Batman tem TOC

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O que leva um homem adulto e milionário a vestir uma fantasia de morcego e sair todas as noites por sua cidade prendendo ladrões, trombadinhas, mafiosos e outros congêneres? Por que um milionário, ao invés de curtir a vida, prefere gastar seu dinheiro em equipamentos de última geração para o combate ao crime, além de arriscar sua vida diariamente?

Batman é um personagem fascinante, pois é um super-herói sem superpoderes, o que torna mais fácil nos identificarmos com ele, já que qualquer um poderia ser um Batman. Além disso, os motivos que o levam a fazer o que ele faz o diferenciam do resto dos super-heróis. Ele não é um Superman, que defende os inocentes porque é certo e pronto, ele tem motivos pessoais, o que não o torna exatamente bondoso.

Ele também desenvolveu uma verdadeira obsessão por sua tarefa, que faz com que se afaste cada vez mais de um convívio social saudável. Nesta matéria, apresentarei uma construção do personagem através de um breve resumo de sua história, seguido de uma análise de suas características psicológicas comparadas com o texto do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e da conclusão sobre o transtorno encontrado.

CARACTERIZAÇÃO DA PERSONAGEM

O jovem Bruce Wayne, então com oito anos de idade, presencia o assassinato de seus pais durante uma tentativa de assalto. Vítima da violência urbana que ocorre diariamente em todas as cidades do mundo, ele decide que, enquanto viver, fará o máximo possível para que outras pessoas não sofram a mesma dor que ele.

Logo após se formar na escola, ele passa a viajar para várias partes do mundo aprendendo as mais variadas técnicas de luta e diversos estudos sobre física, química, criminologia, e qualquer outro assunto de seu interesse. Com o corpo e a mente aprimorados, ele se torna um dos melhores lutadores do mundo, combinando todas as formas de luta aprendidas num estilo próprio. Possui a agilidade de um ginasta olímpico. E, com todos os seus estudos, adquire conhecimentos gerais sobre os mais diversos assuntos e se torna um dos melhores detetives existentes.

Após concluir seus estudos, já adulto, volta para sua cidade, Gotham City (uma cidade fictícia baseada em Nova Iorque, porém com uma arquitetura gótica e com os mesmos níveis de criminalidade de São Paulo) e decide se tornar um vigilante. Baseado em um antigo medo de infância, cria uma fantasia de morcego que, segundo ele, serve para incutir o medo nos bandidos, que são extremamente supersticiosos e covardes. Assim, passa a se chamar de Batman e começa a patrulhar as ruas todas as noites, contando com um arsenal de equipamentos criados por ele. Bruce é a pessoa mais rica de Gotham, já que herdou a fortuna e as indústrias de seu pai, as Indústrias Wayne, que investem em avanços tecnológicos.

Batman trabalha sozinho e não hesita em usar extrema violência contra os bandidos, porém nunca os mata, pois segundo sua lógica, se assim o fizesse, se rebaixaria ao nível do assassino de seus pais.

Com o passar do tempo, ele passa a dedicar cada vez mais do seu tempo às patrulhas, praticamente abdicando de sua vida social. Seu único confidente é Alfred Pennyworth, mordomo da família Wayne há muitos anos, e responsável direto por Bruce quando seus pais morreram. Wayne não possui amigos e apenas ocasionalmente comparece a algum evento social, somente para manter as aparências, e não por prazer. Ele teve poucos relacionamentos amorosos, e todos acabaram por causa de sua “segunda vida”.

Em frente à enorme dificuldade de combater a criminalidade em uma das maiores cidades do mundo, ele acaba sendo obrigado a ceder um pouco, e passa a trocar informações com a polícia, representada pelo Comissário Gordon, embora ainda saia nas missões sozinho. Pouco depois, cada vez mais cansado, acaba aceitando, mas com muita relutância, a ajuda de um parceiro, Robin. Porém, com a condição de que ele siga todas as suas ordens sem questioná-las.

Assim, Batman combate a criminalidade de Gotham diariamente. Além de bandidos comuns, ele possui uma das mais bizarras galerias de vilões, sendo que quase todos eles possuem algum problema psicológico ou algum transtorno de personalidade. Quando são presos, são levados para o Asilo Arkham para Criminosos Insanos, onde são tratados. O próprio Batman já passou uma temporada no Asilo para investigar um dos internos, que poderia estar fugindo de sua cela todas as noites e voltando ao amanhecer (na minissérie Batman – Retorno ao Asilo Arkham).

Batman foi criado pelo desenhista norte-americano Bob Kane (1916-1999), inspirado em Zorro e Dick Tracy e teve uma série de TV nos anos 60 famosa por fomentar boatos sobre uma possível relação homossexual entre o Homem-Morcego e o Menino-Prodígio, inúmeros desenhos animados e oito filmes para cinema (já contando O Cavaleiro das Trevas Ressurge).

Apesar de todo o sucesso do personagem em outras mídias, nenhuma delas aprofundou tanto seu lado psicológico quanto seu lugar de origem, as histórias em quadrinhos. A seguir, a análise sobre o personagem e seu transtorno de personalidade.

O TRANSTORNO ENCONTRADO

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: “A característica essencial do Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva é uma preocupação com organização, perfeccionismo e controle mental e interpessoal…”.

Os indivíduos que sofrem desse Transtorno tentam manter um sentimento de controle. Batman tenta “controlar” toda uma cidade, afinal, o combate ao crime é uma forma de controle.

“Eles são excessivamente cuidadosos e propensos à repetição, dando extraordinária atenção a detalhes e verificando repetidamente, em busca de possíveis erros”.

Batman é extremamente cuidadoso e passa várias horas treinando, afinal, qualquer erro pode custar sua vida. Como ele é um detetive, dedica muito de sua atenção a detalhes, por mais insignificantes que sejam, esperando encontrar alguma pista.

“O perfeccionismo e os altos padrões auto-impostos de desempenho causam disfunção e sofrimento significativos nesses indivíduos”.

Batman tem padrões muito elevados, o que exige muito esforço físico, e acaba por diminuir suas horas de descanso, levando-o sempre ao limite da exaustão física e mental. Quando por acaso comete algum erro e deixa um criminoso escapar, culpa-se muito e não descansa até reparar o tal erro.

“Os indivíduos com Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva demonstram excessiva dedicação ao trabalho e à produtividade, chegando à exclusão de atividades de lazer e amizades”.

Bruce Wayne prefere passar todo o seu tempo disponível como Batman, patrulhando as ruas ou trabalhando em sua Batcaverna, na solução de algum crime. Como consequência, dorme pouco e passa muito pouco tempo em sua casa, a Mansão Wayne.

Como já foi dito anteriormente, vai a poucas reuniões sociais, as quais odeia, mas encara como parte de seu trabalho. Uma parte chata, mas necessária. O mundo o vê como um playboy que não faz nada da vida, já que a gerência de suas indústrias foi entregue a um amigo de seu pai. Portanto, de vez em quando é necessário que ele assuma essa persona de playboy, e venha a público, como uma forma de não levantar suspeitas e proteger sua identidade secreta.

Muita gente já chegou a suspeitar que Bruce fosse Batman, pois só ele teria dinheiro para bancar todos os equipamentos de última geração que Batman usa. Porém, Bruce Wayne, o playboy, é um idiota que só quer saber de jogos de golfe, cruzeiros no Caribe e de ser fotografado ao lado de lindas modelos, logo, ele não pode ser o Batman.

Também não possui nenhum amigo, sendo que seu melhor amigo e confidente, e a única pessoa pela qual realmente sente algum tipo de afeto é o seu mordomo, pois ele sabe de sua vida dupla e até o ajuda de vez em quando.

“Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva podem ser excessivamente conscienciosos, escrupulosos e inflexíveis acerca de questões relativas à moralidade, ética ou valores. Eles podem forçar a si mesmos e a outros a seguirem princípios morais rígidos e padrões muito estritos de desempenho”.

Batman tem a visão mais comum de moral, que diz que os seres humanos devem se respeitar e seguirem as leis dos homens, sendo que qualquer desrespeito a elas é abominável. Por isso ele combate o crime, por uma diferença entre o seu conceito de moral, e o conceito da bandidagem. Ele os força a aceitarem os seus princípios, bem como passa esses mesmos princípios a seu parceiro Robin. É imprescindível que ele tenha a mesma visão que Batman ou simplesmente não trabalhará com ele.

Vale lembrar também que Batman distorce as leis em proveito próprio, já que bancar o vigilante é ilegal (em seu primeiro ano como vigilante, Batman era caçado pela polícia como um criminoso). Porém, como ele está do mesmo lado que a polícia, ele não vê essa infração como uma quebra de valores.

“Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva são avessos a delegar tarefas ou a trabalhar com outras pessoas. Eles insistem, de maneira teimosa e irracional, que tudo seja feito à sua maneira e que as pessoas se amoldem ao seu jeito de fazer as coisas”.

Batman, por muito tempo, trabalhou sozinho, mesmo quando visivelmente precisava de ajuda. Com o surgimento de Robin, ele relutou muito a torná-lo seu parceiro, pois achava que, além dele se arriscar por uma missão que não lhe dizia respeito, poderia perder o controle que mantinha sobre a segurança da cidade. Com muito custo aceitou que Robin trabalhasse ao seu lado. Porém, ele deveria seguir um treinamento organizado pelo próprio Batman e, uma vez que entrasse em ação, deveria seguir todas as ordens dele, não importando o quanto elas lhe parecessem absurdas ou injustas. Ou seja, ele deveria se adaptar ao jeito de Batman fazer as coisas ou simplesmente ficaria de fora da ação.

Até hoje, cinco Robins lutaram ao lado de Batman: o primeiro, Dick Grayson, um ex-trapezista cujos pais foram mortos por mafiosos, é o mais conhecido. Ele depois adotou o codinome Asa Noturna e passou a morar e proteger uma cidade vizinha a Gotham. Ocasionalmente, ele volta para dar uma força.

O segundo, Jason Todd, um garoto de rua, era irresponsável e rebelde, sempre desobedecendo as ordens de Bruce. Acabou sendo assassinado pelo Coringa (mas ele já ressuscitou). Como consequência, Bruce se culpa até hoje pela sua morte (mesmo depois de ele ter ressuscitado. Afinal, ele voltou como um vilão cheio de ódio em seu coraçãozinho). Porém este fato justifica ele não querer aceitar ajuda e, quando aceita, deve-se seguir suas instruções fielmente, afinal, ele sabe do que está falando por experiência própria.

O terceiro e mais longevo Robin após Grayson é Tim Drake, um vizinho de Bruce Wayne que descobriu sua identidade. Porém, dada a experiência da morte de seu antecessor, Bruce delega a ele apenas trabalhos de pesquisa na Batcaverna, ocasionalmente levando-o em missões mais “fáceis” e, mesmo assim, deixando-o longe da linha de fogo.

A quarta Robin foi Stephanie Brown, também conhecida como Salteadora. Assumiu o codinome por um breve período (algo como duas edições) e foi rapidamente demitida do cargo justamente por desobedecer as orientações do Cavaleiro das Trevas.

O atual Robin é Damian Wayne, filho de Bruce com Talia Al Ghul, criado como assassino pela Liga das Sombras. Bruce o colocou como Robin para ensinar-lhe seus valores morais e criar laços com seu herdeiro, visto que nenhum dos dois possui interesses em quaisquer outras atividades e também para poder controlá-lo.

“Os indivíduos com este transtorno podem ser incapazes de jogar fora objetos usados ou inúteis, mesmo quando não possuem valor sentimental”.

Embora a Mansão Wayne esteja cheia de objetos inúteis, eles possuem valor sentimental, pois eram dos pais de Bruce. Já a Batcaverna é cheia de objetos coletados nas batalhas anteriores de Batman. Não possuem nenhuma utilidade prática, e tampouco sentimental, embora ele costume dizer que são lembranças de trabalhos passados.

PONTOS DIVERGENTES

“Os indivíduos com transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva tentam manter um sentimento de controle através de uma atenção extenuante a regras, detalhes triviais, procedimentos, listas, horários ou formalidades, chegando a perder o ponto mais importante da atividade”.

Embora Batman tente manter o sentimento de controle através dos itens citados acima, ele nunca perde o ponto mais importante da atividade, pois a execução de seus planos é o grande combustível de sua obsessão/compulsão.

Em outro trecho, o texto diz que às vezes, pessoas com este transtorno planejam tanto algo que nunca o realizam, pois seus planos não atingiram a perfeição. Batman sempre busca o plano de ação perfeito. Porém, nunca deixa de realizá-lo. Talvez porque sua atividade seja extremamente perigosa e envolva muita adrenalina, ele não tenha a chance de fazer retificações, não lhe restando outra alternativa a não ser agir.

“Os indivíduos com este transtorno podem ser miseráveis e mesquinhos e manter um padrão de vida bem abaixo daquele que seria possível…”.

Na condição de homem mais rico da cidade, Bruce vive na mansão da família e arca com os gastos envolvidos na manutenção de uma casa tão grande. Além disso, ele investe muito dinheiro na construção dos equipamentos de Batman, pois eles lhe servem de auxílio ao seu grande objetivo, o combate ao crime.

Talvez ele tenha a certeza de que seu dinheiro nunca vá acabar, e por isso não veja a necessidade de se economizar para o futuro, mas o fato é que este tópico é o único que não condiz, nem ao menos em parte, com a personalidade de Bruce Wayne/Batman.

CONCLUSÃO

“Apenas quando são inflexíveis, mal-adaptativos, persistentes e causam prejuízo funcional significativo ou sofrimento subjetivo, esses traços constituem um Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva”.

Apesar de não se preocupar com o dinheiro, e nem atrasar suas atividades, ou mesmo deixar de fazê-las por conta de um excesso de planejamento ou por uma insatisfação com o mesmo, Bruce Wayne/Batman possui todas as outras características citadas acima, caracterizando-se assim, como um caso de Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva.

Embora o texto diga que este padrão de comportamento comece no início da idade adulta, no caso de Bruce Wayne, muito possivelmente começou aos oito anos, quando da morte de seus pais, embora seja possível que tenha mesmo começado no início da idade adulta, no período em que estudava no exterior. Sabe-se muito pouco sobre esse período, pois essas viagens e seus treinamentos foram pouco mostrados nas histórias em quadrinhos, e pouco aprofundados.

Sabe-se somente que antes do assassinato de seus pais, ele era uma criança normal, e quando volta de suas viagens, já adulto, já apresenta estes critérios. Dos oito critérios apontados no texto, dos quais são necessários pelo menos quatro para o diagnóstico, demonstra cinco com toda a certeza.

Bruce Wayne tem plena consciência de que seu estilo de vida não é normal, gostaria de ser uma pessoa normal, mas não consegue evitar ser o Batman, é uma necessidade para ele. Porém, ele tampouco é feliz sendo Batman, e chegou algumas vezes a deixar de lado o combate ao crime. Uma vez, vencido por Bane, ele acabou numa cadeira de rodas. Colocou um substituto em seu lugar e se afastou da cidade, mas não conseguiu aguentar e fez de tudo para se recuperar o mais rápido possível e voltar à ação.

Ele também já se deu conta de seus sintomas de Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva e já se perguntou se não estaria “louco”, porém nunca procurou ajuda psiquiátrica, pois sua missão de combater o crime seria importante demais, mais até do que sua própria saúde mental.

Talvez ele só viesse a se curar, ou ao menos aceitar algum tipo de ajuda, quando seu objetivo for alcançado: reduzir a taxa de criminalidade de Gotham a zero. Porém, isso é uma utopia, e ele sabe disso. Portanto, ele está preso a uma tarefa impossível, que ele nunca concluirá e, assim, consequentemente, está preso ao seu transtorno de personalidade indefinidamente. Triste, não?

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