Círculo de Fogo

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É senso comum. Desde que levou as duas dolorosas bombas atômicas estadunidenses no fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão vem sofrendo com os incessantes ataques de monstros gigantes. Nossos amigos de olhos puxados já lidaram com isso de várias formas, a princípio com exército normal, depois pagando um gigante de cueca e, finalmente, a tática aparentemente mais eficiente: combinar cinco veículos coloridos em um único e poderoso robô gigante.

Porém, nestes 70 anos, uma coisa os japinhas fizeram bem: conseguiram conter os ataques ao seu país. Porém, como seria se um dia os monstros escapassem e começassem a fazer miséria com outras grandes cidades além de Tóquio? Círculo de Fogo imagina como seria isso.

GIPSY DANGER

Como qualquer delfonauta que se preze já sabe, em Círculo de Fogo os ataques dos monstros gigantes não começaram após as bombas atômicas e sempre foram uma ameaça em escala mundial. Para conter os monstrengos, o mundo se uniu como nos mais molhados sonhos do Ozymandias e tomou a única solução lógica: construir robôs de guerra gigantes. Agora as regras nerds exigem que toda vez que alguém fala ou digita “robô de guerra gigante”, todos os que ouviram ou leram devem soltar um hell, yeah em uníssono, então por gentileza se junte a mim e a todos os outros delfonautas nessa tradição. Eu falo “robô de guerra gigante” e você fala “hell, yeah!”. Combinado? Vamos lá!

Robô de guerra gigante!

Todos: Hell, yeah!

Robô de guerra gigante!

Todos: Hell, yeah!

Robô! Hell, yeah! De guerra! Hell, yeah! Gigante! Hell fuckin’ yeah!

Em nome da santíssima trindade nerd de Georges, George Lucas, George R.R. Martin e George Romero. Amém.

COYOTE TANGO

Agora que já concluímos nossa prece nerd, podemos voltar a falar do filme. E é curioso que uma coisa com tanto potencial visual quanto robôs de guerra gigantes nunca tenham sido transportados ao cinema de forma apropriada. A não ser, claro, que você seja um dos três fãs dos filmes dos Transformers. Pois Círculo de Fogo vem para encerrar essa maldição. Pois é, delfonauta, finalmente temos um bom filme com robôs gigantes, embora ele tenha muito menos robôs gigantes do que toda sua divulgação nos faria deduzir.

Aliás, a simples estreia em circuito mainstream de um filme como este demonstra um tremendo triunfo da cultura nerd. Monstros e robôs gigantes não são como super-heróis ou algo totalmente intrínseco à cultura de fazer dinheiro estadunidense. Essa temática, de origem basicamente japonesa, é muito mais nicho e tem muito menos apelo entre as pessoas normais do que fortões usando cuecas por cima das calças.

É justamente por isso que este filme tem tanta gente torcendo por ele. É um cult voltado ao mainstream. Em alguns gêneros, como o de zumbis, isso não é tão necessário, para não dizer até que não é desejável. Porém, o gênero zumbis tem por objetivo nos levar à reflexão política e social. Monstros e robôs gigantes é porrada! É espetáculo visual! E, exatamente por isso, carece de efeitos especiais caros.

Qualquer diretor é capaz de fazer um bom filme de zumbis com uma boa ideia na cabeça e poucas verdinhas (muitas verdinhas até atrapalham neste caso, pois acabam afastando o gênero da reflexão, como vimos em Guerra Mundial Z), mas não dá para evitar: para colocar um monstro e um robô do tamanho de prédios trocando sopapos e destruindo cidades você precisa de dinheiro. E conseguir convencer produtores a investirem em projetos altamente nerds e com pouco apelo comercial parece estar se tornando a especialidade do Guillermo del Toro. Ele conseguiu assim fazer dois Hellboys e este Círculo de Fogo. Bravo, Guillermo. All hail William of the Bull!

Hail!

Infelizmente, os produtores foram convencidos a fazer o filme, mas como já é esperado em casos de filmes altamente nerds, Círculo de Fogo não vem arrecadando o suficiente para se justificar, o que pode deixar mais difícil outros projetos como ele.

Mas voltando ao copo meio cheio, para deixar tudo ainda mais triunfalmente nerd, ainda contrataram a Ellen McLain, ninguém menos que a voz da GLaDOS, do também cult e extremamente nerd game Portal, para fazer a voz da inteligência artificial do principal robô do filme. Originalmente, aliás, a ideia era que fosse a GLaDOS mesmo, e foi assim que a atriz interpretou, mas depois mudaram de ideia e resolveram alterar um pouquinho a voz através de efeitos. Ainda assim, se você é fã de Portal, vai reconhecer imediatamente.

CHERNO ALPHA

Não dá para negar, ver estes titãs trocando porradas finalmente em um filme endinheirado parece ser o tipo de coisa para a qual o cinema foi criado. Cada uma das três cenas de luta do filme é lindíssima e tem o “fator uau” lá no topo.

E é neste ponto que o delfonauta negativo sentado no fundão grita “peraí, Corrales, três cenas? Só três?”. E eu respondo: Pois é, delfonauta negativo sentado no fundão. Aparentemente o papo do of the Bull na arrecadação para Círculo de Fogo não foi assim tão bom. Deve ser simplesmente caro demais fazer cada uma dessas cenas, e por isso mesmo a quantidade delas é deveras limitada. Além disso, todas elas acontecem no escuro, deixando mais difícil ver o que está acontecendo e assim diminuindo os custos de produção. Elas ainda são lindas, mas não dá para negar que poderiam ser mais legais.

Ao invés da porrada entre monstros gigantes, o filme é focado na batalha emocional dos dois protagonistas (Charlie Hunnan e Rinko Kikuchi) que precisam superar seu passado para voltar à ação. Ainda é legal, e o simples mundo no qual o filme acontece já é deveras interessante, mas convenhamos que o que todo mundo queria ver não era exatamente isso.

Na segunda e principal cena, aliás, o mote é que serão três robôs contra dois monstros gigantes. O expectador fica esperando um battle royale épico, mas em poucos segundos acaba voltando ao tradicional mano a mano. Isso dá ao filme um certo fator George Lucas. Manja como em todos os Star Wars, parece que vai rolar um momento de pintudice épica, mas daí tudo é resolvido de forma rápida e simplista? Caso não lembre, pense na luta do Obi-Wan contra o Grievous.

Aposto que todo mundo que está lendo isso teve uma épica ereção nerd quando o Grievous avança com seus quatro lightsabers, epicidade esta igualada apenas à épica brochada que vem em seguida, quando dois braços são cortados em segundos e, imediatamente, a luta acaba. Infelizmente, dadas as devidas proporções eu fiquei com esta mesma sensação ao ver Círculo de Fogo.

Veja bem, a segunda cena de luta, ao contrário da luta contra o Grievous no Episódio III, é sensacional e longa o suficiente. O problema é que é uma luta mano a mano, e não o três contra dois que fomos prometidos. Para manter a relação com Star Wars, seria como se a luta acima continuasse quando Grievous tem apenas dois braços e dois lightsabers sobrando. Tipo, é legal, mas é mais normal, e menos épico do que o que o filme prometeu.

Temos um monte de robôs gigantes legais por aqui. O Crimson Typhoon, por exemplo, com seus três braços, promete belíssimos momentos, mas tem literalmente segundos na tela até ser derrotado. Lembra no God of War III, que deveria ter uma pá de titãs, mas todos morrem nos primeiros minutos de jogo? É por aí. God of War é a história do Kratos e não há espaço para mais ninguém, assim como aqui a história é do robô estadunidense Gipsy Danger e todos os outros aparecem menos do que alguns extras. E isso é uma pena.

CRIMSON TYPHOON

No final das contas, você provavelmente vai sair do cinema empolgadão. Eu saí. Porém, conforme o tempo passa, fica claro que este é um filme que amamos mais pelo seu potencial do que de fato pelo que realizou. Sacrifico aqui meus bonequinhos do Transformers para que este filme dê a volta por cima, renda muito dinheiro e assim possibilite uma continuação com mais ação e em cenários claros. Enquanto isso, vá ao cinema e se divirta bastante com o que temos aqui. Pode não ter tanta porrada quanto os trailers nos prometeram, mas ainda assim é bastante divertido e vale o ingresso. E convenhamos, não dá para não gostar de um filme que tem um robô gigante chamado Striker Eureka!

CURIOSIDADES:

– O primeiro que disser nos comentários de onde eu tirei a chamada de capa “love is a burning thing” e porque a usei ganha minha eterna admiração por todos os segundos que eu levar para ler o comentário.

– Cada um dos intertítulos deste texto é o nome de um dos robôs do filme. Divirta-se tentando adivinhar de qual país cada um deles é.