente assim, não vejo muito motivo para o sobrenome diferente, além de abrir um imenso rombo no roteiro (de onde diabos ele tirou o Faraday? Era nome artístico? E desde quando professores universitários usam nomes artísticos?) apenas para um pouquinho de suspense desnecessário.

Outra tecla que eles apertaram repetidas vezes foi a das coincidências. Qualquer lugar que qualquer um desses personagens fosse, em qualquer era temporal, eles encontram outro perdido? E tudo sem motivo nenhum. Gratuidade, teu nome é Lost.

CORRALES, COMO VOCÊ É CHATO

E eu ainda teria mais a dizer, mas o texto já está grande demais. Na verdade, não acho que assistir Lost foi uma perda de tempo ou algo do tipo. Pelo contrário, eu gostei da série, tanto que a assisti até o fim. E inclusive seria capaz de fazer um texto ainda maior do que esse apenas enumerando as muitas qualidades desses seis anos. E mesmo nas duas últimas e piores temporadas, Lost nunca chegou a ser realmente ruim. O problema é que mediano, para um programa desses, deveria ser considerado inaceitável pela equipe criativa.

Mas para falar bem, já temos o Pixáiti nos outros textos desse especial, e alguém precisava ser o chato. E insisto que é triste vermos como algo realmente especial foi se rendendo a convenções batidas e constantemente piorando, culminando com o final mais padrão da TV estadunidense – isso para uma série que em nenhum momento poderia ter sida definida como “padrão”.

Imagino que deve ter tido uma grande mudança de roteiristas nesse meio tempo e Lost sofreu muito com isso. A grande greve dos roteiristas de Hollywood rolou durante a quarta temporada, mas essa já estava escrita, então não foi afetada. Considerando que a qualidade decaiu bastante a partir da quinta, acredito que as coisas podem estar relacionadas. Se a história fosse basicamente a mesma, inclusive o final que tantos acharam decepcionante, mas não tivesse o exagero nas formulinhas de roteiro e respeitassem mais a raiz dos personagens, tenho certeza que as pessoas, inclusive aquelas que nem perceberam racionalmente as coisas que elaborei aqui, teriam se sentido menos enganadas. Afinal, você pode não entender de roteiro, mas inconscientemente, você percebe se está sendo enganado ou se um personagem age fora da personalidade anteriormente estabelecida, por exemplo.

Outra falha grave foi o excesso de promessas nas primeiras temporadas. Tinha muita coisa que aparecia e rolava que nunca foram suficientemente desenvolvidos ou foram desenvolvidos tarde demais. A relação Ben/Widmore é um exemplo de algo que nunca foi devidamente abordado. O próprio Jacob também. A primeira referência a ele foi feita na segunda temporada, mas ele só foi ter sua história contada no antepenúltimo episódio da série, o que deveria ter rolado, no máximo, na quarta temporada. Sem falar de outras coisas, como o navio Black Rock ou a estátua gigante, que são coisas que estavam lá, mas que ou não foram explicadas ou foram tarde demais e de forma não satisfatória. É errado e mesquinho colocar um negócio lá só para alimentar a curiosidade e depois simplesmente dar a entender que “aquilo não é importante para a história”, como o caso da estátua. Isso não é um roteiro bem construído, pois num bom roteiro, não se pode dar pontos sem nó, tudo tem que ter um motivo para existir e ser digno de ocupar espaço na narrativa.

Lost é o tipo de série que deveria ter tudo esquematizado e decidido antes mesmo de começar. Até certo ponto, é possível perceber que isso foi feito, mas eles provavelmente se animaram com a empolgação das pessoas em relação aos mistérios e acabaram acrescentando algumas coisas extras, em cima da hora e sem o devido desenvolvimento. E não se pode prometer algo e não cumprir. Um teaser que nunca será saciado não é uma decisão inteligente, em situação nenhuma.

Seja como for, apesar das falhas e problemas das duas últimas temporadas, Lost sem dúvida tem seu lugar entre as melhores séries da história da televisão e vai ser sempre lembrada com carinho por nerds e não nerds do mundo inteiro. É uma pena apenas que esse carinho seja fruto exclusivamente do ótimo trabalho feito nas primeiras quatro temporadas. Mas pelo menos essas são realmente imperdíveis!