Better Call Saul

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Breaking Bad, aquela tida como uma das melhores (senão a melhor) séries de todos os tempos chegou ao fim, mas isso não quer dizer que seu universo cheio de figuras escusas e situações moralmente ambíguas não possa continuar a ser explorado. Afinal, as desventuras de Walter White deixaram uma boa gama de personagens coadjuvantes que poderiam estrelar seus próprios spin offs. E um dos melhores sem dúvida era o advogado trambiqueiro Saul Goodman.

Não à toa, ele foi o escolhido para ser o protagonista da série cujo título era o seu principal slogan no seriado de Walter e Jesse Pinkman. Em Better Call Saul, no entanto, voltamos no tempo (segundo o IMDb, seis anos antes de sua primeira aparição em Breaking Bad), quando sequer ainda era Saul Goodman e respondia por seu nome verdadeiro de Jimmy McGill.

Retratado de maneira tragicômica, vemos o sujeito na pindaíba (seu carro caindo aos pedaços é um personagem à parte), tentando levantar sua própria firma de advocacia e sair da sombra do irmão, ele próprio advogado e sócio de uma firma das mais respeitadas.

Contudo, sua aptidão por nem sempre andar do lado certo da lei, vide sua juventude como golpista de rua, e verdadeiro talento nato para atrair os tipos errados de gente começam a levá-lo a dar os primeiros passos para entrar no caminho em que o conhecemos na série onde ele se originou.

Sendo um spin off, não há como fugir das comparações com sua “matriz”, então tiremos o elefante do meio da sala. Visualmente, sim, ela é bem parecida com Breaking Bad. Possui o mesmo apuro estético visual, direção precisa, com ângulos e movimentos de câmera milimetricamente calculados para revelar alguma nova informação ou surpreender o espectador. A paleta de cores também é a mesma, passando toda aquela sensação de aridez do deserto de Albuquerque, Novo México.

No entanto, eu diria que as semelhanças param por aí. Better Call Saul em nenhum momento se propõe a ser um novo Breaking Bad e isso é ótimo, visto que seria tarefa quase impossível. Ao invés disso, prefere seguir um caminho diferente e vencer por seus próprios méritos, o que, baseado nos dez episódios de sua temporada de estreia, conseguiu sem grandes esforços.

NEED A WILL? CALL JIMMY MCGILL

Ela tem outra pegada. É dramática, mas bem menos densa e pesada, abrindo mais espaço para o humor que já era um dos pontos fortes do personagem desde Breaking Bad. Assim, ela se foca justamente no fato de que já conhecemos o futuro desse personagem, e vai nos dando pequenas pistas de como ele pode chegar lá.

Brinca com sua dubiedade moral a todo momento. Jimmy essencialmente é uma boa pessoa, mas é inegável que seu grande talento não necessariamente caminha nesse sentido, deixando-o dividido entre fazer o certo e nunca passar de um defensor público estilo”porta de cadeia” ou sujar um pouco as mãos e prosperar.

Bob Odenkirk está perfeito como o personagem, a essa altura já dominando-o completamente e agora mostrando muita desenvoltura como o protagonista, tirando o máximo tanto de seus momentos mais losers quanto também de seus pequenos triunfos, misturando momentos hilários com outros mais carregados de tensão com igual qualidade.

Até mesmo a presença do carrancudo Mike (outro dos personagens mais bacanas de Breaking Bad) no elenco fixo, que à primeira vista parecia não ter nada a ver com o tom geral da série, acabou por se encaixar muito bem, ao revelar suas origens e também já colocá-lo no caminho onde o conhecemos. Sua primeira aparição, numa situação completamente inusitada, é um bom exemplo de como o programa trata nossa percepção desses personagens e como vai revelando aos poucos e com maestria as circunstâncias que os colocaram lá, fazendo todo sentido no final.

E embora em um ou outro momento ela dê uma escorregada ao forçar um pouco demais o tom das esquisitices, deixando-as um tanto exageradas (particularmente, não gostei muito do problema do irmão do Jimmy), essa primeira temporada é de altíssima qualidade narrativa.

Há pelo menos um outro personagem de Breaking Bad que retorna aqui em um dos melhores e mais engraçados episódios do seriado e algumas referências do tipo que só quem tem uma baita memória ou assistir aos dois programas um atrás do outro vai pescar.

Esse fan service, no entanto, serve apenas como uma graça a mais para os espectadores mais detalhistas e a série caminha com suas próprias pernas, não sendo necessário ter assistido sua antecessora para apreciá-la em sua totalidade. Na realidade, diria até que há grandes chances de alguém que não tenha gostado de Breaking Bad curtir a história de Jimmy McGill pelo tom mais cômico e sacana com o qual ela é levada. E para quem gosta de entretenimento de primeira, Better Call Saul não deixa nada a dever, levando o legado de sua antecessora adiante, criando sua própria identidade no processo, e tudo isso ao mesmo tempo em que entrega horas de diversão de excelente qualidade.

CURIOSIDADE:

– O ator Michael Mando, que ficou famoso ao interpretar o vilão Vaas Montenegro em Far Cry 3, participa de alguns episódios como o personagem Nacho. Confira um pedaço do trabalho dele em Far Cry aí embaixo.

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
better-call-saulAno: 2015/ainda em produção<br> Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando e Michael McKean.<br> Canal: AMC, Netflix<br>