Sense8

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É incrível como a Netflix mudou completamente o modo como consumimos séries e filmes, fazendo do streaming algo popular. Não só isso: a empresa passou a produzir, também, suas próprias séries, que hoje em dia são conhecidas pelo seu elevado teor de qualidade. O negócio chegou ao ponto de conseguirem fazer a série do Demolidor a melhor coisa já produzida no chamado Marvel Cinematic Universe, botando até o próprio filme d’Os Vingadores no chinelo. Era de se esperar que sua nova série, Sense8, cuja primeira temporada inteira está online desde cinco de junho de 2015, fosse manter o padrão de qualidade já conhecido. Pela nota, dá para dizer que sim, mesmo com algumas ressalvas.

A trama começa quando uma mulher chamada Angelica (Daryl Hannah) está se escondendo de alguém que parece caçá-la, acabando por se matar para conseguir isso, antes dando à luz um grupo de oito sensates – pessoas capazes de se ligarem umas às outras psiquicamente. Os sensates podem sentir os sentimentos uns dos outros, conversarem como se estivessem lado a lado mesmo a quilômetros de distância e adquirir as habilidades dos coleguinhas quando oportuno. Até ganharem esses poderes, essas oito pessoas não se conheciam, pois estão espalhadas pelos mais variados lugares do mundo. Quando começam a ter visões de homens e mulheres completamente diferentes de si – tanto em personalidade quanto em aparência – eles começam a se conectar e compartilhar suas vidas com os outros sensates.

O plot da série é completamente sci-fi, com uma pitada meio X-Men, abordando (bem de leve, na verdade) coisas como evolução e genética para explicar esses poderes. De fato, os sensatez me lembraram muito os mutantes da Marvel, pois, mesmo que a população não saiba de sua existência, tem alguém que os odeia e secretamente os caça simplesmente por ser o que são. A trama principal, como era de se esperar, é apenas arranhada superficialmente nessa primeira temporada, sendo mais importante apenas no final dela. Durante o começo, somos apresentados a cada um dos personagens e vemos seus arcos próprios se desenrolarem.

Como muitos já devem saber, Sense8 é, também, um projeto dos Irmãos Wachowski, extremamente conhecidos pelo clássico Matrix. Porém, uma comparação bem mais interessante pode ser feita com outro filme deles: A Viagem. A série e o longa são relativamente parecidos, levando-se em conta que vemos múltiplas histórias diferentes que se conectam em algum momento. Porém, diferente do que vemos no filme, as histórias acontecem simultaneamente e as conexões entre elas são muito mais “orgânicas” devido ao enredo da própria série.

Além disso, Sense8 também explora questões ligadas a diferentes opções sexuais e de gêneros, algo que vem, principalmente, de dois personagens principais (Lito e Nomi). Eu particularmente acho isso algo muito positivo, pois reflete como nossa sociedade vem evoluindo na questão de aceitação das diferenças e acredito que é um assunto que deve ser discutido.

Uma coisa interessante sobre o seriado é a forma como eles conseguem explorar bem cada um dos personagens. Alguns dos enredos são um pouco chatos (ao menos no começo), admito; e às vezes ficava desejando que determinados personagens não aparecessem com tanta frequência. Porém, a série consegue dar muita profundidade a todos os personagens principais. Consegue explorar seus medos e desejos, mesmo que dando mais importância a alguns deles que a outros, justamente para que a história possa caminhar melhor. Aliás, eu achava alguns dos oito personagens meio “inúteis”, mas eles foram tão bem construídos que coisas estabelecidas sobre eles no começo da série foram se mostrando importantes até o episódio final, trazendo gratas surpresas.

A série tem cenas muito boas no quesito ação, uma em especial me arrancou sorrisos e foi tão hell yeah que poderia estar em um Testosterona Total qualquer. As melhores cenas de ação, porém, são as que acontecem quando os sensates compartilham suas habilidades entre eles. Essas cenas são bem tensas e é realmente interessante como eles fazem cada um usar o que sabe para ajudar o outro. Além de tudo isso, o humor é presente na medida certa e ajuda a enriquecer a narrativa (sério, duvido você não rir da Van Damn).

Porém, nem tudo é tão legal. Em primeiro lugar, ela se torna meio maçante e arrastada nas histórias de alguns dos personagens, principalmente no primeiro episódio. A parte boa é que elas geralmente não duram tanto, já que a série troca constantemente os “núcleos”, mas alguns deles (principalmente o de Kala) são um pouco chatos no começo. Felizmente, a maioria dos núcleos evolui bastante até o fim da temporada.

Também há algumas decisões de roteiro ruins, criando situações que não fazem sentido. Uma que me deixou especialmente chateado foi uma cena no último episódio envolvendo um carro, importantíssima para o desfecho da temporada. Não vou dar spoilers, mas você vai saber qual é quando assistir. Além disso, mesmo sendo uma série muito corajosa, ela cai em alguns clichês. Nada muito gritante, mas é algo que diminui a qualidade final.

Vale comentar também que o seriado usa vários ganchos ao longo da temporada, para prender o espectador, algo não tão necessário já que toda ela é liberada de uma vez. Mas acho que isso pode até ser positivo, pois comigo aconteceu algo bastante inusitado: mesmo eu tendo achado a série do Homem sem Medo muito melhor e com certeza querer uma segunda temporada de Demolidor, eu estou muito mais ansioso pra ver mais de Sense8. Com certeza isso é devido ao gancho no final da temporada.

Explicada a série como um todo, vou agora fazer um apanhado geral sobre os oito personagens principais:

Will (Brian J. Smith): um policial de Chicago com alguns problemas em sua infância e com seu pai. Achava sua história um tanto quanto clichê no começo, mas ele foi se desenvolvendo muito e virou o (maior) fio condutor da temporada, pois acabou conhecendo Jonas Maliki (Naveen Andrews, de Lost) um sensate ligado a Angelica que basicamente explica a Will (e ao expectador) o que é e como funciona esse poder.

Riley (Tuppence Middleton): uma DJ islandesa que vive em Londres. É atormentada por acontecimentos de seu passado pelos quais se sente culpada. É outro fio condutor da temporada, e acabou se tornando facilmente minha personagem favorita da série.

Nomi Marks (Jamie Clayton): uma hacker transexual e lésbica que vive em São Francisco. Tem sérios problemas com sua mãe e também é um dos personagens mais importantes para a trama principal da série, justamente por suas habilidades.

Lito (Miguel Ángel Silvestre): um famoso ator mexicano de novelas e filmes que esconde que é gay por medo de que isso, de alguma forma, interfira em sua carreira. O humor está bastante presente na sua história, que foi uma das que eu mais gostei.

Capheus (Aml Ameen): um motorista de van de Nairóbi extremamente fã de Jean-Claude Van Damme. Sua mãe tem AIDS e ele precisa constantemente de dinheiro para comprar seus remédios. É um dos personagens mais carismáticos da série.

Sun (Doona Bae): uma executiva e lutadora de kickboxing de Seul. Tem problemas com seu pai e se culpa por acontecimentos de seu passado. É responsável por algumas das melhores cenas de ação da série.

Wolfgang (Max Riemelt): um arrombador de cofres de Berlim com problemas com sua família. Foi a única história que eu achei que continuou clichê até o final, embora o personagem tenha ótimas cenas de ação.

Kala (Tina Desai): uma jovem farmacêutica indiana prestes a se casar, mas em dúvida quanto ao seu casamento. Foi o plot que eu achei mais sofrível no começo, mas que no final se torna um pouco mais interessante.

A série de fato mantém a qualidade das outras produzidas pelo Netflix, conseguindo segurar e instigar o espectador até o final. Além de tudo, é um bom sci-fi que, unindo seu enredo à profundidade dada aos personagens, rende cenas espetaculares, mesmo que transite entre um tom mais adulto e um mais teen e, por isso, se renda a alguns clichês. Além disso, proporciona várias discussões sobre temas importantes na sociedade atual, falando, principalmente, de igualdade e liberdade. Agora é só esperar que a segunda temporada, se for realmente feita, mantenha (ou melhor, eleve) a qualidade da primeira. Potencial tem.

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