O Nintendo Switch pode dar certo?

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Acontece a toda geração, desde o Nintendo 64. A popularidade dos consoles da Nintendo é cada vez menor. Apenas o Wii ficou fora dessa curva descendente, quando trouxe a Nintendo de volta aos destaques dos noticiários e influenciou fortemente a cultura popular, mundialmente, como fizera no seu auge. Se parte de nós se lembra afetuosamente dos clássicos do Mario dos anos 80 e 90, outra consegue pensar nos finais de semana divertidos com Wii Sports e Just Dance.

A Nintendo tem vários dos melhores jogos, franquias e estúdios de games do mundo. Mesmo assim, o Wii U é um fracasso comercial, com estimativas de 13 milhões de unidades vendidas no globo (e ele é um bom console, com jogos excelentes). Para as estatísticas, sou um dos raros brasileiros que adquiriu o console, em 2013, e ter acompanhado a Big N durante esta geração mostrou claramente que os diversos problemas que a empresa tem pesam muito mais do que a vontade de jogar Zelda, Mario ou Donkey Kong.

Veja bem, estes parágrafos iniciais não estão aí com o objetivo de detratar a Nintendo ou ser pessimista. Perceba que nada elaborei sobre o Nintendo Switch, a melhor ideia da Nintendo desde o Wii. A questão toda é contextualização, delfonauta. A coisa está feia. E é desse cenário que a Nintendo chega com este videogame com design bonitão e sem crianças no trailer de lançamento.

As coisas mais legais e interessantes do Switch você já sabe, e a Nintendo não precisa de nossa ajuda para mostrar. Então, vamos enxergar além da promessa, ou melhor, além daquilo que gostamos de imaginar.

NOVA EXPECTATIVA, VELHA REALIDADE

No filme 500 Dias com Ela, há uma cena chocante que mostra o protagonista Tom Hansen indo encontrar a mulher que ama, Summer Finn. A cena, dividida em duas telas (de expectativa e realidade), é sobre como o amor não se comporta na realidade como em nossas cabeças. Gosto de pensar na Nintendo desse mesmo jeito e, como tenho desejo por este novo Nintendo Switch, considero a comparação deveras pertinente: a realidade do Switch vai ser bem diferente da nossa expectativa.

A ideia do Nintendo Switch é permitir que você possa jogar em um home console e não ter de interromper a maravilhosa jogatina se precisar sair de casa: basta retirar o tablet do suporte e encaixar os joysticks nele, pegar a mala e a coleira do cachorro (não deve funcionar bem para pessoas que estiverem com pressa). Delfonauta, aí está o primeiro choque da realidade (talvez o momento em que a Summer abre a porta para Tom): a bateria não vai durar nem até o primeiro quarteirão andado. Claro que isso é uma hipérbole. Ela provavelmente vai durar três horas.

A Nintendo não divulgou nada por enquanto, mas vamos analisar os fatos. Sabemos que a bateria do Nintendo 3DS dura de três a cinco horas. Para o gamepad do Wii U, o tempo é em média de três horas. Os rumores de setembro, com informações que coincidiram com tudo o que foi divulgado oficialmente até agora, então, deixa as perspectivas ainda menos animadoras. O site original que postou as notícias afirma que a bateria terá duração ruim, enquanto uma fonte mais recente aponta que será de três horas.

Se não podemos contar muito com o maior diferencial do Switch por conta da bateria, voltamos às atenções ao que o console oferece na sala de estar. Na versão oficial, com o Nintendo Switch, a Nintendo não quer competir diretamente com o PS4 e Xbox One porque ela não é boa nisso e prefere dividir confortavelmente o espaço da sala. O problema é que, à primeira vista, o que o Switch oferece apenas para a jogatina de sofá é menos interessante até mesmo do que o Wii U trouxe.

Vamos lá. Já há confirmação oficial de que não há retrocompatibilidade para as mídias físicas do Wii U, nem para as do 3DS. Embora isso até tenha sido esperado, é desapontador de qualquer forma. O Wii U teve duas versões, de 8 gb e 32 gb, então a maioria das pessoas preferiu comprar as versões em disco por conta do espaço limitado.

Não é necessariamente um tiro no pé, mas as pessoas estão cansadas de comprar a licença de um jogo apenas para terem de comprá-la novamente um tempo depois. Os PC gamers consideram-se seres superiores – em parte – por causa dessa garantia dada pela Steam, enquanto a Microsoft tem se saído bem com o seu programa de retrocompatibilidade.

A venda de jogos remasterizados desta geração tem recebido várias críticas por causa desse motivo e tudo aponta que as imagens no trailer de lançamento são de versões atualizadas de Splatoon e de Mario Kart 8. Muitos não ignorarão isso. Para quem não jogou estas versões do Wii U, tudo bem, a Nintendo trará essa oportunidade de conhecer grandes jogos. Para quem já os comprou, é uma decepção, como no momento que o Tom vê todo mundo conversar e ele está lá de canto, sozinho e triste.

MAS O TOM PRECISA FICAR COM A SUMMER!

Por ora, a bateria não dura muito, seus jogos antigos não rodarão e talvez você tenha de comprá-los por preço de lançamento. Mas e quem comprou as versões digitais? No Wii U, a sua conta é associada ao console, ou seja, não é possível logar em outro videogame e jogar seus jogos. Há a Nintendo ID, claro, mas ainda não sabemos como ela irá funcionar no Switch.

A bomba, ainda não confirmada oficialmente, mas que estava naquele rumor anterior que confirmou tudo, é de que o console é inferior em poder até ao Xbox One! Este é o momento em que Tom vê a aliança, o que sugere sugestivamente que a moça vai se casar. Embora poder bruto não signifique muita coisa para os jogos first party da Nintendo (ela consegue fazer qualquer coisa ficar bonita e tecnicamente impecável com poucos recursos), para as third parties, as potentes GPUs e CPUs com toda certeza têm a mais absolutíssima importância. A discussão desta geração tem sido, em grande parte, em relação às performances do PC VS PS4 VS Xbox One. As pessoas ligam mais para resoluções e frame-rates agora, e definitivamente os estúdios AAA precisam de recursos para fazer jogos impressionantes.

O Switch não vai rodar um The Witcher, Dark Souls nem o meu Watch Dogs 2. “Ah”, o delfonauta atento argumenta, “mas e o Skyrim? A Bethesda tá dentro, isso é bom sinal”! É, mas não confio. Skyrim é um jogo de 2011 e será relançado nesta semana para Xbox One e PS4. É a situação do Wii U de novo, que teve logo de início Mass Effect III, Assassin’s Creed III e Batman: Arkham City com funcionalidades para o gamepad, mas terminou a vida com Just Dance e jogos de Lego e nenhum outro apoio de third party relevante.

A propósito, quem mais achou estranho o anúncio do Red Dead Redemption 2 ter sido no mesmo dia do Switch? A Nintendo demorou séculos para revelar o que diabos era o tal do NX e escolheu o mesmo dia dos cowboys? Sério? Isso indica que a Nintendo ignorou totalmente o que a Rockstar iria anunciar, ou ainda escolheu o mesmo dia para bater de frente com uma franquia importante. Sinceramente, quem sabe? De qualquer forma, nada de cowboys no Switch.

É lógico que esta situação toda poderá ser revertida se o Switch vender muito: dessa forma, todas as third parties vão pular no barco do console. Porém, para isso ocorrer, algo é fundamental: preço.

SOU VERDE E AMARELO E PAGO COM TEMER!

A separação entre a Nintendo e o Brasil ocorreu em nove de janeiro de 2015, quando ela encerrou a venda oficial de seus produtos. O Wii U brasileiro era caro (R$ 1.899,00) e os lançamentos custavam R$ 180,00, em média. Quem comprava importado ou de outras lojas especializadas pagava mais barato, mas depois da saída da Nintendo, com a nossa crise e a alta do dólar, os jogos custam acima de R$ 200,00 hoje em dia. Várias vezes, encontrei jogos como Xenoblade Chronicles X, Super Mario Maker, entre outros, por mais de R$ 300,00, ou até R$ 400,00! A mesma coisa aconteceu com o 3DS.

No Brasil, todas as reclamações sobre a Nintendo parecem piada quando percebemos que os consoles da Nintendo são inacessíveis. Se o preço do Switch nos Estados Unidos for maior do que U$ 299,00, será difícil convencer alguém a pagar mais caro por algo que é inferior tecnicamente. Isso é verdade lá e aqui. E, mesmo assim, quem comprar, terá de encarar o preço dos jogos, que por U$ 60,00 não sairão por menos de duzentos temers em terras tupiniquins.

Será menos doloroso se a Nintendo voltar a vender oficialmente no Brasil. Não espere que isso vá acontecer tão cedo, no entanto. Lançar um console é duro e a empresa está arrumando a casa.

UAU, E TEM MAIS!

Uma boa notícia é que os rumores indicam que o region-lock acabará, ou seja, qualquer Switch aceitará jogos lançados no mundo inteiro. Se quiser a versão não traduzida e sem censura de um RPG japonês, esta é a sua chance. Provavelmente.

A outra má notícia é que há rumores que apontam que aquele controle não é touchscreen. Você consegue imaginar um portátil sem esta funcionalidade nos dias de glória dos smartphones? Nada nos garante que isso seja verdade, por enquanto, mas supondo que ele seja touch, por que a parte tablet do controle fica no suporte do Switch enquanto o bichinho é rodado na TV? Hum, dúvida sombria, delfonauta. Melhor não pensar mais nisso, por enquanto.

A SEPARAÇÃO OCORREU HÁ QUASE DOIS ANOS

A principal vantagem do Switch é que, teoricamente, a Nintendo concentrará todos os seus esforços num console híbrido. Não mais os fãs ficarão divididos entre um portátil e um videogame em casa. Jogos de orçamento menor, que antes saíam para o 3DS, poderão ter chances no Switch. Tudo isso é suposição, por enquanto, porque não foi isso que vimos no trailer: conexão com smartphones, nenhum jogo de Pokémon foi anunciado (um erro considerável, ao meu ver, dado o sucesso recente de Pokémon Go).

A imprensa internacional estava tão desgastada por tantos rumores e respostas rasas da empresa – Nintendo does not comment on rumours and speculation – que pouco depois do trailer sair, ela caiu em cima, está fazendo todas as perguntas possíveis, mais do que foi possível cobrir com este texto. Os gamers são dedicados e querem informações, certo? Em quem a Nintendo está focando, então?

Houve erros sérios de marketing com o Wii U (o próprio nome trouxe vários problemas). A Nintendo está com os pés no chão desta vez, talvez mais do que nos últimos 20 anos: quer mandar a mensagem certa, com cautela, e criou um console que as pessoas pediam há anos. Mas ela não está na posição de segurar informações, nem de manter políticas arcaicas. Precisa se comunicar bem, e rápido.

A verdade é que quem joga em home consoles e se importa com a Nintendo é mais velho. Pela primeira vez na vida, a minha principal preocupação é com preço, funcionalidades, bateria de controle, e não se a Nintendo finalmente vai lançar um novo Metroid. O fato de ter chegado a este ponto para mim, que até ontem era um dos fãs mais dedicados da Nintendo no Brasil, e também para muitos outros jogadores em vários outros momentos (lembre-se: a popularidade de seus consoles caem a cada geração) é sinal de que a Nintendo precisa fazer muito melhor dessa vez.