Carlos Ruas – Entrevista Exclusiva

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A internet possibilitou que um monte de gente talentosa pudesse ter espaço para divulgar seus trabalhos. Sem ela, muito provavelmente esse conteúdo nunca chegaria ao público (é inclusive o nosso caso – imagina um DELFOS sem internet. Ou pior, uma internet sem o DELFOS! O.o). Carlos Ruas aproveitou essa ferramenta e criou o blog de quadrinhos Um Sábado Qualquer em 2008, que faz humor leve com Deus e personagens religiosos como Adão, Eva, Caim e até Lúcifer, que no blog leva a culpa por tudo e é chamado de Luciraldo.

O tema do blog poderia dar problemas, mas Carlos Ruas conseguiu agradar a gregos e troianos ateus e cristãos. O autor faz humor com as criações falhas de Deus (como os dinossauros e o curioso ornitorrinco), com Adão, um cara safado que não se contenta em ficar com a mesma mulher por mais de 900 anos (absurdo, não, delfonauta?), situações cotidianas e muito mais.

Particularmente, sou um grande fã do blog e o acompanho quase desde o início. Na entrevista abaixo, realizada por e-mail, você confere várias curiosidades sobre Carlos Ruas, desde sua relação com nerds, heavy metal, o que ele achou do vídeo sobre o profeta Maomé que enfureceu os muçulmanos, sobre a reação exacerbada do público brasileiro a humor, sobre seu mais recente personagem, Jesus, e mais um monte de coisa interessante. Divirta-se!

Você começou a desenhar com cinco anos com a ajuda do seu pai. Ele era ilustrador?
Não, ele era psicólogo, mas sempre incentivou a área artística nos filhos. Ele tinha uma boa noção de charge e possuía até um personagem chamado “Fido”, e publicava (as charges) no jornal regional da cidade. Foi com ele que eu fiz minha primeira charge.

Desde então, desenhar se tornou um hobby e já li que você desenhava inclusive em carteiras da escola. Você já levou broncas ou passou por algo engraçado por causa desse costume?
Por incrível que pareça não. Desenhava xiitamente e diariamente, preenchendo toda a minha carteira de um canto ao outro, mas nunca me chamaram a atenção atenção. Pobre devia ser quem a limpava todos os dias. O problema é que eu perdia bons desenhos assim; às vezes ficava tão legal que eu colocava uma seta escrito “não limpe!”, fazendo um apelo para o rapaz da limpeza, mas sempre sem sucesso.

Quais quadrinhos e desenhos animados marcaram a sua infância e adolescência?
Comecei lendo Asterix, gosto e coleciono até hoje. Fui muito influenciado por Laerte e Angeli, Henfil e Quino.

Você era considerado um nerd quando era novo?
Não, eu era mais hippie que nerd. Fiquei encantado com a filosofia dos anos 60, Woodstock, essas coisas… Eu andava com os nerds e roqueiros, mas não era um. Sempre tentaram fazer eu gostar de RPG, mas eu sempre dormia nas partidas – imagina um bárbaro de três metros dormindo em toda a jornada-, só me acordavam para eu jogar os dados. Só gostei mesmo de Vampire, sempre era malkaviano. Ah, jogo Magic até hoje.

E hoje você se diria nerd?
Não.

Seus quadrinhos têm referências a games, como God of War. Quais são seus jogos favoritos?
Faz muito tempo que não jogo nada. Mas meus jogos favoritos sempre foram os de futebol (Wining Eleven) e os de primeira pessoa. Até hoje dá uma saudade e volto a jogar Doom e Duke Nukem.

Também já encontrei uma referência a Blind Guardian nos quadrinhos. Heavy Metal é ou foi importante na sua vida?
He, he… Verdade, foi o Luci de Deus metal, seu ponto fraco é funk e axé (veja a tira do Deus metal e suas fraquezas). Mas na verdade devo esse mérito a meus amigos roqueiros e à minha namorada, eles que se amarram nessas bandas, e por observação resolvi colocar esse universo nas tiras. Se eu curto metal? Só um metal mais melódico… mais celta.

O nome “Um Sábado Qualquer” não parece ter uma relação direta com o tema dos quadrinhos do blog. Você escolheu esse nome porque desenvolvia seus trabalhos ao final de semana?
Na verdade, tem toda uma relação com os quadrinhos. A “princípio”, Deus descansou no sétimo dia, no sábado; minhas tiras se baseiam quando, em um dia de ócio dele, tudo começa a dar errado. Ou seja, um sábado qualquer desses em que Deus estava descansando e tudo começou a ar errado.*

*Nota do Daniel: algumas pessoas podem estranhar essa citação de que Deus tenha descansado no sábado, e não no domingo. O que acontece é que as religiões não chegam a um consenso sobre qual é o sétimo dia em que Deus descansou, ou ainda qual é o dia sagrado para orar a Deus. Judeus, adventistas e até alguns cristãos consideram o sábado o dia sagrado, enquanto a igreja católica diz que domingo é o “Dia do Senhor”, já que este é, segundo eles, o dia em que Cristo ressuscitou.

Confesso que fiquei emocionado com o vídeo que mostra o desenho da Priscila. Que outras coisas legais seus fãs já fizeram que te surpreenderam?
Adoro o carinho de meus fãs, só o fato de eles comprarem uma pelúcia minha, levarem lá para Paris e tirarem fotos nos pontos turísticos de lá já é algo fantástico. Sempre tento interagir com eles. O blog já foi motivo de união de namoro; uma mãe me disse uma vez: “por causa de seu blog tive que explicar pro meu filho o que era TPM”; uma fã perdeu o namorado, ele morreu no mesmo dia em que o Deus de pelúcia chegou, foi reconfortante para ela; uma fã que sofria de câncer ia sempre nos meus lançamentos de livro, até quando o médico a proibia e quando ela ficou internada em estado grave, fiz uma tirinha de apoio. Bem, esses são alguns fatos que eu lembro, mas essa interação é sensacional.

Você lançou o seu primeiro livro no ano passado, e agora já está lançando o segundo, o Boteco dos Deuses. Como você decidiu quais tiras iriam entrar em cada um deles?
Bem, sigo a ordem do blog, elimino algumas que não gostei, mas sempre sigo a ordem das postagens, e, claro, dou uma organizada melhor na cronologia. No final de cada livro sempre coloco um longa inédito de 20 páginas.

Há tiras exclusivas neles?
Não, são as tiras do blog, mas no final do livro, sempre coloco um longa inédito.

Há planos para fazer animações no Um Sábado Qualquer?
Sim, mas preciso de tempo. Um dia sai.

Além de ser formado em design industrial, você também é ator. Você já pensou em seguir essa carreira?
Sim, na verdade sempre quis fazer vídeos de humor, mas para isso você tem que gastar dinheiro com equipe, câmera, som, iluminação, estúdio, programas de edição… Então resolvi colocar meu humor nos quadrinhos. Mas me aguardem, um dia ainda terei meu programa de humor.

Qual papel você fez que foi o mais divertido e/ou gratificante?
Bem, minha vida teatral foi curta, fui palhaço na maioria das vezes. Fazia muita animação em festas, eu era o palhaço Sabiá, gostava do palhaço Sabiá.

Você tem uma boa exposição na internet. Já se preocupou com as suas informações pessoais estando tão expostas?
Bem, e quem não está exposto hoje? Ainda não vi motivos para me preocupar, pelo menos ainda não. Desde que eu não brinque com os islamitas, estou no lucro.

Há alguma ideia que você deixou de lado por achar que o público não iria aceitar bem?
Bem, há quase um ano tento lançar um novo quadrinho com novos personagens, mas meus leitores estranharam. Até eu tenho dúvidas sobre eles, não publiquei direito, só em partes. Já é complicado administrar um blog de quadrinhos, dois então… Mas irei dar um jeito de publicá-los de uma maneira mais calma e planejada. Bem capaz de ser a partir de fevereiro.

Falando nisso, recentemente o Danilo Gentili recebeu mais uma acusação por racismo, que está dando bastante repercussão. Você já disse que um grupo de gays tentou te processar. Por que você acha que as pessoas no Brasil se sentem ofendidas tão facilmente com humor?
Eu até entendo o lado deles, é bem diferente você fazer piada com gays do que com advogados. Os gays sofreram muito para chegar aonde chegaram, foram discriminados, agredidos, não aceitos pela sociedade e até pela família, então a gente vê um rancor acumulado para qualquer faísca que os façam lembrar desse assunto, nem que seja uma piada. Eles não sabem o que passa na cabeça de quem a fez, uns interpretam na brincadeira, outros na maldade. Por isso que é um assunto muito delicado. Quem é discriminado, tem dificuldades em lidar com piadas sobre si. Eu entendi isso com as minhas tiras. Bem, hoje eu evito um pouco fazer piadas com temas polêmicos, mas também não posso me censurar. Se aparecer uma, vou desenhar.

Você pensou em abordar em suas tiras o vídeo sobre o profeta Maomé que deixou muitos islâmicos enfurecidos?
Não, porque não fui a favor do vídeo. Tenho criatividade para ter minhas próprias ideias para o profeta Maomé. Em nenhum momento vi esse vídeo como uma possível ideia.

O que você achou desse acontecimento?
Até eu fiquei ofendido com o vídeo. A intenção daquele vídeo não foi debater o assunto ou mostrar bons argumentos, a intenção era ofender mesmo, e isso faz com que percamos a nossa razão, por isso não quis brincar com isso. Já brinquei com o Maomé, mas de uma maneira muito mais diplomática e sem ofensas. Se você quer criticar algo, tenha bons argumentos para isso. Esse vídeo foi como se alguém xingasse o outro no trânsito, foi apenas para tacar lenha na fogueira e piorar as relações ocidente-oriente.

Você criou o personagem Jesus depois de muito tempo do blog ter sido criado. Por quê?
Realmente, foram quatro anos até o Jesus aparecer. Bem, por incrível que pareça, brincar com Deus é mais fácil do que brincar com Jesus. Como na história bíblica Jesus teve uma morte tão sofrida, e esse papo de que ele morreu por nós, é como se você estivesse brincando com alguém que morreu ontem, então sempre tive ressalvas ao colocar Jesus com relação ao que iriam pensar. Com o tempo fui perdendo essa preocupação, o testei como um coadjuvante e a aceitação das pessoas foi positiva, então resolvi lhe dar um papel com mais destaque na turminha.

Não encontrei muitas informações a respeito da sua crença religiosa. Você acha que se revelasse mais sua forma de pensar sobre esse tema afetaria a forma que as pessoas veem seu trabalho?
Possivelmente. Mesmo eu tentando ficar em cima do muro e não favorecendo lados, acho que a minha escolha de crença ou “não crença” poderia afetar a leitura que meus leitores teriam. Um juiz de futebol não costuma dizer para que time torce por motivos profissionais, faço o mesmo.

Gostaríamos também de fazer algumas perguntas rápidas e nada sérias:

1) O que você tem contra ornitorrincos?
Se Deus existe, os ornitorrincos são a prova de que ele adora uma piada.

2) Você perdoaria Adão se fosse Eva?
Não, mas como não sou Eva…

3) Você já me disse que seu plano é montar um império e dominar o mundo, o que é um problema porque aqui no DELFOS almejamos a mesma coisa. Caim inclusive se aliou a nós, mas ele não é muito confiável. O que podemos fazer a respeito?
Continuar tentando.

4) Deus já revelou se o mundo acaba neste ano?
Olha, ele até se assustou quando eu fiz essa pergunta. Mas disse que era pegadinha Maia.

5) Deixe uma mensagem ao seleto público do DELFOS.
Um abraço aos leitores do DELFOS e que o Deus metal esteja com vocês!