Doctor Who: The Day of the Doctor

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Neste fim de semana, o Brasil fez parte da maior transmissão simultânea da história da TV. Nossos cinemas foram invadidos por fãs apaixonados empunhando chaves de fenda sônicas, usando gravatas borboleta, suspensórios, Fezzes, cachecóis listrados, camisetas no azul cobalto da TARDIS ou até completamente caracterizados como eu. Tudo para homenagear a maior e melhor série de ficção científica do mundo, que está completando 50 anos de existência.

Todos estávamos com as expectativas altíssimas para ver no que resultaria a mistura de várias diferentes encarnações do Doutor com o retorno de um vilão clássico e de uma acompanhante muito amada, torcendo quem sabe por algumas participações especiais ou algumas dicas do que virá na próxima temporada. E é com muita satisfação que eu confirmo que o The Day of the Doctor retribui a homenagem. Apesar de poder ser aproveitado também por espectadores mais eventuais, este episódio foi realmente um agrado para quem acompanha fielmente o Doutor.

O episódio teve tudo o que Doctor Who tem de melhor, com efeitos especiais dignos de cinema e inclusive utilizando muito bem o 3D. E todos os 80 minutos tiveram gostinho de fan service. Teremos de rever várias vezes para identificar cada piscadela e easter egg que eles colocaram lá para nós. Falas, nomes, objetos, paralelos, referências, cenários, rostos familiares; sempre tem algum detalhe a ser percebido, como se nada estivesse lá por acaso.

THE WARRIOR, THE HERO AND THE DOCTOR

O mais divertido foi exatamente o que a gente estava empolgado para ver: os três Doutores juntos. O retorno de David Tennant foi tão bom quanto se esperava. Ele ainda se encaixa perfeitamente no papel, e é visível o quando ele também curte voltar ao personagem. O ataque de nostalgia é inevitável, especialmente quando ele repete sua famigerada frase final. Ainda assim, Matt Smith não fica ofuscado. Ainda penso que ele é o mais engraçado dos intérpretes, e é tão bom assisti-lo que dá pena pensar que já estamos nos despedindo dele também.

Mas a grande surpresa foi o John Hurt. Ele transmitiu muito bem o pesar e a dor desse período que o Doutor prefere esquecer, mas não se limitou só a isso. A sabedoria de ser a encarnação que tem o poder da escolha também está lá, e até na parte mais humorística, alfinetando impiedosamente seus ‘eu’ do futuro, ele não deixa a desejar. A química dos três juntos foi o grande charme do episódio, e foi muito bem aproveitada.

E ainda tiveram ótimos coadjuvantes para apoiar. Jemma Redgrave retorna como Kate Stewart, integrante da UNIT e filha de seu lendário fundador, o Brigadeiro Lethbridge-Stewart. E fomos apresentados à Osgood (Yes para os íntimos), a simpática cientista com um senso de moda semelhante ao do Quarto Doutor. A Rainha Elizabeth I também volta, e finalmente é explicado porque ela estava tão chateada com o Doutor no episódio The Shakespeare Code.

IT IS THE PRIVILEGE OF LESSER MAN TO LIGHT THE FLAME

E devo admitir que Steven Moffat também merece um elogio. Apesar de muito talentoso, o roteirista tem tomado decisões deveras irritantes nos últimos tempos, tanto que eu queria que ele fosse substituído junto com Matt Smith. Mas este foi realmente um dos melhores roteiros que ele já fez para a série. Vou tentar evitar spoilers malvados, mas cuidado mesmo assim.

Eu já estava meio desconfiada porque ele estava se propondo a mexer em muita coisa que é “sagrada” na série. Principalmente a Time War e o destino de Gallifrey, o mítico evento cujas consequências proveram a maior parte do desenvolvimento emocional do Doutor pós-reboot. Nós já o conhecemos como “o último dos Time Lords”, e mexer nisso era bastante arriscado. Ainda mais trazendo essa nova encarnação, que pode mudar toda a mitologia do personagem.

Trazer Billie Piper de volta também era complicado. Todos sentimos muita falta dela e foi ótimo vê-la de novo, mas o fato é que o arco da Rose foi muito bem construído e concluído pelo Russell T. Davies, e mexer nisso seria até desrespeitoso. Considerando tudo isso, ele fez escolhas surpreendentemente boas, que resultaram numa história grande e ambiciosa, mas também muito satisfatória e empolgante.

Lembro-me dele comentando em alguma entrevista que este episódio era tanto para celebrar o passado quanto para garantir o futuro, e agora isso faz total sentido. Ele conseguiu revirar o passado respeitosamente, nos deu um final feliz, e ainda abriu possibilidades muito interessantes para serem exploradas.

THE DAY IT WASN’T POSSIBLE TO GET IT RIGHT

O único grande defeito de The Day of the Doctor foi a curta duração. 80 minutos é muito pouco, se você considerar que qualquer arco de dois episódios ganha mais tempo que isso. Outros especiais, como o The Three Doctors, de 1973, e o The Two Doctors, de 1985, tiveram o equivalente a pelo menos três episódios para mostrar os Doutores interagindo. E esses minutos a mais poderiam ter feito a diferença aqui.

Os Zygons, por exemplo, tiveram uma introdução muito boa, mas depois que eles de fato apareceram, acabaram ficando sem graça em relação ao outro núcleo da trama. A última cena com eles fez um paralelo excelente, mas também foi muito inconclusiva. Com mais tempo, poderiam ter mostrado o resultado da negociação, e assim o retorno deles poderia ter sido melhor justificado. Da forma que ficou, parece que só serviu para desenterrar um vilão clássico mesmo.

E apesar das muitas participações especiais épicas – com destaque para um par de sobrancelhas que fez o cinema todo gritar – muita gente fez falta. Com apenas 80 minutos realmente fica difícil dar um espaço digno para todos, mas com uma duração mais longa, poderíamos ter visto mais dos Doutores pré-reboot, talvez o Capitão Jack Harkness e quem sabe, poderiam ter incluído o Christopher Eccleston também. Nem que fosse só uma pontinha, como a hilária introdução cinematográfica do Strax ou aquele momento especial com o Tom Baker no final.

E mesmo as coisas que já estão lá, como os vislumbres da Time War, poderiam ter tido um significado bem maior se tivessem tido mais tempo de tela. Nós mal vimos o John Hurt na batalha propriamente dita. Vê-lo lutando teria dado ainda mais profundidade para essa encarnação mais sombria e temida do Doutor. Para ser sincera, até se tivessem colocado mais quinze minutos com nada além de Matt Smith, John Hurt e David Tennant batendo papo, eu ia curtir.

Mas isso não muda o fato de que o episódio conseguiu ser igualmente hilário, épico e chorável emocionante. Me fez querer rever tudo de novo e me deixou ansiosa para o que virá a seguir, e portanto me sinto obrigada a dar o Selo Delfiano Supremo. Que venham mais 50 anos de Timey-Wimey Stuff!